Tuesday, December 27, 2011

UM ANO COMPLICADO

Uma das coisas mais interessantes do final de um ano é a sensação de um certo alívio. Algo assim como ser atendido depois da espera em uma longa fila ou a idéia de "dever cumprido" depois de um dia de trabalho exaustivo...quem sabe um sentimento dimensionado pela perspectiva de que algo está acabando, mas para dar lugar a uma nova oportunidade de inicio, Se possível com "pé direito" bem posicionado e calculado!  
Nenhuma crítica a respeito. Todos dependemos de novas chances e oportunidades para reciclar a rotina, caso contrário a vida seria chata. Uma rotina eternizada. Mário Quintana enalteceu acertadamente essa "jogada do calendário", chamando-a de "truque bom", seja na segunda-feira, no primeiro dia de cada mês ou em cada novo ano. "O bom é que nos dá a impressão de que a vida não continua, mas recomeça"...
Detalhes do calendário não importam muito, desde que obedeçan ao ciclo de renovação. O calendário romano já teve dez meses quando introduzido por Rômolo, depois dias elásticos no calendário grego. Pouco importaram essas diferenças, porque o objetivo era definir o nascimento de uma fase, seu amadurecimento, seu final e seu renascimento. 
Truque, coincidência ou inspíração, a verdade é que funciona. Final de ano é pura festa, como os rituais da antiguidade, que decerto ficaram embutidos em cantos da memória humana. É preciso se despedir do ano que passou em grande estilo, passando uma borracha na alma e recriando a expectativa de que os fracassos podem ser transformados em sucesso e os erros em acertos.Principalmente em tempos onde as pessoas ficam surpresas com a velocidade dos dias. "Este ano já ficou velho? Caramba, parece que janeiro foi no mês passado!"...
Mesmo que a sensação seja de encolhimento do calendário, é preciso se programar para a renovação! E vem as famosas listinhas. Que este ano serão interessantes. Afinal 2012 é o ano em que alardeia-se o fim do mundo, lá para os idos de dezembro.
Bem, sem pânico! Se assim for, ainda teremos todos os meses do ano para cumprir com as promessas de ano novo. Talvez, para garantir, elas tenham que ser finalmente cumpridas. Supondo que o mundo acabe realmente em dezembro de 2012. De qualquer forma  será interessante iniciar 2013 com a agenda cumprida. Seria algo assim como finalmente cumprir com uma determinação que se dilui ao longo dos meses e termina de novo no topo da lista do ano seguinte.
Antes prevenir do que remediar. No final das contas teremos afinal um ano realmente inusitado e com perspectivas de se realizar as coisas sempre adiadas. O que torna este ano que parece complicado em um momento especial no velho modelo do calendário! (Mirna Monteiro)

Thursday, December 15, 2011

ALÉM DAS VASSOURAS, BALDES E ESFREGÕES

As aparências enganam. Não é um anúncio de material de limpeza. Trata-se, pelo contrário, de um grave problema que é relegado a armários de lavanderias e quartinhos de despejo de residências familiares e que no entanto determina o movimento da sociedade, suas conquistas culturais, econômicas, políticas, sociais...
O que tem a ver vassouras com tudo isso? Bem, não há necessidade de se falar especificamente em vassouras...podemos substituir pelo aspirador de pó, por maquininhas a vapor que tiram o limo de paredes e piso e ainda substituem o ferro de passar roupa. Ou trocar detergentes por tijolinhos de sabão quando a louça suja vai para uma máquina ao invés de cumular-se em um pia...ainda assim, o que teriam essas visões aterrorizantes e meramente domésticas com as importantes decisões políticas, econômicas e sociais?
A concepção do trabalho sempre esteve ligada a uma visão negativa. Aos nobres cabia a política, aos escravos o trabalho duro. Quando a escravidão foi abolida, o trabalho foi classificado em "importantes e nobres" ou em "menores e sujos". 
Os gênios da humanidade passavam a vida enfurnados em pesquisas e inventos, os serviçais lavavam suas vestes e limpavam a bagunça de seus experimentos. 
Homens e mulheres também sempre tiveram sua divisão de responsabilidade. Ao homem cabia qualquer trabalho, ainda que pouco nobre, desde que não fosse em sua própria área doméstica, o que já atingiria uma qualificação pejorativa. 
À mulher cabia comandar a área doméstica e gerenciar os serviçais. Conforme a sociedade foi evoluindo, já no século XX, surgiu a empregada doméstica, também pouco valorizada porque estaria qualificada apenas para "limpeza geral, culinária e funções afins". A sociedade evoluiu mais um pouco, dimensionou a qualificação feminina. Lidar com política mundial, com pesquisas de células-tronco ou qualquer trabalho executivo é mais fácil do que enfrentar a rotina doméstica. Por outro lado chegar ao lar depois de um dia de trabalho duro e de um trânsito infernal e encontrar, digamos, a dinâmica interior desembestada, (tradução - casa bagunçada), pode provocar síndrome do pânico...inversa, ou seja, ao invés de ter medo de sair a pessoa terá pavor de permanecer dentro da casa!
E então...onde foi parar a empregada doméstica?
Ninguém quer saber do trabalho doméstico. Contraditoriamente, quem aceita esse trabalho ganha mais do que um motorista, balconista ou inúmeras outras profissões que vivem repletas de candidatos ansiosos por colocação e que não oferecem tantas vantagens. 
É o estigma do ambiente doméstico. Alguns interpretam as funções como "herança da escravidão". E no entanto elas integram uma realidade gritante, cotidiana, óbvia, que não tem a ver com a fase negra da história humana, fosse na Grecia antiga, fosse no Brasil colônia. Tem a ver com louça amontoada na pia, poeira no chão, roupa suja no cesto, banheiros malcheirosos e quintais com cocô de cachorro!
Se nesta fase da civilização humana, em um mundo que desvenda a engenharia genética e usa tecnologia espacial, alguém disser que serviço doméstico é bobagem, é porque vive em flats ou boiando em algum espaço dimensional repleto de serviços prontos e disponíveis, acessível a um percentual tão pequeno da população mundial que nem vale como exemplo.
Alguns países resolvem de maneira prática a dura realidade da importância do serviço doméstico (que afinal pode deixar maluco qualquer gênio da matemática quando descobre que esgotaram-se nas gavetas as cuecas limpas!). 
Como o Japão! A questão da limpeza da casa fica solucionada ao reduzir o espaço físico, para um metro quadrado por cabeça...é só assoprar em torno, nem precisa de aspirador de pó. Além, disso, detentores de uma tecnologia genial, os japoneses estão conseguindo construir robôs que chegam à perfeição de andróides e que dominam o conhecimento dos afazeres domésticos. Com a vantagem de serem permanentes (enquanto o chip funcionar, claro) e não fazer chantagem emocional comum às raríssimas pessoas que ainda trabalham com limpeza doméstica em residências e que são realmente cada vez mais paparicadas e elevadas à condição de "alfa"! Quem manda aqui? Claro que é você, a secretária do lar...porque para algumas pessoas dizer que tem uma "empregada doméstica" é considerada ofensa. Absurdo, quando todos sabem que toda família depende de um lar e que todo lar exige uma dinâmica que, subtraída, transtorna a vida da sociedade.
Bem, que venham logo os robôs...(MM)

