Friday, October 25, 2013

CERCAS, MUROS E HUMANIDADE

O temos a ver com os outros?
Tudo e nada, ao mesmo tempo. Parece muito fácil ignorar situações que nos desagradam ou são complexas demais, a ponto de se tornarem uma espécie de ficção em nossa realidade.
Mas logo a frente, em algum momento futuro, o que era ficção - ou problema dos outros - vai se enroscar em nossa vida. Que afinal não será problema de outros também.
Até que ponto devemos nos sentir culpados ou responsáveis por situações que não provocamos ou com o sofrimento de quem não conhecemos?
Aparentemente, quanto mais problemas percebemos ao nosso redor, maior é a vontade de fechar as portas da consciência e de nosso espaço social. É ação automática, um irresistível impulso de defesa.
No entanto tudo o que acontece tem relação direta ou indireta com o mundo particular de cada um.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos sejam atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão. Negar auxílio a alguém  é uma delas. Mas até que ponto?
 Jornais, revistas e produtos responsáveis pela informação podem omitir determinados detalhes de um fato,  quando sabemos que uma simples fofoca que omite um aspecto da verdade, pode mudar a história?
A omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética?
Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Tem lógica! Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir? Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil.
Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como uma mão que desvia a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsável também pelo que vier a suceder. 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem. É uma atitude comodista. Ao longo da história a omissão acontecia mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em uma era onde a comunicação é farta, mas onde o conhecimento do que é divulgado nem sempre é real e seguro. Isso causa um grande desconforto. Necessitamos de certezas. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é o esforço em definir o emaranhado de informação e imposições de posturas de pensamento e ideias. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com o parece ético e justo. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido. (Mirna Monteiro)

MASCARADOS E CARAS LIMPAS

A cultura esquimó interpreta as máscaras como um complemento da dubiedade do homem, que possuiria uma face humana e outra animal. Em rituais antigos de fertilidade, na fase do Império Romano, as máscaras eram importantes na homenagem a Dionísio.
São apenas dois exemplos do uso da máscara em culturas diferentes. Conforme a sociedade se definia no ocidente, as máscaras foram sendo usadas de maneira mais óbvia, para esconder a identidade, como no século 17 em  Veneza, onde os nobres buscavam o anonimato para misturar-se a plebe. Nesse caso, com a intenção de ser o povo e usufruir da alegria do carnaval nas ruas.
Hoje as máscaras escondem a identidade de quem se  mistura à manifestações populares, sejam elas quais forem. Uma greve, um ato de repúdio, um movimento de moralização. De súbito surgem mascarados ou rostos encobertos por peças de roupa, como tuaregues urbanos, armados de paus e pedras.
Existe uma linha sutil entre a liberdade e a ofensa. Ser livre implica em definir o próprio espaço para a expressão, sem furtar o espaço alheio ou avançar sobre os direitos de outros.
Por esse motivo surpreende os argumentos dos "defensores da liberdade" que exigem essa expressão dos sentidos - da palavra e da ação - como se não a existência dos limites que validam a liberdade pudessem ser ignorados.
Livre expressão que não respeita o espaço do semelhante é ação ditatorial, dominadora, impositiva. Portanto não é democrática.
Essa realidade, que todos reconhecemos, acaba misturando-se ao valores sociais e confundindo a liberdade de expressão. Exagera do domínio do espaço e sufoca a expressão alheia.
É o caso dos mascarados que agem como vândalos, destruindo patrimônios públicos ou privados e transformando a liberdade de expressão em um  ato de violência, impondo o medo e ameaçando a sociedade.
A sua origem é desconhecida. Mas certamente o objetivo não é favorecer as manifestações legítimas, mas impor um estado de guerra artificialmente.
Devemos cobrir o rosto em manifestações públicas?
Liberdade é uma palavra tão importante quanto mal interpretada neste nosso tempo cheio de distorções e excesso de imagens. Mas nada pode representar melhor a liberdade e a livre expressão em um regime democrático do que a cara limpa! Tudo que mais deseja a sociedade humana hoje é, sem dúvida, honestidade e claridade... (Mirna Monteiro)