Wednesday, January 15, 2014

EMBEBEDAR-SE SOLITARIAMENTE


Irritado com as críticas a uma tentativa de selecionar frequentadores de um shopping em São Paulo, sob argumento de evitar "transtornos aos clientes e lojistas", o dono de uma franquia no local sibilou: "Eu não tenho de aguentar ameaças de marginais para preservar algum direito de circulação de quem quer apenas fazer seu "rolezinho" sem tostão furado no bolso. Podem me chamar de preconceituoso, mas eu quero saber qual a diferença em selecionar frequentadores do shopping e amigos que entram na tua casa!"
Ao ser questionado sobre a diferença entre um local publico e particular, encerrou a conversa: "Eu não tenho culpa da situação, não fui eu quem inventou pobres, ricos, honestos e marginais!"...
Essa é a questão crucial de todos os problemas sociais.
O temos a ver com os outros?
Tudo e nada, ao mesmo tempo. Parece muito fácil ignorar situações que nos desagradam ou são complexas demais, a ponto de se tornarem uma espécie de ficção em nossa realidade.
Mas logo a frente, em algum momento futuro, o que era ficção - ou problema dos outros - vai se enroscar em nossa vida. Que afinal não será problema de outros também.
Até que ponto devemos nos sentir culpados ou responsáveis por situações que não provocamos ou com o sofrimento de quem não conhecemos?
Aparentemente, quanto mais problemas percebemos ao nosso redor, maior é a vontade de fechar as portas da consciência e de nosso espaço social. É ação automática, um irresistível impulso de defesa.
No entanto tudo o que acontece tem relação direta ou indireta com o mundo particular de cada um.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos sejam atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão. Negar auxílio a alguém  é uma delas. Mas até que ponto?
 Jornais, revistas e produtos responsáveis pela informação podem omitir determinados detalhes de um fato,  quando sabemos que uma simples fofoca que omite um aspecto da verdade, pode mudar a história?
A omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética?
Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Tem lógica! Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir?
Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil.
Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como uma mão que desvia a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsável também pelo que vier a suceder. 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem. É uma atitude comodista. Ao longo da história a omissão acontecia mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em uma era onde a comunicação é farta, mas onde o conhecimento do que é divulgado nem sempre é real e seguro. Isso causa um grande desconforto. Necessitamos de certezas. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é o esforço em definir o emaranhado de informação e imposições de posturas de pensamento e ideias. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com o parece ético e justo. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido.
Sartre reafirmou essa realidade, ao observar que " todas as atividades humanas são equivalentes (...)Assim, vem dar no mesmo uma pessoa se embebedar sozinha ou liderar nações". A realidade é criada a partir da responsabilidade das ações e é isso que torna diferente, em maior ou menor grau de importância, qualquer ação humana. E assim determinamos a qualidade de nossa liberdade. (Mirna Monteiro)