Tuesday, December 06, 2011

A TAL FELICIDADE

Fim de domingo, encontro com algumas pessoas que não via há muito tempo, todas elas diferentes, idades variadas, interesses opostos e desconhecidas entre si, mas com alguma coisa em comum: uma nostalgia surpreendentemente descrita com as mesmas palavras. "Não sei explicar, mas entardecer de domingo sempre me deixa meio "deprê" (depressivo)...
É mesmo uma coincidência! Ou não? Afinal, o que é que tem de diferente o final de um domingo em relação a outro dia qualquer? A expectativa da segunda-feira, talvez?
- É, pode ser sim, só de pensar em enfrentar aquele trânsito de novo, pô meu, ninguém merece...
Foi esta uma das respostas. Pensei sobre ela. Poderia ser uma explicação, já que na sexta-feira a situação se inverte. Todo mundo adora uma sexta-feira, muito mais do que o sábado ( engraçado isso). Mas se assim é, por que pessoas que não trabalham na segunda-feira também parecem sentir essa "síndrome nostálgica" do fim de domingo? O problema seria a expectativa?
Essa expectativa parece ser o "calcanhar de Aquiles" da humanidade. Pretende-se sempre esperar que tudo se conserte, que as emoções se organizem e que surjam fatos que permitam a todos atingir subitamente a felicidade. Mas nenhuma situação ou emoção surge "do nada". Tudo que existe tem uma origem e um desdobramento.
Entende-se por felicidade o absoluto bem estar físico e mental. Tão absoluto que para grande parte das pessoas esse momento ideal acaba tornando-se inacessível, boiando em alguma montanha escarpada ou flutuando sobre abismos imensuráveis. 
- Felicidade não existe! - garantiu alguém - Esse negócio de felicidade só estraga, tem gente complexada, revoltada, odiando o mundo, por achar que foi discriminada pela vida, se aprender que é tudo ficção vai ser melhor.
A expectativa acaba tomando a forma de desdém, como na fábula da raposa e das uvas. Para que me preocupar com aquilo que não posso ter e que por esse motivo pode não existir? 
Pensamentos azedos demais para uvas que vão amadurecer um dia e que podem ser mais doces do que nossa imaginação supõe. Se a raposa não tivesse tamanha ansiedade e expectativa em alcançar as uvas que parecem inacessíveis, teria a oportunidade de provar sua doçura ainda que o peso dos cachos maduros vergassem até ela. 
A tal felicidade, que tantos desejam e outros tantos desdenham por não a conceber, é mais acessível do que imaginamos, se prestarmos atenção ao fato de que ela não é um pontinho flutuante, mas simplesmente um espaço dentro de nossa própria consciência, geralmente espremido e reduzido pelo excesso de expectativas e ansiedades superficiais que tomam nosso tempo e embotam nossos sentidos.
Tanto isso é verdade que quanto mais superficial o mundo se torna, maior é a quantidade de antidepressivos e outras drogas ingeridos pela humanidade. Para alegria ( seria a tal felicidade?) da industria farmacêutica e dos laboratórios de manipulação.
O "conhece-te a ti mesmo" que mantém-se moderno há alguns milhares de anos, pode ser a origem da felicidade, pois obriga a mente a trabalhar em sintonia com o mundo das idéias e não o mundo do consumo de carros milionário e mansões que supõem-se ser o passaporte para se atingir status e estado de absoluta felicidade. 
Será que quando possuímos mansões, carrões e bilhões, espantamos de vez aquela nostalgia e a ansiedade de ser feliz? Uma pesquisa que cruzou o PIB (a riqueza gerada por cada país) das maiores economias do mundo com o chamado índice de Gini, que mede a desigualdade social e tentou estabelecer com base nesses dados o índice de satisfação com a vida mostrou que nem sempre riqueza e menor desigualdade são sinônimos de felicidade. Aliás o Brasil registrou um índice de satisfação com a vida muito maior do que outros países mais ricos.
O que podemos constatar? Que a tal felicidade é relativa, pois envolve fatores subjetivos. Qualidade de vida, no entanto, parece ser fundamental para a felicidade, mas não necessariamente o dinheiro, ainda que o dinheiro possa ajudar a se obter melhor qualidade de vida. Mas o conhecimento, a saúde, a capacidade de enfrentar os desafios da vida com bom humor e tolerância, a sabedoria para transformar subjetivos fracassos em bem sucedidas experiências, o respeito ao meio e a capacidade de integração à natureza são fatores considerados preponderantes para um indivíduo sentir-se bem. Ou feliz! (Mirna Monteiro)

Tuesday, November 29, 2011

NATAL PROLONGADO

Já em final de outubro o comércio começa a apresentar vitrines natalinas, em novembro muitas famílias enfeitam a casa e montam  a arvore de natal. Podemos entender o comércio: quanto maior o prazo para as vendas antes do pico, maior tranquilidade para vender o estoque. Mas e as famílias? É bom ou nem tanto "esticar" o Natal?
Parece ser bom. A ansiedade do comércio não é a principal razão para que as pessoas tentem, a cada ano, vivenciar um pouco mais de tempo no clima do Natal. Ao ser inquiridas sobre o assunto algumas são práticas, dizendo que a decoração natalina é cada vez mais elaborada e trabalhosa demais para permanecer por poucos dias. Outras admitem que esta é uma das fases mais esperadas do ano, lembrando valores que ficam esquecidos ao longo do ano, como paz, fraternidade, alegria e troca, família e luminosidade. E visual, sabor e cheiro únicos: luzes coloridas, delicioso cheiro dos pinheiros, panetones, roscas...
Mas os panetones, que antes apareciam em dezembro, anunciando a data, agora praticamente não saem das prateleiras dos supermercados durante  todo o ano. A decoração nas ruas e nas casas dura em média 3 meses. E os pinheiros naturais, com aquele cheiro gostoso, são cada vez mais raros, substituídos pelo pinheiro artificial.
Há quem afirme que tudo isso, mais do abandono de tradições que formam um "mix" de cristandade com crenças e folclore, está tirando da comemoração o seu melhor sabor.
TRADIÇÃO MUTANTE
A tradição no entanto vem mudando sempre e recebendo adaptações de acordo com fatores culturais, sociais, ambientais ou comerciais. Festa basicamente cristã, que teria surgido no ano de 336 em Roma, ficou marcada com o dia de São Nicolau, dizem algumas fontes em mérito do Papa Nicolau, no século IV. Ele costumava presentear os pobres nos dias 5 e 6 de dezembro (que foi considerado o Dia de São Nicolau, que "abre" as comemorações natalinas que culminam na véspera do dia 25)
As coisas mudam: a moda para espaços pequenos dos
apartamentos é a arvore de natal invertida...quem diria!
Seja como for, a cada fase a tradição ganhava algum adereço. Nicolau transformou-se em Papai-Noel e na metade do século XX , ganhou a rena com nariz vermelho, com a ampliação do comércio na data. 
O problema, neste inicio do Terceiro Milênio, é que o Natal está perdendo a sua mais preciosa característica, que é a confraternização entre as pessoas, dentro e fora da família. 
Tradições que mantinham esse elo estão desaparecendo. Como a reunião na Missa do Galo, a troca de cartões com mensagens, a remessa de pequenos presentes e lembranças, como frutos da época e doces, a pessoas conhecidas. 
Mais impessoal, a comunicação é feita virtualmente por aqueles que tem o hábito de navegar na Internet - uma minoria das pessoas. Os amigos trocam presentes de maneira mecânica, através de sorteios em amigos-secretos que no final das contas são sempre criticados ou já determinados antecipadamente. Em alguns lugares, como nos EUA, o "forte" da tradição no dia 25 é comida, jogos especiais e grandes promoções das lojas de departamentos!
Apesar de tudo, a ideia é vivenciar ao máximo uma data tão especial, que encerra a emoção que todos sentem necessidade de expressar sem receio. 
!

