Sunday, December 30, 2012

É O FIM DO MUNDO

" ...Pois bem, foi no Club, no sábado, que os boatos começaram.
Estavamos sentados, como sempre, eu, o Orlando e Alan Laplete, observando um grupo jogar cartas na mesa contígua à nossa. Alan, o mais idoso de nós, nos seus 45 anos, foi quem tocou primeiro no assunto.
- Parecemos todos hoje desanimados em demasia.
- Final do mês - resmungou Orlando, sem tirar os olhos das cartas ao lado - Todo fim de mês é a mesma coisa. Cansaço! Temos o balanço da fábrica para concluir, não é Carlos?
Concordei com ele. Alan balançou a cabeça, soprando fumaça sobre nós.
- Bobagens! Que cansaço? Estamos todos com a pulga atrás da orelha!
- Alan, você não irá tocar nesse assunto! De novo não! Todos sabemos que isso é criação de quem não tem o que fazer na vida, a não ser assombrar a sociedade.
- Assombrar? Sim Carlos, é certo. Assombrar sim senhor, mas com um fundo de razão. Não é invencionice, meu amigo, é ciência, é ciência!
- Ora! - interveio Simão, que até o momento parecia alheio à conversa - Quer dizer que é científica a afirmação de que o mundo vai acabar?
- Espera aí, meu caro - Alan franziu o cenho - não tumultue a conversa. Os cientistas não estão dizendo que o mundo vai acabar. Apenas...bem, todos sabemos a grande carga de desgraças e mudanças que a passagem de um cometa pode trazer...especialmente nas proporções desse que vem aí!
- Sei. Quer dizer que o cometa tem um poder tamanho desses? Essa pulga vaporosa do espaço? Ora senhor Alan, todos sabemos que não é o primeiro cometa a passar por nós! Quantos já não riscaram nossos céus? A terra continua aqui, inteira! Toda mudança de século carrega o peso das fofocas estelares que vão acabar com o mundo! O mundo, oras! Acreditar em sandices nos tempos modernos de 1910? Grandes pulhas!
- O senhor Simão queira desculpar-me. Acho que não soube ser claro o suficiente para expressar minhas ideias. Não quis dizer que acredito que esse astro irá chocar-se com a terra e arrebentá-la, pondo fim a todos nós. Apenas que a sua passagem está sendo muito discutida e cogita-se, sim, cogita-se, a possibilidade de que venha a afetar todos nós.
- Desculpe-me interrompe-los, mas há uma razão quando se diz que não é a primeira vez que seremos visitados por um cometa. Saibam que a história registra quase mil e setecentas aparições do tipo - segredou Orlando, provocando um ligeiro suspense na conversa.
Simão olhou para ele, parecendo aturdido.
- Mais de mil?
- Mil e setecentas aparições!
- O que me espanta, caro Orlando, não é o numero em si, mas o seu conhecimento do assunto...andou pesquisando a respeito, confessa!
- Que é isso? Acha que me impressionei com falatórios? Todo mundo sabe disso...
- Não, não senhor! Andou pesquisando o assunto, não é assim? Carlos, está o Orlando comparecendo aos horarios certos no trabalho? Pois a mim parece que ele tem perdido o sono com medo desse tal cometa, hehehe...
- Não estou com medo coisa alguma! Ainda que seja verdade e que esse cometa seja o arauto do fim da humanidade, de que me valeria ter medo? E serei eu homem de temer alguma coisa, ainda que seja o fim do mundo? Não senhor! O que é isso?
- Calma amigo - tentei corrigir, vendo que os ânimos se acirravam - não há ninguém que possa acusa-lo do que quer que seja! Ademais é possível que esse tal cometa sequer passe aqui tão perto. Talvez os cientistas tenhan confundido o seu percurso. Não me parece tão fácil calcular a trajetória de um corpo celeste, como o é o da rotação da terra.
- Pois eu não tenho medo mesmo! Agora, se quer saber Simão, acho que Alan está certo. Esse cometa deve trazer muita desgraça, quiçá o fim de todos nós! A ciência é capaz de calcular tudo isso sim senhor, estamos em um novo século, entramos no século XX! Hubert Anson Newton afirmou que se existissem um milhão de cometas de órbitas quase parabólicas e que chegassem a menos de 150 milhões de quilômetros do sol, 9 mil passariam a ter bordas elípticas com período inferior a mil anos, em virtude da ação de Jupiter, 240 pela ação de Saturno e dois pela ação de Urano e Netuno! Disse isso tudo há anos atrás!
Orlando parou de falar, ofegante e satisfeito.
No silêncio que se seguiu, sentiu-se incomodado.
- Que houve? Não tive a intenção de apavorar vocês!
Simão balançou a cabeça, de boca aberta.
- Eu não entendi  nada!
- Espera, espera! - interrompeu Alan Laplet. Parecia aturdido e arregalava os olhos, mastigando nervosamente o charuto - Ele tem razão!
- O que? Que razão? Ninguém entendeu nada! - repetiu Simão
- Ele tem razão! Digo que o tem, ora, como nao?
Silêncio.
- Não é preciso entender, senhores - continuou Alan - Basta captar o seguinte: todos sabemos que os cometas aí estão! Sim, muitos passaram por nós, provocando cataclismas. Ora, esse que aí está chegando é o maior de todos que a ciência já conheceu! E passará tão perto de nós que poderemos ver sua cauda flutuando no céu! Quem garante que realmente não subirá marés e convulsionará o centro da terrra?
Ninguém se movia, escutando Alan.
- Senhores, pensem! Poderão acontecer terremotos monumentais, maremotos, pragas, talvez a peste ressurja dessa convulsão!
Todos estavam absorvidos pela premonição e não repararam que no salão ocupantes de outras mesas haviam parado de tagarelar amenidades e pareciam petrificados olhando o grupo, em suspense pelo desfecho daquela discussão terrível, como se ela fosse decidir o destino de todos ali e dali afora.
- Quiçá....veja bem...quiçá esse cometa possa cair sobre nós, como está previsto no Juizo Final! Aí então nada se salvará, nem nossas almas! - arrematou Laplete.
Ninguém se aventurava a responder. Por fim Simão, visivelmente irritado, emborcou o restante da bebida de seu cálice, cravando os olhos em Alan Laplete.
- E se assim for, você vai fazer alguma coisa ou simplesmente continuar babando nesse seu charuto?
Sem ofender-se, Laplete olhou o charuto mordido e melecado de saliva e o jogou na escarradeira ao lado, limpando os lábios antes de falar.
- Fazer o que, meu amigo? Não podemos agarrar esse cometa pelo rabo e manda-lo assombrar outra freguesia....é entregar-se na mão de Deus!
As palavras soaram com um ribombar profético no ambiente. Apesar de ainda ser cedo, o salão esvaziou-se rapidamente.

