Friday, February 22, 2013

BOM SENSO E O DIABO

O senso de justiça está cada vez mais espremido pela lógica de sobrevivência instintiva e individualista. O que seria isso? Cada um arrisca a sua interpretação do que seria justo, mas infelizmente com base em conceitos e deduções impostas pela ficção que pretende distrair, mas que acaba atuando subliminarmente na consciência dos desavisados.
Até que ponto a Justiça fica comprometida com as distorções do mundo moderno, onde as imagens e o apelo da mídia predominam sobre a razão imparcial, ainda não está bem definido. Mas parece que a interpretação de fatos mistura ficção e realidade. 
O interessante é que temos hoje os extremos bem delineados e visíveis a qualquer observador: quanto mais aumenta a informação e a consciência popular a respeito do que seria o senso de justiça, mais são "aprimoradas" as táticas da distorção da verdade e, portanto, dos objetivos da aplicação das leis.
Nos julgamentos acompanhados pela grande mídia assistimos a um festival de estratégias que lembram um jogo, onde a verdade não é necessariamente um componente de destaque. Pelo contrário, como nossas leis preveem que o sujeito em julgamento não precisa fornecer provas contra si mesmo (óbvio) a interpretação vai solta e sem constrangimento algum na utilização de argumentos construídos ficcionalmente. Ou seja, a mentira corre solta nos tribunais, não como exceção discreta, mas como norma da defesa.
É uma situação absurda. Nesse caso provas coletadas cientificamente são contestadas pela defesa de um acusado, digamos de homicídio, não de maneira fundamentada, mas aleatória, conturbando o senso da realidade.
Parece ficção. No filme "O advogado do diabo", baseado em um romance do australiano Morris West, o advogado idealista na luta pela justiça acaba corrompido, seduzido por dinheiro e posição social. Acaba arrependido, após descobrir que a sua ganância trouxe a desgraça para muita gente, inclusive para ele próprio. A história mostra um desfecho que alivia a tensão de quem está torcendo contra o diabo. Afinal, pretende-se que a arte imite a vida. Ninguém quer que vilões terminem sempre ganhando.
A realidade pode ser bem mais complicada do que as páginas de um livro. Para quem acha que o circo armado para confundir julgamentos é consequência natural e pode ser controlado pela lógica de quem julga, inclusive em júris populares, é bom lembrar que o abuso é tamanho que o senso de justiça fica realmente comprometido e o resultado justo submetido a uma espécie de roleta russa. Pode ou não atingir o objetivo.
Essa liberdade em mentir ou esse "vale-tudo" nos nossos tribunais repercute naturalmente na ordem social. Não há punição para advogados que jogam com fantasias e distorções, na mentalidade que levou ao esteriótipo do "advogado do diabo", que define defesas sem escrúpulos no âmbito do sistema judiciário.
O fato reduz a credibilidade na justiça.
John Rawls filosofou a respeito, comentando que as leis são diretrizes direcionadas à pessoas racionais que tem o objetivo de viver em um sistema de cooperação social. Mas nem sempre as leis ou o cumprimento delas são expressões institucionalizadas da justiça.
O problema, lembra, é o fato de que a injustiça pode comprometer o sistema de cooperação social. Ou seja, quando toda a estrutura existente, criada para fortalecer esse meio, é neutralizada por fatores que não tem o objetivo comum, ocorre uma crescente desorganização social.
Se é permitido todo e qualquer argumento, mesmo que seja evidentemente falso ou com intenção de deturpar a verdade e prejudicar o objetivo da justiça, sem clara punição a quem se utiliza maliciosamente desse recurso, não há como exigir fora dos tribunais o senso da justiça e portanto a obediência civil ou cooperação da massa.
Não falamos aqui apenas dos grandes assassinatos, que acabam integrando o folclore popular, mas da justiça em todas as suas instâncias, mesmo em decisões de pequenas causas ou em questões cíveis, que podem não ser dimensionadas pela mídia, mas que são como a água sobre a pedra, provocando ao longo do tempo o descrédito no sistema judiciário. (Mirna Monteiro)