Sunday, December 30, 2012

É O FIM DO MUNDO

" ...Pois bem, foi no Club, no sábado, que os boatos começaram.
Estavamos sentados, como sempre, eu, o Orlando e Alan Laplete, observando um grupo jogar cartas na mesa contígua à nossa. Alan, o mais idoso de nós, nos seus 45 anos, foi quem tocou primeiro no assunto.
- Parecemos todos hoje desanimados em demasia.
- Final do mês - resmungou Orlando, sem tirar os olhos das cartas ao lado - Todo fim de mês é a mesma coisa. Cansaço! Temos o balanço da fábrica para concluir, não é Carlos?
Concordei com ele. Alan balançou a cabeça, soprando fumaça sobre nós.
- Bobagens! Que cansaço? Estamos todos com a pulga atrás da orelha!
- Alan, você não irá tocar nesse assunto! De novo não! Todos sabemos que isso é criação de quem não tem o que fazer na vida, a não ser assombrar a sociedade.
- Assombrar? Sim Carlos, é certo. Assombrar sim senhor, mas com um fundo de razão. Não é invencionice, meu amigo, é ciência, é ciência!
- Ora! - interveio Simão, que até o momento parecia alheio à conversa - Quer dizer que é científica a afirmação de que o mundo vai acabar?
- Espera aí, meu caro - Alan franziu o cenho - não tumultue a conversa. Os cientistas não estão dizendo que o mundo vai acabar. Apenas...bem, todos sabemos a grande carga de desgraças e mudanças que a passagem de um cometa pode trazer...especialmente nas proporções desse que vem aí!
- Sei. Quer dizer que o cometa tem um poder tamanho desses? Essa pulga vaporosa do espaço? Ora senhor Alan, todos sabemos que não é o primeiro cometa a passar por nós! Quantos já não riscaram nossos céus? A terra continua aqui, inteira! Toda mudança de século carrega o peso das fofocas estelares que vão acabar com o mundo! O mundo, oras! Acreditar em sandices nos tempos modernos de 1910? Grandes pulhas!
- O senhor Simão queira desculpar-me. Acho que não soube ser claro o suficiente para expressar minhas ideias. Não quis dizer que acredito que esse astro irá chocar-se com a terra e arrebentá-la, pondo fim a todos nós. Apenas que a sua passagem está sendo muito discutida e cogita-se, sim, cogita-se, a possibilidade de que venha a afetar todos nós.
- Desculpe-me interrompe-los, mas há uma razão quando se diz que não é a primeira vez que seremos visitados por um cometa. Saibam que a história registra quase mil e setecentas aparições do tipo - segredou Orlando, provocando um ligeiro suspense na conversa.
Simão olhou para ele, parecendo aturdido.
- Mais de mil?
- Mil e setecentas aparições!
- O que me espanta, caro Orlando, não é o numero em si, mas o seu conhecimento do assunto...andou pesquisando a respeito, confessa!
- Que é isso? Acha que me impressionei com falatórios? Todo mundo sabe disso...
- Não, não senhor! Andou pesquisando o assunto, não é assim? Carlos, está o Orlando comparecendo aos horarios certos no trabalho? Pois a mim parece que ele tem perdido o sono com medo desse tal cometa, hehehe...
- Não estou com medo coisa alguma! Ainda que seja verdade e que esse cometa seja o arauto do fim da humanidade, de que me valeria ter medo? E serei eu homem de temer alguma coisa, ainda que seja o fim do mundo? Não senhor! O que é isso?
- Calma amigo - tentei corrigir, vendo que os ânimos se acirravam - não há ninguém que possa acusa-lo do que quer que seja! Ademais é possível que esse tal cometa sequer passe aqui tão perto. Talvez os cientistas tenhan confundido o seu percurso. Não me parece tão fácil calcular a trajetória de um corpo celeste, como o é o da rotação da terra.
- Pois eu não tenho medo mesmo! Agora, se quer saber Simão, acho que Alan está certo. Esse cometa deve trazer muita desgraça, quiçá o fim de todos nós! A ciência é capaz de calcular tudo isso sim senhor, estamos em um novo século, entramos no século XX! Hubert Anson Newton afirmou que se existissem um milhão de cometas de órbitas quase parabólicas e que chegassem a menos de 150 milhões de quilômetros do sol, 9 mil passariam a ter bordas elípticas com período inferior a mil anos, em virtude da ação de Jupiter, 240 pela ação de Saturno e dois pela ação de Urano e Netuno! Disse isso tudo há anos atrás!
Orlando parou de falar, ofegante e satisfeito.
No silêncio que se seguiu, sentiu-se incomodado.
- Que houve? Não tive a intenção de apavorar vocês!
Simão balançou a cabeça, de boca aberta.
- Eu não entendi  nada!
- Espera, espera! - interrompeu Alan Laplet. Parecia aturdido e arregalava os olhos, mastigando nervosamente o charuto - Ele tem razão!
- O que? Que razão? Ninguém entendeu nada! - repetiu Simão
- Ele tem razão! Digo que o tem, ora, como nao?
Silêncio.
- Não é preciso entender, senhores - continuou Alan - Basta captar o seguinte: todos sabemos que os cometas aí estão! Sim, muitos passaram por nós, provocando cataclismas. Ora, esse que aí está chegando é o maior de todos que a ciência já conheceu! E passará tão perto de nós que poderemos ver sua cauda flutuando no céu! Quem garante que realmente não subirá marés e convulsionará o centro da terrra?
Ninguém se movia, escutando Alan.
- Senhores, pensem! Poderão acontecer terremotos monumentais, maremotos, pragas, talvez a peste ressurja dessa convulsão!
Todos estavam absorvidos pela premonição e não repararam que no salão ocupantes de outras mesas haviam parado de tagarelar amenidades e pareciam petrificados olhando o grupo, em suspense pelo desfecho daquela discussão terrível, como se ela fosse decidir o destino de todos ali e dali afora.
- Quiçá....veja bem...quiçá esse cometa possa cair sobre nós, como está previsto no Juizo Final! Aí então nada se salvará, nem nossas almas! - arrematou Laplete.
Ninguém se aventurava a responder. Por fim Simão, visivelmente irritado, emborcou o restante da bebida de seu cálice, cravando os olhos em Alan Laplete.
- E se assim for, você vai fazer alguma coisa ou simplesmente continuar babando nesse seu charuto?
Sem ofender-se, Laplete olhou o charuto mordido e melecado de saliva e o jogou na escarradeira ao lado, limpando os lábios antes de falar.
- Fazer o que, meu amigo? Não podemos agarrar esse cometa pelo rabo e manda-lo assombrar outra freguesia....é entregar-se na mão de Deus!
As palavras soaram com um ribombar profético no ambiente. Apesar de ainda ser cedo, o salão esvaziou-se rapidamente.

Fiquei impressionado. A ameça do cometa já causava estragos. E eu pensei se realmente deveria ficar preocupado, senão com cataclismas, com o futuro da minha fábrica de chapéus...mal sabia eu o que iríamos enfrentar! ( "A Cauda do Cometa", cap. III- Mirna Monteiro)