Fiquei impressionado. A ameça do cometa já causava estragos. E eu pensei se realmente deveria ficar preocupado, senão com cataclismas, com o futuro da minha fábrica de chapéus...mal sabia eu o que iríamos enfrentar! ( "A Cauda do Cometa", cap. III- Mirna Monteiro)

Friday, October 05, 2012

VIDAS DISTORCIDAS


Vinte milhões de pessoas no mundo tentaram acabar com a própria vida durante o ano. Pelo menos um milhão conseguiu morrer por métodos variados, alguns inesperados. Os dados são da ONU e projetam a escala crescente de atos suicidas.
O que leva a um aumento tão dramático do suicídio? Essa ação acontece com maior frequência em países do leste europeu, como Lituânia e Rússia, mas sempre manteve uma ocorrência considerável em outros países com cultura e ambiente diferentes, como o Japão.
Nos últimos tempos atentar contra a própria vida tem ocorrido de maneira inesperada. Soldados americanos por exemplo. No mês de julho o Pentágono foi surpreendido com um número recorde de suicídios nas tropas: 38 soldados!
Mas a pressão psicológica não se limita à tropas de combate. Este ano cresceram as tentativas para acabar com a própria vida na Europa, em lugares como a Grécia, que passou por graves problemas econômicos e aplicou medidas rigorosas para conter o déficit público e o endividamento do Estado. Aposentadorias foram fortemente afetadas pelos cortes. Um homem de 77 anos atirou contra a própria cabeça em uma praça em frente ao parlamento de Atenas, acusando o governo de traição.
Pode ter sido um gesto dramático, mas não raro. Entre quatro paredes e sem alarde as tentativas de suicídio acabam realmente atingindo o objetivo. O medo de enfrentar a pobreza parece ser um motivo comum. Em Milão, na Itália, pequenos empresários, profissionais liberais e desempregados encabeçam a onda de suicídios que comove o país, que criou uma rede de ajuda psicológica para ajudar aos interessados.
Algo assim como o CVV (Centro de Valorização da Vida) no Brasil, que mantém apoio via telefone.
Os suicídios estão preocupando tanto, que até sites de relacionamento como o Facebook mantém um tipo de serviço para socorrer quem pretende atentar contra a própria vida, via e-mail ou telefone. 
EUA, Europa e Asia estão na metade da escala de crescimento dos suicídios. Os países da America Central e do Sul, como o Brasil, mantém as taxas mais baixas.

Desgaste emocional                            

Parece não faltar motivos e muito variados para que alguém pretenda resolve-los acabando com a vida. O ato em si entretanto é motivo de estudos e discussões polêmicas, porque o ambiente não seria o fator gerador do suicídio, mas sim estimulador. 
O medo da sobrevivência sem dúvida pesa e muito. A onda de suicídios na Coréia do Sul, há uns dois anos, quando morreram 40 pessoas por dia atirando-se do alto de prédios inclusive, coincidiu com a crise financeira asiática.
Na verdade o número de suicidas é infinitamente maior do que mostram as estatísticas porque nelas não estão contabilizados os casos de lenta degradação, como no consumo de drogas e potencialização de outros riscos como o hábito da alta velocidade nas estradas...
Para Schopenhauer, a vida era um erro e a morte nada mais seria do que a correção desse erro existencial. Uma maneira cômoda de evitar os desafios da existência.
Morrer em uma guerra ou vitima da violência das ruas, no trânsito ou no ataque marginal, é uma fatalidade. Mas acabar com a própria existência contraria o instinto, que é sobreviver em qualquer circunstância. Talvez as artificialidades da vida moderna e a necessidade de trabalhos repetitivos, robotizados, em longas jornadas, exasperem a alma humana e acabem tornando a visão da vida frágil. A ponto de torná-la dispensável quando a pressão - ou depressão - aumentam.
Para a maioria das pessoas, o suicídio é uma maneira extrema de mostrar domínio sobre a vida, agredindo o meio na linguagem cifrada de desprezo. No entanto a tradução mais realista mostra apenas o medo, a sensação de estar sem forças para superar situações que são ameaçadoras. Seria portanto um ato de covardia, um reconhecimento da inabilidade em lidar com a vida. 
O ato suicida é um ato desesperado, que pode ser evitado na maioria dos casos com a discussão sobre os motivos e uma nova interpretação a respeito do futuro. A vida não é estática, modifica-se mais do que a rotina permite perceber. 
Seria o momento da "respiração": cada vez mais, na rotina moderna, respira-se menos e pior e esse fato interfere na capacidade humana de renovar-se e evitar a depressão. Acumula-se informações em excesso, mas o pensamento é cada vez mais desprezado em função da mentalidade superficial. 

Wednesday, September 12, 2012

TIA NASTÁCIA, GRANDE PERSONAGEM DE LOBATO

Tia Nastácia era uma negra de beiços grandes, amada por todos que a conheciam, cozinhava divinamente e vivia em um sítio onde a criatividade e a fantasia faziam parte da realidade. Por uma dessas interpretações preconceituosas, está sendo considerada vítima de racismo e foi parar em audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal, porque o livro "Caçadas de Pedrinho" foi liberado para adoção no Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Considerar racista a obra de Monteiro Lobato, que escreveu vários livros ambientados no sítio do Pica-Pau Amarelo que se tornaram clássicos da literatura infantil brasileira, é no mínimo absurdo. As obras, como Reinações de Narizinho, foram escritas há 90 anos e encantaram justamente por interagir com o mundo infantil de maneira inteligente, estimulando a imaginação e o conhecimento, mas mantendo uma relação entre suas personagens de igualdade e ética.
Não apenas entre as pessoas. Os animais e os vegetais também deixavam seu espaço isolado na natureza para interagir e mesmo os vilões, quando não eram sobrepujados pelos heróis, acabavam sucumbindo à força da ética.
Parece completamente disparatado querer relacionar a obra a algum tipo de "estímulo ao racismo". A negra tia Nastácia é um retrato da cultura da época, passando a imagem de uma pessoa simples, amável e alegre, que era de certa forma a crítica das estrepolias da boneca Emília, assumindo uma personagem mais importante do que a própria D. Benta, avó de Pedrinho e Narizinho. Apesar de resmungos da boneca, a ideia final não passa racismo, embora demonstre circunstâncias históricas e culturais.
Cozinheira de mão cheia, encantava as personagens com seus bolinhos e era amiga e confidente de D.Benta. No começo do século XX as mulheres negras costumavam trabalhar nessas funções nos sítios, fazendas ou casas na cidade, onde permaneciam tanto tempo que mesclavam-se às famílias, tornando-se parte delas. É uma realidade histórica, não um relato racista.
A literatura racista seria aquela que provoca a diferença entre as raças e discrimina as pessoas de maneira artificial. Não a Nastácia de Monteiro Lobato, mas a mulher que ela é, independente da cor, poderia se considerar vítima de racismo e preconceito não apenas historicamente, mas em uma infinidade de livros publicados em diferentes épocas no mundo.
A figura feminina é retratada de maneira evidentemente preconceituosa em obras consideradas clássicos da literatura. Mas não teria cabimento banir da leitura essas obras, pois apesar de discriminar a mulher de diferentes maneiras e em muitos casos até promover a violência, é um retrato social.  Mostra a mentalidade de cada época, o drama vivenciado por esse preconceito.
Livros registram a história, mesmo quando assumem a imaginação e criam uma realidade improvável. Não importa se somos brancos, pretos, amarelos, homens, mulheres, feios ou bonitos (ah, quanto preconceito aos  feios encontramos na literatura!). O que importa é que essas diferenças óbvias entre as pessoas sejam tratadas com a igualdade ética, que preserva ao final a importância do respeito não apenas ao próximo, mas à natureza como um todo. Afinal o sábio Visconde de Sabugosa era uma espiga de milho e Narizinho casou-se com um peixe...
Essa sutileza está presente na literatura de Monteiro Lobato, que parecia entender o universo infantil. Tia Nastácia, preta, gorda, mas  inesquecível, amada pelas personagens das histórias e pelos leitores de suas aventuras. Longe de tornar a negra Nastácia discriminada, Lobato a fez integrar em definitivo o universo dos heróis de suas histórias. (Mirna Monteiro)