Wednesday, November 23, 2011

MUSICA PARA MEUS OUVIDOS

Quando algo é muito agradável, a língua popular costuma dizer que "soa como música em meus ouvidos". Ou será música para minha alma? Afinal, a música pode ser muito mais do que o som, ganhando espaços e modificando estruturalmente o ser humano, tanto em seu corpo físico, como mental e espiritual.
Rudimentar, hipnótica, relaxante, ascendente, elevando o pensamento ou pesada, como se aumentasse a força da gravidade, a música assume tantas formas diferentes quanto a natureza humana permite existir. Provavelmente não há período histórico sem a música, ainda que composta de grunhidos ou suspiros. A natureza, independente da civilização humana, sempre foi musical. Os pássaros, as baleias, o vento, tudo parece integrar a verdadeira sinfonia que inspirou o homem.
A musica clássica e eterna convive com estilos musicais temporários ou que se firmam na linha do tempo. O erudito parece eterno e parece não se incomodar em disputar os ouvidos que se entregam a heavy metal ou aché, ou gospel. A variedade de estilos musicais é impressionante! Para cada estado de espírito (e há muitos) existe a música correspondente.
Diga-me que música ouves e te direi quem és...Como não? Os velhos filósofos já sabiam disso. A música reflete a alma, os sonhos, o humor e o caráter. E também ajuda a formação do ser. A música é filosofia em fluidez. Vibra o espírito e movimenta os humores, para o bem ou para o mal. Depende de seus acordes. A música "fala" e convence mais do que a verbalização, pois encontra o âmago utilizando atalhos da emoção.
É preciso reconhecer o poder da música! (Mirna Monteiro)

LEIA TAMBÉM http://artemirna.blogspot.com/2006/07/arte-da-msica.html

Tuesday, November 22, 2011

O OLHO

Quando surgiram os primeiros reality shows nos EUA e alguns países europeus o mundo ficou surpreso. Por toda a história humana a discrição e a privacidade foram sinônimos de segurança.
Evitar expor-se significava preservar a vida, em muitas fases históricas, desde os primórdios da sociedade humana. Para evitar transformar-se em troféu de caça, objeto de rituais, mártir de revoluções, exemplo de submissão na obscuridade  da Inquisição ou na feroz batalha pela predominância do poder econômico e político.
Os shows que expõe a intimidade das pessoas parecem cumprir com uma espécie de preliminar na vida real da sociedade moderna. Aliás até mesmo o nome lembra a soturna revelação no romance de George Orwell nos anos 40 do século XX, o Big Brother ou Grande Irmão, onipresente na vida do cidadão.
Orwell, que usou esse pseudônimo ao invés de seu nome real, Eric Blair, estava decepcionado com os resultados práticos do socialismo e apavorado com a capacidade humana de escravizar as sociedades. No seu romance todos os cidadãos eram uniformizados e obrigados a pensar da mesma forma. Quem ousasse agir ou pensar diferente era considerado criminoso e portanto punido.
Até aí, nenhuma novidade. Desde o início da civilização humana o domínio da sociedade sempre foi a preocupação dos déspotas. Mas uma coisa interessante é que Orwell usou uma nova tecnologica da época, a televisão, como a representação do olho repressor e vigilante da sociedade, o Big Brother. De fato profetizou um sistema de absoluto poder, a Internet.
Mas certamente atirou no que viu e acertou o que não viu: a televisão transformou-se em um aparelho com câmeras, que aliado ao poder do ciberespaço transformou-se em poderoso olho dentro da intimidade doméstica.
O mundo virtual é um mundo a parte, subjetivo para a maioria das pessoas. É como uma extensão do pensamento, pois não tem corpo, nem consistência. Apenas ideia.
Um erro crasso de interpretação. O fato de ser virtual não significa que seja inócuo ao mundo real. Muito pelo contrário, é um poderoso canal de comunicação, que coloca a televisão inventada no século passado no chinelo, com todo seu potencial midiático!
O mundo virtual tornou-se o objeto de desejo da expectativa humana de comunicar-se sem intermediários e sem sofrer (teoricamente)  a manipulação dos fatos.
Mas como tudo tem dois lados, é também um prato cheio e desejado para domínio da massa.
Estamos preparados para abrir mão da privacidade que está enraizada no instinto humano como mecanismo de auto-preservação?
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Quando entramos no mundo virtual não estamos apenas arriscando um encontro fortuito com hackers ou vírus, mas mantendo contato direto com "cookies" (que nome mais docinho) que sequestram informações pessoais. O mundo virtual é tão inseguro quanto o mundo real. Você pode sair de um site, desligar seu computador, mas o acesso às suas informações pessoais continua, ativo como cupins na madeira macia.
Talvez a alternativa seja abrir mão da privacidade prática, sem admitir o abuso. Informação no poder de alguns é pior do que ao alcance de todos. Seria a democratização do "Big Brother"! Uma verdadeira revolução no conceito de viver isolado, mas com o propósito de não ser comandado por um único olho.
De qualquer forma está aí lançado o desafio para a sociedade mundial decidir as regras, com leis claras e funcionais, da potência do virtual sobre a vida do cidadão comum. (Mirna Monteiro)


