Thursday, August 02, 2012

DOMINADOS E DESCONTROLADOS

Dois extremos de comportamento parecem marcar o cidadão em um momento onde valores éticos se confundem com disparidades que invadem o meio e destroem noções de cidadania: a apatia que crê na fatalidade desse processo e a revolta extrema, que leva um cidadão pacato a agir de forma violenta.
De uma maneira natural, esse desajuste é reconhecido popularmente. O termo popular "zumbizado" está se tornando comum e se refere ao estado de aceitação incondicional de tudo que é ditado pela mídia, seja um produto, seja um comportamento, seja uma informação, que ainda que destituída de provas, é aceita como arauto de alguma realidade. 
Em outro extremo ao zumbi moderno, aparece outro comportamento preocupante: o inconformismo com a situação de absoluta vulnerabilidade do cidadão, não apenas diante da violência marginal, mas da ausência de ações eficientes que impeçam o abuso de seus direitos nos mais variados campos. Surgem as ações imprevisíveis de violência daquele cidadão comum, que vivencia o seu "dia de fúria" por pressão de instituições e serviços que não respeitam a lei. 
É o caso da senhora de 73 anos, professora aposentada, que retornou furiosa ao banco para reclamar de um engano de uma funcionária. Levando uma arma na bolsa, ela passou pela porta  e acabou ameaçando o gerente. Caso também de inúmeras agressões feitas por segurados do INSS a médicos responsáveis por perícias, ou de pessoas que buscam aposentadoria e revoltam-se contra um atendimento mecânico e extremamente burocrático que nem sempre respeita a emergência de sobrevivência de quem trabalhou décadas a fio. Agências do INSS hoje tem aparatos de segurança que parecem incompatíveis e exagerados para o trato com idosos ou cidadãos doentes ou lesados pela atividade no trabalho.
Demora em processos leva pessoas ao desespero. Casos como o de um homem que aguardou anos por um resultado, sem poder trabalhar e sem recursos para a família. Ao saber que o auxílio havia sido negado atirou em um segurança no Juizado Especial Federal.
Pessoas que cometem violência no trânsito, com perseguições e tentativas de atropelamento por motivos fúteis. Vivenciamos exageros de torcidas de futebol, violências por discriminação racial, religiosa ou até política. Pessoas pacíficas que agem de maneira desesperada em filas de hospitais, e "armam barraco" em incontáveis situações criadas pelo comércio e por serviços. Professores são agredidos por alunos e alunos são vítimas de atiradores!
O que origina esse comportamento? A ausência de respeito às regras básicas de convivência, certamente. A partir do momento em que o conceito de respeito a ética fica cada vez mais diluído na massa da informação da mídia, maior é o rompimento do compromisso comum.
No século XIX,  Nietzsche já tentava diagnosticar a derrocada dos valores morais, quando parte da sociedade louvava novos conceitos baseados em um mundo que se industrializava e tornava-se operacional e produtivo, mas esvaziava seus princípios morais e éticos, duramente mantidos ao longo de séculos onde se buscou a medida mais razoável entre o poder econômico e a massa, fundamentais à uma convivência que, pretendia-se, fosse pacífica. 
No entanto a difusão da produção e do consumo acabou transformando o homem em um produto. Em seu estudo sobre a sociedade de consumo Jean Baudrillard lembra que a imagem, o signo, a mensagem, tudo aquilo que consumimos, forma um conjunto de ilusões que não resulta no equilíbrio da relação humana, muito pelo contrário.
Com a supressão de regras éticas e morais importantes, como a honra, a dignidade, a fidelidade, que acabam se tornando valores aristocráticos e portanto fora do alcance da maioria, vem a derrocada social, com a decadência da família como instituição básica da preservação desses valores, a predominância dos crimes, vícios, inveja, tudo que seria fruto do igualitarismo.
Que por sua vez nivela o ser "para baixo". Por exemplo, até a arte se transforma em uma expressão desprovida de sentido, de senso estético, de valor criativo, para se tornar simplesmente um ornamento ou um instrumento para chocar ou provocar.
A grosso modo e traduzindo o processo, poderíamos dizer que vivemos um momento onde longe de valorizar o elemento humano, a sociedade o oprime e o amolda em uma embalagem de massa de suposta liberdade, que na verdade é mais perigosa e escravizadora do que os feudos  nos tempos da escuridão. 
O resultado é uma profunda apatia e paralisação da mente diante do que se considera um processo natural e inevitável, ou uma insatisfação profunda que provoca reações extremas e violentas, pela mesma impressão de   aprisionamento e vulnerabilidade. 
O ser humano dificilmente se adapta a um ambiente programado, limitado e inóspito. Aumentam os problemas decorrentes da insatisfação pessoal, do medo da violência, do desencanto com a lei e da desconfiança de meios de comunicação que deveriam ser confiáveis, mas que se tornam contaminados. 
Ao contrário do que se convencionou, não houve um aumento da corrupção, mas sim uma consciência de sua existência e dos seus estragos em contrapartida à uma disseminação da impunidade que passou a atuar sobre o conjunto social. 
Para evitar  o caos o recurso é a recuperação dos valores que permitem o norteamento moral e ético, começando pelo topo e não mais pela base social que se descontrolou. Essa sim é uma ação histórica . "Cortar o mal pela raiz" implica em corrigir a corrupção onde ela começa, nos centros de poder político e econômico, moralizando instituições de maneira a permitir que a natural desigualdade social - considerando as diferenças individuais de  caráter e capacidade em todas as suas instâncias, reabsorva valores fundamentais a sobrevivência do meio.
O que não pode acontecer, além da inércia, é algum teatro onde haja punição programada para conter a insatisfação popular, como os espetáculos das arenas romanas. Se há intenção de reabilitar a sociedade e evitar o descontrole, que as ações sejam claras e ilimitadas, não se resumindo a algum caso específico, real ou forjado. E que todos admitam que um caso é isso: apenas um pontinho no mar de desajustes e corrupção que leva ao caos. (Mirna Monteiro)

3 comments:

  1. Ortiz5:11 AM

    Excelente artigo. Vênias para utiliza-lo em minhas aulas. Grande abraço Mirna Monteiro.

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  2. Raphaela Menezes5:26 AM

    Max Weber afirmava que não se teria jamais atingido o possível se não se houvesse tentado o impossível. É dele também a idéia de que "atos humanos que, considerados isoladamente, são impregnados pela nossa sensibilidade valorativa com as cores mais deslumbrantes, mas que, pelas conseqüências a que dão origem, acabam fundindo-se na cinzenta infinidade do historicamente indiferentente, ou que antes, como geralmente sucede, entrecruzando-se com outros eventos do destino histórico, acabam mudando tanto na dimensão como na natureza do seu sentido, até tornar-se irreconhecíveis". Parabéns por este espaço único.

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  3. Anonymous2:15 PM

    Boa tarde.Tive a oportunidade de assistir uma cena tristissima onde um hospital negava-se atender senhora que passava mal.É uma vergonha como não se dá valor a vida e por isso mata-se por nada

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