Saturday, September 01, 2012

TERRA, PLANETA TERRA...


 Desde que o mundo teve contato com a ficção que mostrava uma nave espacial comandada pelo próprio computador - aquele que resolveu rebelar-se contra a intervenção humana, livrando-se de seus tripulantes - e décadas depois criou robôs sentimentais, as pessoas andam preocupadas: o ser humano será sobrepujado pelas máquinas?
Pronto, está criada a "síndrome do descarte"! Seres humanos são um estorvo à natureza! Vivem em conflito emocional, sofrem de impulsos autofagistas e cospem no prato em que comem! Robôs são extremamente "cleans", contanto que sejam à prova de ferrugem. Como são máquinas, podem realizar proezas, como arremessar um incômodo mortal a um quilômetro de distância, ter visão de raio X e soldar seus próprios parafusos quando eles não se mantiverem devidamente enroscados! 
Já o ser humano...que raça complexa! Quando esses seres dirigem máquinas, tem o poder de descontrola-las. Adoram ajusta-las de maneira a torna-las letais e furiosas. É claro que temem uma revolução das máquinas desde o início da revolução industrial, quando descobriram que por mais simples que seja o mecanismo, ele sempre será mais confiável do que a frágil potência humana.

Por esse motivo está na moda prever um levante da inteligência artificial. Isso quando não se fala da fúria da natureza, com uma série tão grande de catástrofes, que já é preciso organizar um catálogo para descrever as nossas tragédias. Ninguém explicou ainda se nossos robôs inteligentes vão reinar antes ou depois do fim do mundo, mas uma coisa é certa: tanto em um caso, como em outro, os seres humanos parecem estar descartados da história futura!
Mania de descarte! Complexo de inutilidade no planeta...qualquer coisa assim. A sociedade humana anda mesmo se auto-depreciando. O espírito de derrota sobrepuja a força de mudança. Já temos pedaços de nossa história enterrados, memórias do nosso planeta Terra em cápsulas do tempo, aqui e acolá, em vários paises, inclusive no Brasil. Que por falar  nisso teve uma cápsula do tipo, em uma cidade brasileira, espirrada pelo esgoto em um retorno prematuro à superfície. O saneamento básico é o fim do mundo, mas se continuar expulsando a nossa memória ainda temos o recurso de sondas espaciais que levam informações de nosso planeta registradas em um disco, como a do Voyager! 

 Aparentemente, estamos mesmo preparados para um final da história. O problema é que não se sabe ainda se realmente somos sensíveis a ponto de pressentir o fim ou se estamos apenas exagerando nossos complexos aqui já relatados. No entanto podemos ter certeza de que mesmo com todo esse ar de tragédia no ar, as piores qualidades humanas continuam a atuar, aparentemente sem preocupação de ter de prestar contas em algum tribunal intergalático ou terreno.
Se não vier o fim do mundo, vamos ter muito trabalho para arrumar o planeta! (Mirna Monteiro)

Tuesday, August 21, 2012

A FORÇA DE CARAVAGGIO

Intensa, forte, iluminada. Estas são algumas das características da obra de Caravaggio, um pintor italiano que viveu entre 1573 e 1610. Uma vida curta, mas intensa, turbulenta, marcada pela rebeldia e pelo inconformismo, que podem ser observados em suas obras, com tamanha força e crítica, que indignou a sociedade da época, premida pelo rigor da Igreja.

Sentia-se à vontade nas tavernas, nas ruas, em contato com o submundo abominado pela aristocracia. Frequentou em fases de sua vida ambientes cultos e refinados, mas não hesitava em troca-los pelo prazer de conviver com a pequena burguesia e a ralé. Era um homem rude e carnal, que transforma-se em luz e sombra  nas traduções da vida, dos sentimentos humanos e de regras e comportamento e pensamento que não aceitava.
Caravaggio morreu da mesma forma que viveu: procurando absorver a vida, intensificando suas cores e seus dramas e potencializando a natureza. Depois de uma vida de conflitos, que envolviam pelejas e duelos, feriu-se gravemente na ponta de espadas.

O seu estilo é considerado barroco, embora bastante marcado pelo renascentismo contra o qual ele reagia. Mas a força de suas cores, o realismo de sua imagem e a iluminação de seus ambientes demonstram que Michelangelo Caravaggio foi único, iniciando o tenebrismo, com a projeção de luz sobre as formas e criticando a manipulação dos conceitos do cristianismo. Belíssimo resultado!



A obra Conversão de São Paulo é considerada uma revolução na iconografia religiosa. O cavalo é uma força e se ressalta na imagem. Não se vê o santo? Ora, São Paulo, o homem, caiu ao chão ofuscado pela visão de Jesus, na estrada de Damasco. A iluminação é belíssima, parece brotar do foco de luz vindo de cima, banhar o ventre do cavalo e inundar de claridade o rosto do santo. Colocando o centro do afresco no chão, Caravaggio salienta a insignificância do homem perante a divindade.

Davi com a Cabeça de Golias. Violência e a beleza do adolescente. Dizem que a cabeça decepada do gigante é um auto-retrato de Caravaggio. Pode ser: por essa época, em seus últimos anos de vida, ele mostrava desalento e mágoa, sentindo-se cansado e atormentado pela perseguição dos adversários, aos quais, antes, provocava.
Bacchus: retratado com feições femininas e delicado em sua postura, sugerindo a masculinidade mesclada ao feminino. Um Baco hermafrodita que irritou a aristocracia da época. Aparenta claramente um desafio à questão do poder, que em ambiente ébrio manifestava a versão feminina e frágil do homem.

A Morte da Virgem Maria a retrata com o ventre inchado, os pés para fora do leito, como uma mulher da plebe que sucumbisse de inanição ou de parto, numa atmosfera densa e um ambiente de miséria. A imagem desmistificada. Escandalizou pela suposição de que Caravaggio teria utilizado como modelo o corpo de uma mulher que havia morrido afogada.