TEMAS CORRELATOS





Thursday, November 10, 2011

A SÍNDROME DE EVA

Quando Eva vivia no Paraiso ao lado de Adão, as coisas funcionavam maravilhosamente. Até que apareceu em cena uma serpente enroscada em uma macieira e todos sabemos o que aconteceu. Adão não era nenhum retardado quando provou o fruto proibido, mas a culpa coube a Eva. Era ela quem devia nortear Adão e, portanto, não deveria sugerir que abocanhassem o fruto proibido.
A mulher sempre foi responsabilizada por tudo desde o gênesis...
Mas a historia continua:
Desde a expulsão do Paraiso, as coisas ficaram difíceis. Adão e Eva resolveram dividir as tarefas, porque era a única forma de sobrevivência.
Ela sentia as dores do parto para povoar o mundo, ele corria atrás da caça.
Ela garantia a sobrevivência da prole a partir da raiz, ele defendia a família.
Ele se preocupava com coisas práticas. E ela continuava a exercer a antiga responsabilidade de nortear Adão.
A humanidade varou milênios, passou a marcar a passagem do tempo e o que aconteceu, desde o final do século XX, a Adão e Eva?
Boa pergunta!
Bem, Eva continua com duas mãos e dez dedos, mas em compensação está tendo de multiplicar a cabeça. Transformou-se em um ser muito diferente: para sobreviver, depende de visão periférica, de capacidades múltiplas e muita energia física e emocional, já que além de manter as responsabilidades da Eva tradicional, bíblica, assumiu todas as outras que cabiam à Adão.
E Adão? Adão está dividido: em parte mantém o seu antigo papel, em outra simplesmente nenhum.
Eva multiplicada, Adão dividido.
Situação polêmica, contraditória.
Eva acha que conquistou espaços e cresceu. Será?
Adão resmunga, preso ainda aos velhos preconceitos de milênios atrás. Parte dele achou um caminho intermediário e descobre que funções antigamente exercidas apenas pela mulher tem uma importância e um conteúdo interessantes. Mas a maior parte de Adão permanece exatamente como era.
Nunca foi tão difícil para a mulher exercer o seu papel de formadora da humanidade. Sim, porque é impossível negar a dimensão de sua ação no destino humano, mesmo que o poder de transformação tenha sido exercido entre quatro paredes.
Valores foram rompidos e a Eva de hoje, cada vez mais, não tem como dividir funções de sobrevivência.
Adão está confuso.
A vida de Eva complicou-se: ela acumula funções que eram de Adão. Como ninguém é de ferro e a Eva moderna não é um elástico que pode ser indefinidamente esticado sem estriar-se e romper-se, é preciso priorizar as ações. E isso leva à mudanças sociais profundas, a partir da família.
Quais as conseqüências dessa nova realidade?
A resposta pode não ser muito agradável.
A vida forma um conjunto perfeito, como uma orquestra, onde cada ser exerce um papel. Todos sabemos que mudar o curso de um rio ou devastar uma floresta pode ser perigoso para a sobrevivência humana.
A mulher sempre exerceu um papel mediador entre a realidade imediata e o futuro. Ao gerar e inteirar-se com sua cria ela determina não apenas o destino de um indivíduo, mas de toda a coletividade.
Uma sociedade pacífica e organizada não é responsabilidade só da mulher, mas quem vai negar que uma criança bem cuidada, amada e orientada, tem maiores chances de tornar-se um ser humano produtivo e equilibrado?
O que parece bem claro é que a mudança, para que esse equilibrio seja alcançado, depende de mais transformações. Por exemplo, a responsabilidade no gerar. Filhos são responsabilidade de ambos, pai e mãe. No entanto não podem crescer educados unicamente por terceiros, como se fossem orfãos, em troca de uma mentalidade excessivamente consumista. Hoje em dia não é incomum encontrar pais que se desdobram para ganhar dinheiro achando que a criança será feliz com roupas de grife, tecnologia de última geração e escolas particulares. Obviamente tudo isso parece ótimo, mas depende do preço a ser pago. O excesso de supérfluo não pode compensar a ausência de uma relação frequente entre pais e filhos.
Não é preciso andar com as crianças a tiracolo, como a cultura indígena determina (crianças que são amamentadas e próximas dos pais ficam mais fortes e mais independentes no futuro), mas sem dúvida é preciso rever a relação dos pais com os filhos na nossa sociedade moderna. O aspecto emocional do indivíduo, desde a gestação, é fundamental. Sem isso teremos crianças, adolescentes e adultos problemáticos, presas fáceis de drogas e da depressão. (Mirna Monteiro)

Monday, October 24, 2011

INEFICIÊNCIA E RISCOS DA PENA CAPITAL

Criaram recentemente uma petição a favor da pena de morte e através de redes sociais pessoas procuram angariar apoio para que isso seja encaminhado para a Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Ainda não se sabe se haverá adesão a tal ideia, ao menos para permitir que seja efetivada, mas só o fato de existir uma petição a respeito já nos faz ruminar sobre o vai-e-vem da revolta do homem contra o homem e o risco sempre iminente de ações bárbaras e involutivas.
Pena de morte resolve alguma coisa? De que maneira a existência da pena capital poderia beneficiar uma sociedade que pretende ser justa e pacífica? Aparentemente a história nos responde a essa dúvida de maneira categórica: adotar a pena capital pode resolver um problema político imediato, mas não soluciona a questão crucial da sociedade que pretende o respeito a leis.
Quem adota a pena de morte hoje? Temos os EUA que ainda mantém, em muitos estados, a pena capital. Mas é um exemplo de que a prática não funciona, pelo menos não como educadora social ou medida profilática do crime. Os índices de violência confirmam que a pena de morte não reduz a criminalidade.  Os EUA são um país pródigo em violência e principal referência quando se fala em "serial-killer" ou tiroteios em público. Psicopatas não se amedrontam com a perspectiva de serem presos e condenados à morte. Em geral são suicidas.
Irã, Arábia Saudita, China, Coréia do Norte, são países que mantém a punição drástica. Há séculos. E há séculos vêm matando os condenados, sem que isso de fato mude nada, motivos e ações que levam a essa pena. A morte torna-se então pontual!
No entanto todo indivíduo tem direito a vida. Parece natural privar da liberdade aquele que se atreve a assassinar outra pessoa, mas não é natural repetir o erro imperdoável cometido por ele...com ele.
O ser humano sente grande dificuldade de projetar para um plano imparcial a discussão entre vítimas e algozes. Castrar quimicamente um sujeito pedófilo ou estuprador horroriza mais do que a ideia de deitar um assassino em uma maca para injetar substâncias letais. A morte é sempre subjetiva.
Quando se fala em castração química de pedófilos - como alguns paises pretendem - fala-se em subtrair o impulso sexual  criminoso que afeta crianças perigosamente. Os  criminosos, neste caso, continuam vivos e com todas as chances de retomar uma vida normal.
Pelo menos em tese. Porque o impulso da violência sexual não depende do desejo sexual propriamente. A necessidade de exercer poder sobre a vítima pode continuar. O orgão sexual pode ser substituído pela humilhação da vítima ou até por objetos que representem o falo.
A pena de morte subtrairia essa possibilidade mas caminha entre nebulosas situações. Por exemplo, ser usada como arma política, onde a mentira pode criar supostos criminosos que incomodam o poder.
Em suma, sequer seria o olho, por olho, mas uma injustiça movido por interesses de poder.
O velho sábio Sócrates, nos relatos de Platão, foi condenado a pena de morte por questões políticas e temporais, em um momento onde atenienses eram dominados por um pequeno grupo de poder que quando não exilava o cidadão inconformado com as regras, o obrigava a beber cicuta. Muitos atenienses morreram envenenados apenas por não concordar com a política da época.
A pena capítal, portanto, pode servir como agressão à própria sociedade que depende de proteção.
A cultura pode servir para ampliar o futuro ou travar uma sociedade, mantendo o cidadão nas trevas. Países que adotam métodos bárbaros para punir ações que invadem o direito individual de escolha e a privacidade de alguém, horrorizam os países ocidentais.
O mesmo argumento ético que pretende punir esses abusos elimina aquele que ao invés de cortar cabeças e apedrejar adúlteras, usa o poder de injeções letais e outras formas de violência que subtraem a vida alheia.
A complexidade da condenação de atos violentos e a busca de uma punição que seja educadora é um desafio, mas dificilmente encontra uma resposta na violência, pois as motivações de um crime sempre serão diferentes da racionalidade da punição de quem julga.
Pena de morte no Brasil? Será que os violentos crimes do tráfico serão suspensos e evitados diante da existência da pena capital?
Em um país que sequer pune o criminoso com penas de detenção adequadas, com brechas na lei que permite a liberdade de infratores e onde condenados podem passear por bom comportamento e acabam aproveitando a oportunidade para novos crimes?
Provavelmente melhor seria retirar essa petição e substitui-la por outra que exija de nossos legisladores vergonha na cara e a criação de leis que realmente funcionem, diferenciando os criminosos de acordo com a gravidade de suas ações e mantendo-os privados da liberdade com o rigor necessário. Quando a lei funcionar de fato, os crimes vão diminuir, porque não é a pena de morte que impede a imensa diversidade de ações criminosas, mas a existência da punição!
Quando conseguirmos uma Justiça atuante em todos os setores e para todos os códigos, conseguiremos obter o controle da criminalidade e sem dúvida aumentaremos o senso de responsabilidade do cidadão para seu meio. Mas a manutenção do equilíbrio social sempre dependerá o privilégio ético. (Mirna Monteiro)