O narcicismo, que Caravaggio parecia interpretar como um auto-engano ou o desconhecimento da própria alma: observe que a imagem reflete sentimentos diferentes.

A Cabeça da Medusa foi feita em óleo sobre tela colada sobre um disco de madeira de choupo, mostrando uma imagem extremamente rústica e expressão de surpresa mesclada de terror diante da violência final. A mesma Medusa que petrificava os seres foi presa para sempre em sua própria armadilha. (Mirna Monteiro)

Thursday, August 02, 2012

DOMINADOS E DESCONTROLADOS

Dois extremos de comportamento parecem marcar o cidadão em um momento onde valores éticos se confundem com disparidades que invadem o meio e destroem noções de cidadania: a apatia que crê na fatalidade desse processo e a revolta extrema, que leva um cidadão pacato a agir de forma violenta.
De uma maneira natural, esse desajuste é reconhecido popularmente. O termo popular "zumbizado" está se tornando comum e se refere ao estado de aceitação incondicional de tudo que é ditado pela mídia, seja um produto, seja um comportamento, seja uma informação, que ainda que destituída de provas, é aceita como arauto de alguma realidade. 
Em outro extremo ao zumbi moderno, aparece outro comportamento preocupante: o inconformismo com a situação de absoluta vulnerabilidade do cidadão, não apenas diante da violência marginal, mas da ausência de ações eficientes que impeçam o abuso de seus direitos nos mais variados campos. Surgem as ações imprevisíveis de violência daquele cidadão comum, que vivencia o seu "dia de fúria" por pressão de instituições e serviços que não respeitam a lei. 
É o caso da senhora de 73 anos, professora aposentada, que retornou furiosa ao banco para reclamar de um engano de uma funcionária. Levando uma arma na bolsa, ela passou pela porta  e acabou ameaçando o gerente. Caso também de inúmeras agressões feitas por segurados do INSS a médicos responsáveis por perícias, ou de pessoas que buscam aposentadoria e revoltam-se contra um atendimento mecânico e extremamente burocrático que nem sempre respeita a emergência de sobrevivência de quem trabalhou décadas a fio. Agências do INSS hoje tem aparatos de segurança que parecem incompatíveis e exagerados para o trato com idosos ou cidadãos doentes ou lesados pela atividade no trabalho.
Demora em processos leva pessoas ao desespero. Casos como o de um homem que aguardou anos por um resultado, sem poder trabalhar e sem recursos para a família. Ao saber que o auxílio havia sido negado atirou em um segurança no Juizado Especial Federal.
Pessoas que cometem violência no trânsito, com perseguições e tentativas de atropelamento por motivos fúteis. Vivenciamos exageros de torcidas de futebol, violências por discriminação racial, religiosa ou até política. Pessoas pacíficas que agem de maneira desesperada em filas de hospitais, e "armam barraco" em incontáveis situações criadas pelo comércio e por serviços. Professores são agredidos por alunos e alunos são vítimas de atiradores!
O que origina esse comportamento? A ausência de respeito às regras básicas de convivência, certamente. A partir do momento em que o conceito de respeito a ética fica cada vez mais diluído na massa da informação da mídia, maior é o rompimento do compromisso comum.
No século XIX,  Nietzsche já tentava diagnosticar a derrocada dos valores morais, quando parte da sociedade louvava novos conceitos baseados em um mundo que se industrializava e tornava-se operacional e produtivo, mas esvaziava seus princípios morais e éticos, duramente mantidos ao longo de séculos onde se buscou a medida mais razoável entre o poder econômico e a massa, fundamentais à uma convivência que, pretendia-se, fosse pacífica. 
No entanto a difusão da produção e do consumo acabou transformando o homem em um produto. Em seu estudo sobre a sociedade de consumo Jean Baudrillard lembra que a imagem, o signo, a mensagem, tudo aquilo que consumimos, forma um conjunto de ilusões que não resulta no equilíbrio da relação humana, muito pelo contrário.
Com a supressão de regras éticas e morais importantes, como a honra, a dignidade, a fidelidade, que acabam se tornando valores aristocráticos e portanto fora do alcance da maioria, vem a derrocada social, com a decadência da família como instituição básica da preservação desses valores, a predominância dos crimes, vícios, inveja, tudo que seria fruto do igualitarismo.
Que por sua vez nivela o ser "para baixo". Por exemplo, até a arte se transforma em uma expressão desprovida de sentido, de senso estético, de valor criativo, para se tornar simplesmente um ornamento ou um instrumento para chocar ou provocar.
A grosso modo e traduzindo o processo, poderíamos dizer que vivemos um momento onde longe de valorizar o elemento humano, a sociedade o oprime e o amolda em uma embalagem de massa de suposta liberdade, que na verdade é mais perigosa e escravizadora do que os feudos  nos tempos da escuridão. 
O resultado é uma profunda apatia e paralisação da mente diante do que se considera um processo natural e inevitável, ou uma insatisfação profunda que provoca reações extremas e violentas, pela mesma impressão de   aprisionamento e vulnerabilidade. 
O ser humano dificilmente se adapta a um ambiente programado, limitado e inóspito. Aumentam os problemas decorrentes da insatisfação pessoal, do medo da violência, do desencanto com a lei e da desconfiança de meios de comunicação que deveriam ser confiáveis, mas que se tornam contaminados. 
Ao contrário do que se convencionou, não houve um aumento da corrupção, mas sim uma consciência de sua existência e dos seus estragos em contrapartida à uma disseminação da impunidade que passou a atuar sobre o conjunto social. 
Para evitar  o caos o recurso é a recuperação dos valores que permitem o norteamento moral e ético, começando pelo topo e não mais pela base social que se descontrolou. Essa sim é uma ação histórica . "Cortar o mal pela raiz" implica em corrigir a corrupção onde ela começa, nos centros de poder político e econômico, moralizando instituições de maneira a permitir que a natural desigualdade social - considerando as diferenças individuais de  caráter e capacidade em todas as suas instâncias, reabsorva valores fundamentais a sobrevivência do meio.
O que não pode acontecer, além da inércia, é algum teatro onde haja punição programada para conter a insatisfação popular, como os espetáculos das arenas romanas. Se há intenção de reabilitar a sociedade e evitar o descontrole, que as ações sejam claras e ilimitadas, não se resumindo a algum caso específico, real ou forjado. E que todos admitam que um caso é isso: apenas um pontinho no mar de desajustes e corrupção que leva ao caos. (Mirna Monteiro)

Thursday, July 12, 2012

PENSAMENTO ARTIFICIAL

“(...) Todos estão tão agressivos, matando a troco de nada e ainda temos armas tão poderosas(...) Fico imaginando o futuro dos meus filhos e perco o sono (...)Tenho alunos que não me respeitam, levantam na sala e me ofendem. Citam frases feitas e conceitos massificados, não conseguem entender o que falam. As pessoas andam muito irritadas, que acha?” (Ivone)



Vivemos um momento de conflitos e incertezas. Certamente a humanidade sempre passou por apuros, insegurança e ameaças, cada qual com características de sua época. Mas a diferença talvez esteja na disparidade entre o tipo de sociedade que construímos e a expectativa de um mundo mais protegido.
Aparentemente, começamos a vivenciar um processo de extrema confusão, onde a pessoa passa a ter dificuldade em distinguir a realidade da ficção, onde o mundo virtual e a mídia massificada passaram a substituir o pensamento e o questionamento comuns ao ser humano.
Falar em “insegurança” é uma maneira suave de colocar a emoção humana diante do futuro. A palavra certa é medo. Medo do descontrole da emoção, medo das conseqüências da perda de valores e da superficialidade, medo de tornar-se apenas um número em um grande arquivo, que pode ser apagado em um piscar de olhos por mãos invisíveis!
Enfim, medo da perda da consciência e individualidade, com a sensação de impotência que vem do enfrentamento com um poder que não é humano, nem tem corpo físico, mas que domina gradativamente as sociedades através do virtual.
A agressividade humana foi fundamental para a sobrevivência em épocas onde o confronto físico era inevitável. A palavra agressividade significa “Movimento para frente”, ou impulso, uma característica humana não necessariamente destrutiva. Não é portanto o tipo de agressividade que observamos hoje, que cria uma nova patologia gerada pela necessidade de destruir, seja em conceitos na fúria de discussões, em patrimônios nas invasões e outras conturbações da massa ou formas de violência, como assassinatos por motivos fúteis ou por mera vontade de finalizar com algo ou alguém.
Até que ponto as sociedades suportarão a pressão ou onde vamos parar, é uma incógnita. Mesmo porque pode haver uma recuperação de valores surgida da própria necessidade de sobrevivência. Como podemos observar a preocupação leva à tomada de consciência e as discussões podem desencadear um processo de restabelecimento.

A dúvida no entanto ainda permanece. A dificuldade de interagir diretamente no meio social será superada? Ou a tendência ao isolamento físico, substituído por relações impessoais à distância, irá aumentar?
"Será que ao nos fechar nas nossas diferenças, não estaremos nos rebaixando a categoria de consumidores passivos da cultura de massa produzida por uma economia globalizada?” pergunta Alain Touraine, sociólogo francês. Crítico do mundo moderno, Touraine considera  que a globalização destruiu o social.  Ele cobra uma definição da individualidade, contra o universo da instrumentalidade. A grosso modo, significa que a sociedade humana chegou a um impasse, onde o conflito central , que é cultural, tem de um lado o triunfo do mercado e das técnicas e, de outro lado os poderes comunitários autoritários.
Essa confusão entre o real e o virtual, que ameaça a individualidade humana e a sua capacidade de gerenciar a vida pessoal e comunitária, é também muito bem analisada por outro francês, um pensador de nome Baudrillard.
Para ele o sistema tecnológico desenvolvido deve estar inserido em um plano capaz de suportar esta expansão contínua. As redes geram uma quantidade de informações que ultrapassam limites a ponto de influenciar na definição da massa crítica.
Seria o efeito oposto ao pretendido. Todo o ambiente estaria contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema. Quer dizer , a grosso modo, que vivemos um “feudalismo tecnológico”.
O resultado seria uma interferência na capacidade humana de pensar “com a própria cabeça”, de maneira abrangente e lógica. “O resultado de um consumo rápido e maciço de idéias só pode ser redutor”, critica Baudrillard , que não poupa críticas aos supostos detentores do pensamento e da razão, no jogo da mídia e do entretenimento. “Hoje o pensamento é tratado de forma irresponsável. Tudo é efeito especial!”
É, existe lógica nessa visão. Hoje tudo é “efeito especial”, como um grande cenário montado para causar impressões ao longe, mas que deixa perceber a quem está no palco que é um impacto feito de papelão. Não possui consistência suficiente para equilibrar o meio real!
Os nossos valores e pensamentos são decididos na mídia eletrônica ou no universo virtual onde a informação caminha lado a lado com a alienação e o engano.
A alternativa?
Fala-se em conscientizar o risco e não permitir que o “cyberspace” ou ciberespaço e a mídia em geral sejam as únicas fontes de informação e formação. A retomada das rédeas da própria vida e a consciência de humanidade são condições para evitar a decadência da convivência sadia que respeita as diferenças e a criatividade inerentes ao ser humano.
Como isso pode ser realmente trabalhado pelo indivíduo, ainda é um mistério...(Mirna Monteiro)

Wednesday, July 11, 2012

MULHERES EM FÚRIA

O sexo frágil possui características óbvias. Feições delicadas, pele macia, ventre preparado para a maternidade e tendência à proteção de sua prole. A mulher, cantada em verso e prosa ao longo da civilização humana, comparada a uma flor e considerada esteio da harmonia familiar e social...
Parece que essa figura está ficando cada vez mais rara. Ou pelo menos anda dividida! O conceito da feminilidade de fato anda rachado ao meio.
Antes de provocar a ferocidade que anda distorcendo o conceito da feminilidade e a ação da mulher no meio social, convém explicar este assunto, que não pretende em absoluto criticar a politização e a ampliação do papel da mulher na sociedade, muito pelo contrário. Mas é preciso pensar e racionalizar o que alguns críticos chamam de "masculinização" da mulher, onde ocorre um fenômeno desagradável que gera descontrole e aumento na violência.
As estatísticas demonstram um aumento surpreendente de mulheres marginais, que no comando de quadrilhas são descritas como muito mais violentas do que os homens. Nas escolas adolescentes rolam pelo chão e não se limitam a puxar o cabelo de suas adversárias: usam instrumentos cortantes e cometem assassinatos.
Bebês indesejados são abandonados em sacos de lixo, córregos e vasos sanitários. Cada vez mais mulheres são usuárias de drogas e dependentes de álcool, prostituindo-se também precocemente.
Para os desavisados, essa seria uma situação enfrentada por mulheres de classes sociais mais baixas. Ainda que a condição sócio-econômica seja importante em parte desse comportamento, ela não explica o aumento da violência entre as mulheres das classes média e alta.
Casos de assassinatos cometidos por mulheres, até a frieza de esquartejamento, não são mais tão raros. Comuns, apesar de surpreendentes, são as mulheres furiosas ao volante de carros econômicos ou importados, que chegam ao cúmulo de perseguir suas vítimas após simples bate-boca no trânsito e tentar atropelá-las ou causar danos materiais.
A pergunta é: esse tipo de mulher, com tendência à violência, sempre existiu ou é uma fruto de alguma disfunção moderna, que criou patologias desconhecidas no temperamento feminino?
Mulheres psicopatas sempre existiram na história humana. Há exemplos de sobra. Não há portanto novidade no fato de acontecimentos terríveis na atualidade ter também mulheres em sua autoria. Ainda que não haja consenso, estudos demonstram que o aumento da violência extrema entre mulheres é compatível com a maior incidência da violência em geral, facilitada por circunstâncias do momento, como a sensação de impunidade.
A novidade fica por conta das mulheres que não são psicopatas e que apesar de serem afetivas e inseridas socialmente  recebem influências do meio que levam à mudanças radicais de comportamento. Como exemplo podemos citar o receio à maternidade, que deixa de ser um acontecimento puramente instintivo para se transformar em uma escolha complicada. Como criar filhos em uma sociedade de difícil sobrevivência, já saturada em seus espaços?
A violência que ocorre ocasionalmente,em momentos imprevisíveis, também é motivada pela pressão do meio, extremamente materialista e descartável, originando um estresse que atinge ambos os sexos, sem distinção. Quem não tem estrutura para lidar com essa nova realidade, desenvolvendo a inteligência emocional, é fatalmente levado a ações de violência verbal ou física.
Outro fator torna a mulher mais suscetível à pressão do meio: a desorganização do próprio organismo, com mudanças hormonais mais frequentes. O organismo feminino manteve um ritmo secular (ou milenar) que está sendo brutalmente modificado através de hábitos alimentares, posturais e emocionais. Tudo isso leva à uma patologia ainda controversa, a tal da bipolaridade, ou da mudança de humor em extremos. Ao invés de corrigir a causa, foca-se no controle da disfunção através de medicamentos psiquiátricos, o que não leva ao retorno da normalidade.
Não é possível falar sobre a fúria feminina sem observar uma grande realidade: nos últimos séculos, principalmente no seculo XX,  a sociedade patriarcal transformou valores éticos em bagaço. De tal  maneira que assistir passivamente a derrocada social e os abusos em detrimento do fator humano tornou-se insustentável. A mulher foi obrigada a assumir seu lado combativo.
Como será o futuro do temperamento feminino ainda não se sabe. Afinal a dúvida vale para o temperamento masculino, também alterado pelo novo ambiente. Mas a figura centrada, maternal e voltada para o equilíbrio familiar ainda é o ideal perseguido, seja no micro ou no macro, seja na família, seja na condução política da humanidade. Avaliar seriamente as alternativas e realizar opções não imediatistas, mas que tragam maior equilíbrio individual, parece ser uma emergência coletiva. É bem provável que dessa tempestade surja uma nova mulher, que não carregue o peso de dogmas do passado, mas que também se liberte da poluição perigosa do presente. (Mirna Monteiro)