Thursday, October 06, 2011

AS VÁRIAS FACES DO MEDO

Sentir medo até certo ponto é natural. Se não tivéssemos a percepção do perigo não poderíamos preservar a vida.
Se estivermos em uma situação de risco ou que simula um risco - como uma montanha-russa por exemplo- sabemos que o mecanismo físico do receio vai fazer com que nosso cérebro provoque uma descarga poderosa de adrenalina para aliviar o corpo desse estresse momentâneo...
Até aí, tudo bem. No entanto quando passamos a sentir medo de situações ou momentos que não conseguimos definir ou racionalizar, nossa capacidade de defesa pode ficar comprometida. Seria o medo irracional, lesivo à sociedade e "politicamente incorreto", pois dá origem a distorções que retornam como as ondas em uma praia. Não se trata de estados alterados, originados por alguma patologia, como a violência psicopata, mas de omissões imiscuídas no nosso dia a dia, de maneira quase imperceptível. É o medo de manifestar uma opinião, de expressar-se, de reclamar, de exigir direitos que são importantes para a manutenção da vida! É a necessidade de recolher-se, encolhendo-se e até mesmo anulando-se, vaporizando-se. O que acontece?
O problema do medo exagerado é o isolamento gradual da realidade, a ponto de atrapalhar o próprio senso de preservação. Um tipo de sensação negativa que vai além do receio de situações de risco, do ataque de um animal ou da agressão de um semelhante.
Há medo evidente de participar da vida e interagir com o meio. Ou seja, perde-se o "ponto" que justifica nossa própria existência.
Elimina-se assim, infelizmente, a nossa capacidade de vivenciar e sentir o prazer do contato humano, já que qualquer um, em qualquer circunstância, representa uma ameaça.
Atuar torna-se um risco e as pessoas evitam até mesmo opinar e exigir respeito às mais elementares regras de convivência.
"Imagine se vou reclamar em um restaurante...vão cuspir no próximo prato"..."Não se pode criticar o site de relacionamento, vai que acabe "sumindo" todos os meus dados e amigos"..."Como vou reclamar de diferenças no preço?...Vão pensar que estou contando meus trocados"...
Pior quando o medo se esconde atrás de uma capa de indiferença. "Eu não vou reclamar porque não adianta mesmo". Ou pelo receio da crítica, de ser alvo das atenções ou de ter de manter um compromisso com a situação após o episódio.
Quem age assim antecipa por conta própria a situação de risco. O funcionário que "cospe no prato" de um cliente que reclamou algum direito está lá, existe, ou foi criado? Como se pode viver partindo do pressuposto de que todas as pessoas que preparam ou servem os pratos cometem um ato assim, que é criminoso, apesar de servir de piadas!
Críticas e reclamações e a inconformação com  situações artificiais e ameaçadoras podem ser extremamente positivas para melhorar serviços e garantir o cumprimento de leis e da cidadania. A sociedade precisa aprender a ouvir e realizar críticas que possuem fundamento.
Como vivemos em um mundo de extremos, convém lembrar que reclamar sem motivo é tão ruim quanto a omissão. Para saber se exercitamos um direito saudável é só avaliar a situação naquele momento: é um tipo de distorção que pode afetar o conjunto social?
Também devemos lembrar que "o outro" nem sempre é o vilão da história. E verificar se nossa tentação de omitir-se a exercer a cidadania de maneira equilibrada, sem agressão, mas com firmeza, não está partindo de uma insegurança excessiva, ou da necessidade de aprovação constante, por recear criticas!
Atitudes de rejeição e agressividade também são uma demonstração de medo e ansiedade de auto-preservar-se e não de princípios...
Há exemplos mais dramáticos do que uma cuspida. O risco que passamos quando nosso semelhante temeroso e confuso tem uma arma na mão ou dirige um veículo que se transforma em uma máquina de destruição. Não basta olhar para os dois sentido ao atravessar uma via, já que um bêbado não distingue o asfalto da avenida daquela calçada cheia de pedestres. Tampouco o segurança da agência bancária ou do shopping pode ser confiável, já que um descontrole súbito pode disparar uma arma, que por sua vez pode ir parar nas mãos de uma criança que a leva para a escola com a finalidade de impressionar os coleguinhas ou confundir a ficção com a realidade.
Politicamente temos de assumir uma atitude de equilíbrio. Visceralmente dependemos do controle de nossos instintos primários para respirar no ambiente social. Vivemos em comunidade e partilhamos esse meio. É onde encontramos a sobrevivência. Dizer que se vive só é irreal. Apenas viveríamos sós se fossemos isolados em uma ilha feita de rocha. Não há sobrevivência na vivência estéril. É preciso reconhecer o valor do meio social e contribuir para que haja maior garantia de convivência pacífica. (M M)

Wednesday, September 14, 2011

PEQUENOS E GRANDES PECADOS

Pecado de cá, pecado de lá! Todo mundo, sem exceção, passa por alguma situação em que resmunga "que pecado" ou coisa semelhante, mesmo que seja um ateu declarado e sacramentado...ou nem tanto. É que a palavra tem uma conotacão bíblica e há quem a acuse de instrumento de mera repressão. O que não parece corresponder a verdade, já que a palavra pecado ganhou no transcorrer da história uma conotacão ética, ainda que possa ser distorcida e abusada em sua interpretacão...
Pecado...essa palavra em grego significa algo assim como errar o alvo. Do ponto de vista bíblico é um ato de rebeldia contra as leis do Criador. Na nossa sociedade atual exemplifica atos que são contrários ao bem e isso não envolve necessariamente qualquer crença, mas necessidade de sobreviver. Nossas leis são baseadas na ética e moral, fundamentais para que haja convivência comunitária, mas também comercial. Em resumo, regras existem para permitir a sobrevivência comum e evitar o caos!
Mas a questão é a seguinte: pecados podem ser dimensionados em sua gravidade? Digamos que sua definição mais imparcial, a de que o pecado é o oposto da virtude, enquanto que a maior virtude é a sabedoria, seja  admitida, socráticamente. Nesse caso o pecado poderia ter gravidade variada, de acordo com a dimensão de seu dano, ou da ignorância do seu ato!
O que reduziria também, em uma ou outra circunstâncias, a virtude de quem imagina ser imune ao pecado...
No dia a dia alguns detalhes de acontecimentos corriqueiros - tão rotineiros que se não prestarmos atenção não os perceberemos- levam a um choque de interesses e, consequentemente, a um estado interessante da sabedoria versus pecado, ou da felicidade versus ignorância.
Exemplo? digamos que uma mulher esteja vendendo filmes pirateados, meio camuflada entre a multidão. Discretamente ela aborda uma ou outra pessoa. Bem discretamente, pois seu ato é ilícito, certo?
Bastante tentador o preço baixo. Um casal abordado hesita. "Estou louco para ver este filme aqui", diz o rapaz, já retirando o dinheiro do bolso. A namorada balança a cabeca :"Pirata, amor, deve ser cheio de defeitos!"... os três discutem a questão da legalidade daquele negócio.
Três visões diferentes de um mesmo problema: o rapaz, louco pelo filme a preço de banana; a namorada, hesitante e preocupada com a legalidade do negócio que dificulta a troca por defeitos eventuais no produto; a vendedora, que havia saído de casa as cinco horas da manhã e enfrentava a oitava hora de jejum, garantindo que não havia motivo para preocupação.
Três pecados diferentes. Ninguém aqui parece virtuoso! Quem está cometendo o pecado maior?
Questão de interpretação? Do ponto de vista legal o maior "pecador" ou infrator nem esta ai nessa cena: seria o autor do material clandestino, embora isso não suavize a ação de outros envolvidos!
Vamos a outro exemplo, este mais drástico: um assassino em série, estuprador e cruel, é preso e pouco tempo depois é encontrado morto em sua cela. A opinião pública se divide: o sujeito foi morto na prisão? Nesse caso ele merecia ou não a pena de morte improvisada? Quem cometeu o maior pecado, o assassino de mulheres ou o assassino do assassino de mulheres, que sobreviveria em um país onde a Justiça é relativamente branda com matadores?
Complicada, esta questão. Nietzsch abominava a idéia do pecado pois só conseguia entende-lo pelo ângulo doutrinário, através da concepção religiosa, que o enfurecia. Tanto que ele formalizou a sua interpretacão crítica dos valores morais defendidos pelo cristianismo, refutando o "ideal", mas esquecendo-se que, no final das contas, a amoralidade torna a sociedade incontrolável.
Ou seja, se Nietzsch vivesse neste terceiro milênio, defenderia a amoralidade quando algum bandido invadisse a sua casa e roubasse suas cuecas? Certamente pensaria mais sob a ética e repressão aos instintos animais que habitam o interior humano e que precisam de atenção para manter-se sob controle.
O que, na linha pessimista de Schopenhauer é absolutamente incontrolável. Para ele a vida humana é dominada por egoísmos rivais. A satisfação de um indivíduo necessariamente acarreta o sofrimento do outro.
Defendendo a ideia de que o egoismo é uma postura natural de um ser em relação a outro a interpretacão do pecado se transforma. O ser humano passa a ser um animal sem consciência ou apego a um semelhante desde que isso não seja fundamental no momento para a sua sobrevivência.
Ou seja, vocifera palavrões, aumenta o som apesar do horário que impõe silêncio, apodera-se de um bem alheio, usa cargos políticos para roubar e farta-se de pronunciar mentiras e falsas acusações para conturbar a ordem e confundir os que nada ou pouco sabem.
Quais dessas ações destrambelhadas que despertam a animalidade humana pela ausência de auto-crítica e ética, são mais nocivas e perigosas? 
Provavelmente nenhuma, sob o ponto de vista de motivação, ou seja, ausência da ética e respeito ao meio.  Ainda assim nos consolamos criando uma escala pessoal de valores, que tenta se encaixar nas regras que regem esse meio. Pecadinho e "pecadões". Crimes pequenininhos e crimes sem tamanho...
Muitos pontos de vista sao irritantes nestas questoes...pecados tornam-se maleaveis como material emborrachado! Verdade que quem rouba um quilo de feijao merece o perdão que aquele que rouba a carteira não merece! E que a corrupção tem lá suas variáveis. O problema é que o dinheiro paga o perdão de forma direta ou indireta, tornando a punição de grandes pecados uma ficção moderna. Mas são esses grandes e poderosos pecados que se escondem sob a capa da invulnerabilidade, aqueles que destroem a ética, estimulam a violência e provocam o caos social. (Mirna Monteiro)

Thursday, September 08, 2011

A INTOLERÂNCIA COMO AUTO-AGRESSÃO

Há pouco mais de um ano o mundo surpreendeu-se com a ação de Israel ao expulsar a pacifista Mairead Corrigan Maguire, premio Nobel da Paz, que trabalhava para ajudar os palestinos isolados na Faixa de Gaza. A ação não apenas espantou pessoas de todos os países, mas resumiu tudo aquilo que mais ameaça o mundo atual: a incapacidade de entender que o direito de soberania de um país caminha juntamente com  o direito do indivíduo e que não existe mais uma ação isolada que não repercuta política e economicamente com o restante do mundo.


Por isso temos leis internacionais, baseadas em direitos universais e insofismáveis. Questão de sobrevivência do planeta! Hoje a dependência entre os países impõe uma política integrada.
Maguire é uma pacifista. Como é possível exercer a intolerância sobre alguém que defende a paz? Isso nos lembra a repetição histórica de atos obscuros e intolerantes, que pretendiam diminuir o contato das pessoas com o mundo e o conhecimento. Giordano Bruno foi queimado vivo na Idade Média porque percebeu que o universo é infinito em transformação contínua, o que contrariava as verdades estabelecidas na época.