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Thursday, June 28, 2012

PRATICA E TEORIA DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Violência passa a ser tema obrigatório nas escolas, não por mera inclusão de disciplina, mas por força da necessidade social. As estatísticas demonstram que o grau de agressividade no meio escolar aumenta de forma assustadora e cada vez mais atinge faixas etárias mais jovens, fluindo de forma independente das características sócio-econômicas. As motivações dessa violência variam, mas o que impressiona é a agressividade progressiva desencadeada por motivos fúteis.

Perdemos o "freio" no controle de crianças e adolescentes? Muitas pessoas procuram simplificar a questão, afirmando que falta a imposição de ordem e certa dose de repressão na relação dos pais com os filhos. Sob essa visão a tolerância excessiva ou o "mimo" exagerado estaria prejudicando a capacidade da criança em entender os limites das relações e de responsabilidade individual.

Se esse fosse o problema desencadeante da progressão da violência nas escolas, a solução seria simples? Não! Considerando que tolerância excessiva e "mimos" prejudicam, pois são a tradução da ausência dos pais e permissividade por omissão de atenção à criança, que tem acesso a informações e ações que não tem condições de assimilar e "digerir" cada vez mais precocemente, outros fatores perniciosos do meio ganham maior poder.

Há quem acredite que a violência na ficção, filmes, games ou até mesmo nos desenhos animados, seria assimilada de maneira diferente pela criança, pois ela não teria experiência prática para entender a violência tal como ela se processa a ponto de ser influenciada. É esse o maior engano! Da mesma forma que uma educação direta dos pais em conversas com os filhos e doutrinas religiosas fornecem a noção da ética e da moral ( o que seria indispensável para que a relação com o mundo seja processada) o contato com games que estouram cabeças ensanguentadas de zumbis também criam um parâmetro pessoal em relação à violência, que deixa de ser considerada uma invasora que deve ser dominada e excluída, para se tornar parte da rotina do ambiente. Transportar essa violência da ficção para a realidade, em um mundo onde cada vez mais o espaço virtual se confunde com a realidade física, é questão de tempo.

Crianças e jovens estão cada vez mais familiarizados com a violência, pois ela está presente em todos os lugares, na ameaça real da criminalidade, mas também dentro do ambiente familiar, onde encontramos pais impacientes e irritados, que quando estão presentes usam de violência, e o estímulo das imagens dos games, dos filmes e dos desenhos (que cada vez mais usam violência, subliminar ou diretamente) dos pais que vivem ausentes por questões profissionais ou outras.
É preciso, sem dúvida, que a família seja repensada. Filhos não são um pé de alface, que basta ser plantado e regado. É urgente resgatar a responsabilidade da relação entre pais e filhos, desde a gestação, para romper o círculo vicioso do desajuste que leva crianças e adolescentes a uma situação de tanta vulnerabilidade a drogas e violência.

Como se vê, restam poucas alternativas para as novas gerações no que se refere a orientação e formação basicas para desenvolver a capacidade de interagir com o meio de forma positiva. A mais importante delas é a escola, ambiente que representa para muitos pais a alternativa da educação não apenas curricular, mas ética, moral e emocional...No entanto a esmagadora maioria das escolas, mesmo as mais caras, não têm condições de substituir o papel da família na formação do caráter e no desenvolvimento harmonioso da personalidade da criança.

Manter uma situação tão desajustada poderá trazer consequências inesperadas não a longo, mas a médio prazo, pois já é possível detectar os sinais de alerta no meio escolar e social. Como não se pode reformular uma sociedade onde gerações de duas a três décadas perderam gradativamente a capacidade de definir valores sociais e éticos (nem falamos aqui em moral), a única alternativa para desfazer o enorme nó no novelo  da relação social e individual é tornar as escolas mais atuantes nesse processo.

Violência, agressividade e noções de ética e cidadania são problemas que devem se tornar discussão obrigatória nas escolas, em todas as faixas etárias, não como temas a serem doutrinados, mas apresentados e abordados de maneira a resgatar a capacidade de auto-suficiência do pensamento - uma simplificação do ensino da filosofia que vem sendo tão discutido e que corre o risco de se tornar uma disciplina morta - que compense a ausência da formação de valores e interpretação do mundo na relação familiar. A criança precisa aprender a refletir e entender que as imagens da mídia, que a influenciam direta ou indiretamente, precisam ser pensadas, repensadas e digeridas antes de tornarem-se uma verdade a ser adotada em suas vidas.
(Mirna Monteiro)

Tuesday, June 26, 2012

POLÍTICA E PODER

Campanha política é sinônimo de briga? A pergunta não foi feita por algum colegial, está na boca de todos que tentam acompanhar as propostas dos candidatos nas campanhas eleitorais. Fisionomias ameaçadoras, colocando a responsabilidade de todas as desgraças humanas nos opositores...sem propostas concretas para tornar a escolha do voto mais confortável.
Não é nenhuma novidade. Desde sempre o homem tentou entender a voracidade do poder político. Talvez tenha sido justamente isso – a insanidade que marcou a briga política ao longo de séculos e séculos de organização da sociedade humana, que tenha levado à necessidade de pensar suas origens, seu presente e seu futuro.
É bom lembrar que política traduz a necessidade de entendimento, capacidade de adequar as necessidades administrativas e sociais de maneira a criar o máximo de equilíbrio para a comunidade, sempre respeitando a lei...
Sob esse ponto de vista, campanha política deveria ser baseada no bom senso e na capacidade de comprovar o talento logístico e administrativo para exercício do cargo pretendido. Mas o problema é que a política exerce não apenas a vocação para o trabalho de liderança, mas uma atração fatal para o abuso do poder.
Por toda a história, quem ousasse pensar e desafiar a engrenagem, por mais enferrujada ou esburacada que se mostrasse, entrava pelo cano. Fosse na fase da Inquisição, com todo o poder centralizado na igreja e em papas escolhidos não pela santidade, mas pelo oportunismo, fosse nos tempos modernos, onde a perseguição contra quem reclamava do abuso político e apontava as falhas de ideologias massificadas não era menos cruel ou absurda!
E agora, no Terceiro Milênio, a “Idade da Informação”, do apogeu da mídia e do confronto com a maior comunicação popular da história da humanidade?
Bem, agora, sofisticaram-se os meios, mas o recheio do bolo continua o mesmo. O cenário em que vivemos é magnífico: naves espaciais orbitando a terra, satélites que mandam imagens do sujeito que passeia na Patagônia para a “Concinchina”, chips que substituem funções do cérebro humano, enfim!
Mas na TV lá estão caras ameaçadoras, xingando e cultivando o ambiente do caos. A briga pelo poder é tão mesquinha e perigosa como nos tempos primitivos!
Mas e a nossa democracia, a nossa campanha política, o nosso voto popular?
Pois é, metade do caminho já andamos. O problema fica com quem quer reverter a antiga estrutura e pretende manter um tipo de política que já não se encaixa no novo cenário. O jogo é se torna pouco saudável, baseado em denúncias vazias, que pretendem denunciar o que não existe na realidade, ou mascarar o bolor das engrenagens. É só bagunça!
É uma maneira de continuar confundindo a ideia popular, como nos tempos primitivos. O poder político assume a figura de comadres barulhentas, que fazem da intriga e fofoca a manchete do dia!
Não é um problema brasileiro. É um problema dos países comprometidos com interesses de grupos econômicos, habituados a imperar. A corrupção é endêmica, mas é principalmente mascarada. A tendência de vestir a intenção de coletar lucros com a capa das boas intenções confunde realmente. O lobo que se esconde sob a capa da indignação ou o complexo do conto da chapeuzinho vermelho não são personagens fictícios.
Corrupção endêmica significa corrupção enfronhada, absorvida pelo sistema. As pessoas confundem e imaginam que é novidade, sendo manipuladas pelo frenesi político, que propaga os próprios pecados, senão de profundo conhecimento de falcatruas, pelo menos no de omissão para punir e banir a corrupção de fato. A mídia infelizmente não escapa desse cerco e leva informação distorcida. No tempo das trevas, os livros eram raros e o conhecimento empírico. Mesmo assim a sociedade humana rompeu as barreiras da falta de informação.
Hoje temos de admitir que somos obrigados a derrubar as barreiras da ignorância, fruto de informação distorcida, comum na política quando se briga pela imposição de projetos e supremacia partidária. Talvez se o velho filósofo da cicuta se atrevesse a discursar sobre democracia e respeito nos dias de hoje, seria rechaçado por um volume de ofensas verbais, que não envenenam o corpo, mas o espírito da política.

LEIA TAMBÉM
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http://artemirna.blogspot.com.br/2011/08/respeito-do-omitir-se.html

Tuesday, June 12, 2012

ONDE ESTÁ A VERDADE?

PORQUE AS PESSOAS MENTEM TANTO?


Nos velhos tempos dos sofistas, mestres itinerantes do conhecimento politicamente correto, a mentira era utilizada como artifício do poder, ou seja, a verdade era "ligeiramente" deturpada ao sabor das intenções sofistas. Por isso essa palavra ganhou uma conotação pejorativa.
Passados uns 3 mil anos, a mentira parece permanecer inevitável n exercício do poder, seja ele político, econômico, familiar ou social.
E ainda funciona! Velho como a humanidade, pois certamente esse artifício já nasceu com o homem, que para sobreviver precisava enganar seus predadores.
Mas mesmo sendo tão conhecida, é possível reconhecer a mentira? Ou as pessoas disfarçam, aceitando-as como verdade, quando lhes convém, mesmo que reconheçam a sua precariedade?
O problema é que a mentira pode ser extremamente destruidora. Como na política ou nas ciladas criadas pela inveja.Na Filosofia, a mentira é perigosa. É o caso do sofisma.O sofista faz retórica. O filosofo faz dialética.
Na retórica o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, vão persuadir, convencer, mas sem transmitir conhecimento algum. Já na dialética, que opera por perguntas e respostas, a pesquisa procede passo a passo, e não é possível ir adiante sem deixar esclarecido o que ficou para trás. O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal. O filósofo refuta para purificar a alma de sua ignorância
Há quem considere deteminadas verdades destruidoras...Muitos que pedem a franqueza não estão preparados pra poder lidar com a realidade.Há verdades que não precisam ser ditas, assim como há mentiras que são necessárias.
Será que o pensamento livre, crítico, independente poderá prevalecer e a sociedade encontrar e uma forma de convivência baseada na verdade? Admitir a realidade não nos torna mais fortes e preparados para os desafios da vida?
Talvez o problema não seja a franqueza, mas a ausência de isenção ao utilizar a verdade.

Não vamos confundir mentiras com "faz de conta"! Imaginar uma realidade e conduzi-la ao sabor das próprias expectativas, como fazem as crianças nas brincadeiras, faz bem. Tanto é que a criança começa a entrar em choque com a realidade quando ela percebe que o faz-de-conta é muito diferente das mentiras que os adultos começam, logo cedo, a ensinar!

E o pior é que usando de hipocrisia e mentiras, os adultos pretendem que a criança seja absolutamente sincera! Crianças são inexperientes, mas são extremamente sensíveis à toda atitude contrária à natureza.

Da mesma maneira, o faz-de-conta dos adultos, através da ficção, é extremamente salutar. Aliás, é uma mola que impulsiona o mundo! A imaginação humana é premonitória e rica em estímulos para o futuro. Que o diga os grandes escritores de ficção, como Julio Verne!