O próprio Sócrates, como relata Platão, foi condenado pelo poder político por opor-se às idéias dos dirigentes. Não concordava em cultuar personalidades ou divindades, porque não tinha cabimento o conhecimento ou o poder divino ser de posse de algum grupo, fosse político ou religioso! Deus e o conhecimento não poderiam ser privilégio de ninguém, pela própria condição de imanentes!
Pessoas não são produto e não podem ter proprietários. Portanto o indivíduo, esteja onde estiver, é livre, limitado pelo igual direito do semelhante. Não há cultura que possa anular essa condição. Israel dificultou o contato da ajuda humanitária e dos palestinos isolados na faixa de Gaza e essa é uma forma de autoritarismo sobre essa população. O fato de insistir em desafiar leis internacionais também é contrário à necessidade de equilibrar o meio e demonstrar na prática a intenção de inteirar-se ao mundo e respeitar a vida.
A crítica a mentalidade do " salve-se quem puder" e da pilhagem feita entre os destroços de guerras é uma determinante para o ambiente que teremos no futuro.
Como exemplo podemos citar o fato do mundo passar por grandes problemas - como a crise econômica que assola países europeus e os EUA, o que não justifica a tomada de ações que prejudiquem parte do globo.  Como negativas à adoção de medidas contentoras da poluição ambiental e outras ações que coloquem em risco a saúde do planeta. Essa é também uma forma de intolerância à realidade, pressupondo a possibilidade de sobreviver em qualquer circunstância. 
A intolerância é inimiga do convívio, renega o contato, a troca de informações para o desenvolvimento humano e é absolutamente isolante: separa da realidade aqueles que a exercem! E assim como nos tempos do obscurantismo, prejudicam o meio e atrasam a evolução da vida

Wednesday, August 24, 2011

FAUVISMO E A LIBERDADE DA COR

Criar seguindo o impulso dos instintos!
As cores fortes, completas, sem grandes  misturas ou qualquer outra alteração. Uma exaltação da cor primária.
Um colorido brutal, a pincelada forte, como se a emoção fosse "jogada" na tela, em formas amplas e ríspidas.
Podemos definir o "fauvismo" dessa forma. Esse termo, aliás, é injusto e teve origem a partir das observações corrosivas do crítico de arte Louis Vauxcelles, após ter visitado uma mostra de pinturas de vários artistas, entre eles Henry Matisse.
Vauxcelles utilizou a expressão “Les Fauves” ao se referir aos artistas. O uso pejorativo da expressão, que pode significar “os animais selvagens”, acabou persistindo e prevaleceu nas críticas imediatamente posteriores.

O fauvismo teve origem no final do Século 19, ao contar com precursores como Paul Gauguin e Vincent Van Gogh. Sua curta duração caracterizaria os movimentos vanguardistas posteriores. Mas foi uma iniciativa ousada na época, sob a liderança de Matisse e adotada por pintores como Georges Braque, Andre Derain, Georges Roualt, Kees van Dongen e Raoul Dufy.

Embora a fase desse tipo de arte tenha sido curta, é inegável a sua contribuição para novas manifestações no expressionismo e realismo, até chegar à arte moderna.

As obras aqui mostradas são de Vlaminck e André Derain, que posteriormente substituiu o prazer visual de sua pintura pelo clássico.

Obra de Georges Braque transforma borrões em imagens expressivas,
que dimensionam as formas 

A cor vermelha harmonizando o ambiente, de Matisse

A expressividade sem requintes obtida por Matisse nesta obra "A mulher de Chapéu"

Wednesday, August 10, 2011

A DOR E A VIOLÊNCIA SEGUNDO PICASSO

Pablo Picasso soube retratar em sua arte o horror da violência, magnificamente traduzido em sua obra atemporal e mundialmente reconhecida, Guernica, resumindo a Guerra Civil da Espanha em um conjunto de imagens que mostram todos os sentimentos que envolvem os absurdos da guerra.

A obra traduz o bombardeio pelos alemães da cidade de Guernica em Vizcaya, a 26 de Abril de 1937, deixando entrever ao espectador o medo, o sofrimento e a dor vividos nesse período.


Uma das figuras de "Guernica": a dor causada pela guerra, onde inocentes são sacrificados.



Em "Refluxo", com o estilo cubista que seria sua marca,  demonstrava uma preocupação com a sociedade marginalizada e suas tristezas e ironias. 
"A qualidade de um pintor depende da quantidade de passado que traz consigo", considerou Picasso, definindo a necessária sensibilidade ao mundo e não apenas à própria experiência na expressão da arte.










"Os miseráveis", ainda em sua "fase azul" : contrição e desalento diante dos desafios
da sobrevivência, tendo a 
miséria como realidade.
Mais tarde, em sua fase de
cubismo, Picasso ironizaria a
realidade humana
ao invés de mostrá-la cruamente

Sunday, July 31, 2011

COTIDIANO

A cena se passa em um consultório médico:
- Doutor, não sei o que acontecendo comigo, ando muito esquisito. Imagine que quando vejo pessoas sofrendo ou cenas dos ataques israelenses na Palestina, ou mesmo criancas de paises africanos...eu choro!
-Hum...vou receitar um antidepressivo...
-Mas este? Eu tenho problemas de gastrite!
- Sem problemas, vou receitar este aqui, toma junto também.
- Mas doutor,esse ai ataca meu fígado, que está meio cirrótico...
- Ah, não tem problema, vou acrescentar mais este remedinho aqui...
- Mas...não sei não, é que já tomei esse duas vezes e ele me dá insônia!
- Isso não é problema! O senhor vai tomar duas horas antes de deitar também este outro medicamento aqui! Vai dormir como um anjo..
- Eu tenho de acordar cedo, pegar trânsito pesado e...
-Ah, fique tranquilo, logo que acordar o senhor toma esse aqui...calma que tenho amostra grátis, é uma cortesia!
- Será? Sabe  o que é, já tomei duas vezes e esse tipo de medicacão dispara a minha pressão arterial, me dá uma paura, parece que vou ter um treco!
- Bom, para garantir, vamos fazer outra receitinha para este aqui, que vai ajudar se der enjôo também.
- Mas eu li  na internet que esse aqui deixa a pessoa agitada agitado e...
- Acalme-se, por favor. Ainda não terminei. Esse aqui e mais este aqui, vai ficar tranquilo, tudo azul e lindo!.
- Nossa, mas este aqui não é aquele que todo mundo fala que dá depressão?
- Sim, mas vou lhe receitar um antidepressivo.
-...outro?
- Ah, já lhe receitei o antidepressivo? Hum, certo.  Vamos apenas aumentar a dose...
mirna monteiro

Saturday, July 30, 2011

DIÁLOGO RADICAL

A esposa cautelosa fala com o marido radical, que está lendo jornal:

Ela - Querido, soube que estão misturando palha no café em pó! Misturam também milho torrado e até substâncias nocivas à saúde!

Ele - Então suspenda o café!

Ela - E o leite? Está uma coisa horrorosa! Não há higiene e ainda por cima descobriu-se que o leite pode estar adulterado, com água e substâncias químicas para encorpar!Horrível isso!

Ele - Suspenda o leite!