O mundo seria enfadonho e estático sem a mentira? Os próprios deuses do Olimpo adoravam intrigas e se divertiam com isso. Eu já considero que há um ligeiro engano de interpretação: não é a mentira, mas a falta de imaginação que tornaria o mundo chato.
A mentira é perigosa!
Enfrentar a verdade é a única chance de sobrevivência individual, familiar, comunitária, ou da própria humanidade
Não é possÍvel concordar com a idéia de que podemos conviver com a hipocrisia e mentirinhas. O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos. Há necessidade de confiar nas coisas e nas pessoas
Por isso, neste terceiro milênio, a sociedade entra em choque constatando uma terrível realidade: a mentira está terminantemente contida nos meios de comunicação e expressão, seja eles quais forem. Tornaram-se instrumentos com alto poder de persuasão e de confusão também!
Mas há o contrapeso: é suficientemente capaz de arrancar a esperança de que o pensamento livre, crítico, independente ainda haverá de prevalecer? Que uma forma de convivência mais baseada na verdade possa vir a ocorrer ?
Cresce em nossa sociedade a exigência da verdade, clara e límpida. É o desejo e a necessidade da busca da verdade. Há um sentimento generalizado e crescente de que os valores éticos devem retornar, sob pena de convulsão social.
Em tempos onde o acesso à destruição é quase prosaico, não se pode fingir que mentiras são inofensivas. Seria utópico imaginar uma sociedade, deformada como a nossa sociedade humana, com a herança que possuímos, feita de seres absolutamente honestos e isentos. Mas sabemos que as pessoas são diferentes e é essa diferença que permite equilibrar o mundo. Há pessoas com valores definidos, as tais do "fio de barba", assim como há aquelas que vivem para a malicia, mentira e hipocrisia.Tão certo como o anseio
do ser humano pela Verdade.

Sunday, June 03, 2012

CONSCIÊNCIA E CORES

O "Abaporu", uma das obras mais
populares de Tarsila do Amaral

Inquieta e criativa, Tarsila do Amaral foi uma mulher à frente de seu tempo. Nascida em 1886, participou de novas fases da arte, como o modernismo e deu início à pintura social no Brasil.
Como mulher, rompeu barreiras de preconceito. Casou-se três vezes. Seu segundo marido foi Oswald de Andrade.
Tarsila estudou com Albert Gleizes e Fernand Léger, grandes mestres cubistas e manteve estreita amizade com Blaise Cendrars, poeta franco-suíço.
Iniciou sua pintura “pau brasil” dotada de cores e temas acentuadamente brasileiros. A maneira como lidava com os temas, buscando a essência natural e política das formas, encantou críticos de outros países. Em 1926 expôs em Paris. Fez grande sucesso na época.
Mamoeiro: evidenciando a natureza
A sua obra mais conhecida, o “Abaporu”, foi pintada em 1928, como um presente à Oswald de Andrade, que se emplogou com a tela e criou o Movimento Antropofágico.
De 1936 à 1952, Tarsila trabalhou como colunista nos Diários Associados. Nos anos 50 voltou ao tema “pau brasil” e em 1951 participou da I Bienal de São Paulo. Em 1963, em uma sala especial, expôs na VII Bienal de São Paulo e no ano seguinte na XXXII Bienal de Veneza. Faleceu em São Paulo, em 1973.

"A Cuca": folclore brasileiro
"Nú": sob influência do cubismo
"Operários" (acima) e "Segunda Classe" (abaixo) : preocupação
com a vida do brasileiro e consciência política estão claras
nas pinturas da fase social de Tarsila

Thursday, May 31, 2012

A CRIANÇA, A OMISSÃO E A MORTE

obra de  Marusz Levandowsk

Uma criança pequena é atropelada na rua e fica no chão, enquanto as pessoas passam por ela, como se ela fosse invisível, apesar do sangue que escorre pela rua. Um segundo veículo passa sobre a criancinha. Até que alguém para e puxa o pequeno corpo para o meio fio. Ainda assim vai embora e o socorro demora!
Cena de um filme de terror? Alguma ficção de zumbís que comem cabeças humanas? Não!
Isso aconteceu em uma rua de grande movimento na China!
O horror da cena leva obrigatoriamente a uma revisão de nossos valores e conceitos, em um mundo onde as culturas se misturam e onde, mais cedo ou mais tarde, seremos obrigados a definir questões éticas e legais de maneira global, sem interferir na soberania de cada país, mas de maneira a preservar a sobrevivência futura.
Cenas como esta - que acontecem impunemente em cenários de guerra, mas que parecem ficção de mau gosto no cotidiano de uma área urbana - representam não apenas a morte de um indivíduo, mas de valores humanos fundamentais à sobrevivência futura do coletivo. 
O surgimento de um padrão cultural unificado vem acontecendo não exatamente pelos acordos econômicos, mas às custas do intercâmbio cultural crescente, através da informação veiculada principalmente através da internet, que mostra a semelhança entre pessoas de todo o mundo. Mas com limites óbvios: até que ponto essa relação pode mudar hábitos e culturas que menosprezam o direito individual do homem?
A China tornou-se uma potência econômica, espalhando seus produtos pelo mundo todo. Tem uma cultura antiga, de uma filosofia surpreendente. É de Confúcio, um de seus filósofos eternos, o dizer "Se queres prever o teu futuro, estuda o teu passado".
Hoje  Confúcio é apenas história, não mentalidade. Com 1,3 bilhões de habitantes, a China é apenas um retrato moderno da mentalidade do consumo, onde a vida perde a importância diante da necessidade do poderio econômico. Que ao contrário da expectativa dos países superindustrializados não oferece segurança alguma de futuro. É como uma armação enorme, erguida sobre escombros e recoberta de ouro, mas que pode a qualquer momento desmoronar e tornar a fartura em um perigoso jogo de sobrevivência.
É claro que a China não é um exemplo isolado. A "corrida pelo ouro" na busca da expansão da economia do consumo já afetou os EUA, a Europa e surpreende o mundo neste momento com grande queda no crescimento  da India, que registra o menor índice em dez anos.
Com a economia mundial em crise, a desaceleração da economia na India soa ameaçadora, mas demonstra como o sistema mundial é frágil.
Frágil em economia, que por sua vez utiliza um sistema que fragiliza a sociedade, reduzindo a importância do fator humano e criando uma mentalidade pragmática que não funciona justamente por exaurir indiscriminadamente a vida natural. 
A imagem da criança atropelada a ali deitada enquanto pedestres passam por ela é apenas um exemplo desse risco. Essa cena se repete no mundo todo, não apenas nas áreas de guerra - onde o sofrimento e a destruição possuem a mesma intenção econômica - mas em países que se vangloriam de manter os direitos humanos em dia, assim como o respeito ao meio, mas que terminam por criar regras que também rebaixam os direitos do indivíduo diante da necessidade do consumo.
É um indício perigoso da asfixia e morte de valores éticos fundamentais para a vida e sobrevida no planeta.(Mirna Monteiro)


Leia também
http://artemirna.blogspot.com.br/2012/05/o-que-pretendemos-da-vida.html


  http://artemirna.blogspot.com.br/2012/04/consumir-ou-nao-consumir-eis-questao.html

http://www.youtube.com/watch?v=k7drtDdKxcE