Ela - E o pão? É revoltante, não tem mais qualidades nutritivas e ainda por cima ninguém consegue impedir o uso do bromato, ai de nós! A Lucinha viu um dos padeiros tossir sobre a massa dos pães...e aquele caso em que encontraram pêlos no pãozinho???????

Ele - Suspenda o pão!

Ela - Também dá medo de comer carne. Dizem que os matadouros clandestinos matam bois doentes. Falam em carne de cavalo, de cachorro, sei lá como isso foge à fiscalização. Que dão anabolizantes! Além disso os bois são assassinados a porretadas, é muito cruel!

Ele- Suspenda o carne!

Ela - Ah, ia me esquecendo do caso da margarina. Imagine que ela é feita com produtos minerais, até petróleo tem. E a margarina vegetal? Sabia que é escura, marrom e pra ficar amarelinha eles usam hidrogenagem que gruda nas artérias? Nada como margarina para aumentar o colesterol!

Ele - Suspenda a margarina!

Ela - Coisa grave é o que está acontecendo com legumes, verduras! A vizinha conhece uma plantação que é regada com água contaminada. E os defensivos? São substâncias quimicas que eles usam para eliminar as pragas e que podem provocar o câncer nos seres humanos!

Ele - Suspenda legumes e verduras!

Ela - Dizem que as frutas também...

Ele - Suspenda as frutas!

Ela -Mas bem, as coisas estão piores do que a gente pensa. A Mariana veio me mostrar uma reportagem que assusta. Sabe que galinhas e frangos são alimentados com hormônios para engordar? E as rações contaminam a carne dos frangos e até a gema dos ovos?

Ele - Suspenda a carne de frango e os ovos!

Ela - Mas o pior, o pior acontece com os produtos enlatados. Para conservar esses produtos são utilizadas drogas perigosas para os seres humanos. E os corantes e conservantes de nome esquisito? Dizem que até congelados podem estar contaminados por desleixo no transporte ou conservação. Há uma tal de salmonela...

Ele - Suspenda os produtos enlatados e congelados!

Ela - Mas pera aí. Precisamos tomar muito cuidado com o presunto que você adora comer! Ele contém excesso de fosfato. Não viu na televisão? Provoca alterações graves no organismo!

Ele - Suspenda imediatamente o presunto!

Ela - Mas e o arroz? Sabe que esse arroz vendido por ai pode acarretar problemas à saúde? Sizem que é polido demais, é um arroz industrializado, inclusive com substâncias tóxicas! Se fizerem uma vistoria séria, a maioria não escapa, pois tá cheio de ácaros...

Ele - Por Deus, suspenda o arroz!

Ela - Mas até o macarrão está sendo condenado!Ao invés de ovos usam produtos quimicos e...

Ele - Suspenda o macarrão!

Ela - Mas e os peixes? Onde é que morreram milhões de peixes mesmo? Por causa da contaminação das águas do mar. Os navios despejam porcarias e os peixes são contaminados, nos rios também há contaminação por mercúrio e outros metais! Os peixes vendidos podem estar também mal conservados e...

Ele - Suspenda definitivamente os peixes!

Ela - Já ouviu falar do tal glutamato nos queijos? Dizem que causa uma doença esquisita na gente, é...

Ele - Suspenda o queijo!

Ela - Mas você adora doces industrializados, sabe que eles também contém aditivos perigosos? E há mais, pesquisas mostraram que há elementos nocivos no açucar branco, sabe que açucar é marrom, né, e pra branquear, já viu, açucar refinado prejudica muito...

Ele - Suspenda os doces, o açucar, os adoçantes e o diabo!

Ela- Como se fosse suficiente! E o problema da água? Usam muito cloro e um tal de fluor que é despejo químico do primeiro mundo! Já se sabe que isso faz um mal danado...

Ele- Suspenda a água!

Ela - ...Como se não bastasse isso, estamos no limite respirando tanto gás venenoso no ar, eles estão provocando muitas doenças.

Ele - (Exasperado)Suspenda a respiração!

Ela - (surpreendida) Mas querido, se a solução for suspender água, comida e ar, vamos morrer!

Ele - Solução mais higiênica não existe! Pelo menos morremos com saúde!
(do jornalista e escritor Roberto Monteiro)

Tuesday, July 26, 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INVEJA

Não, não se trata de correr em busca do sal grosso, de carrancas e patuás. Ainda que a inveja possa ser tratada de forma doméstica - como uma dor-de-cotovelo entre amigas, o aborrecimento por atributos que um colega de trabalho ou até um desconhecido que tenha projeção na mídia possuam em detrimento de seus próprios, o carro luxuoso que você não pode ter ou um simples sorvete maior que o outro, ela é sem dúvida perigosa.
A inveja transtorna e causa doenças para aqueles que ficam ruminando suas decepções e tristezas. Mas se o "olho gordo" é tratado popularmente de maneira até folclórica e bem humorada, esse tipo de sentimento pode ser considerado a própria origem do mal.
A inveja é menosprezada em sua nocividade. Causa mais estragos do que poderíamos supor. Provavelmente ela se esconde, quietinha e camuflada, nos bastidores de todas as grandes desgraças da humanidade.
Exagêro? Não exatamente. Veja só o caso de Caim e Abel... os mais céticos devem reconhecer que não há como negar a antiguidade da inveja, tampouco a sua realidade, mesmo abominando o registro bíblico.
Ela ( a inveja) está onipresente nas grandes guerras, nas revoluções, no sadismo da humanidade. Calígula era extremamente invejoso e isso norteava a sua crueldade. Poder e inveja formam um coquetel desastroso. Hitler era frustrado pela sua falta de talento, tanto que imaginou um mundo onde toda a arte existente estaria sob sua guarda. De preferência acabando com os autores, porque a inveja admira o talento, mas não pode perdoa-lo.
A inveja é amiguinha da mediocridade. Vivem de mãos dadas, suportando-se mutuamente, mas tentando unir-se para destruir o objeto de sua ira. É, porque a inveja se esconde também sob a ira, esse sentimento odiento que faz o sujeito cuspir a maldade. A dramaticidade aqui é importante para definir a balbúrdia criada na humanidade por esse sentimento inerente, que habita a alma humana como um protozoário potencial, ou um defeito natural em hibernação - se não for vigiado acaba ganhando espaço.
No final das contas a única alternativa para evitar que a inveja faça seus estragos é cultivando o próprio talento. Uma espécie de "vacina" contra esse mal, que permite uma vida menos espremida e perigosa, dolorosamente competitiva e regida pela moral e valores supérfluos que pretendem controlar o mundo da mesma maneira que se controla o gado no pasto.
Se a virtude depende de disposição para para criar e construir, a inveja também depende da decisão de não permitir o artificialismo do poder. De alguma forma é preciso quebrar o círculo vicioso que impõe a agressividade na conquista de um espaço através da eliminação do objeto da inveja, que afinal pode ser sublimada, como todo e qualquer sentimento, individual ou políticamente no espaço coletivo. (Mirna Monteiro)