Tuesday, November 22, 2011

O OLHO

Quando surgiram os primeiros reality shows nos EUA e alguns países europeus o mundo ficou surpreso. Por toda a história humana a discrição e a privacidade foram sinônimos de segurança.
Evitar expor-se significava preservar a vida, em muitas fases históricas, desde os primórdios da sociedade humana. Para evitar transformar-se em troféu de caça, objeto de rituais, mártir de revoluções, exemplo de submissão na obscuridade  da Inquisição ou na feroz batalha pela predominância do poder econômico e político.
Os shows que expõe a intimidade das pessoas parecem cumprir com uma espécie de preliminar na vida real da sociedade moderna. Aliás até mesmo o nome lembra a soturna revelação no romance de George Orwell nos anos 40 do século XX, o Big Brother ou Grande Irmão, onipresente na vida do cidadão.
Orwell, que usou esse pseudônimo ao invés de seu nome real, Eric Blair, estava decepcionado com os resultados práticos do socialismo e apavorado com a capacidade humana de escravizar as sociedades. No seu romance todos os cidadãos eram uniformizados e obrigados a pensar da mesma forma. Quem ousasse agir ou pensar diferente era considerado criminoso e portanto punido.
Até aí, nenhuma novidade. Desde o início da civilização humana o domínio da sociedade sempre foi a preocupação dos déspotas. Mas uma coisa interessante é que Orwell usou uma nova tecnologica da época, a televisão, como a representação do olho repressor e vigilante da sociedade, o Big Brother. De fato profetizou um sistema de absoluto poder, a Internet.
Mas certamente atirou no que viu e acertou o que não viu: a televisão transformou-se em um aparelho com câmeras, que aliado ao poder do ciberespaço transformou-se em poderoso olho dentro da intimidade doméstica.
O mundo virtual é um mundo a parte, subjetivo para a maioria das pessoas. É como uma extensão do pensamento, pois não tem corpo, nem consistência. Apenas ideia.
Um erro crasso de interpretação. O fato de ser virtual não significa que seja inócuo ao mundo real. Muito pelo contrário, é um poderoso canal de comunicação, que coloca a televisão inventada no século passado no chinelo, com todo seu potencial midiático!
O mundo virtual tornou-se o objeto de desejo da expectativa humana de comunicar-se sem intermediários e sem sofrer (teoricamente)  a manipulação dos fatos.
Mas como tudo tem dois lados, é também um prato cheio e desejado para domínio da massa.
Estamos preparados para abrir mão da privacidade que está enraizada no instinto humano como mecanismo de auto-preservação?
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Quando entramos no mundo virtual não estamos apenas arriscando um encontro fortuito com hackers ou vírus, mas mantendo contato direto com "cookies" (que nome mais docinho) que sequestram informações pessoais. O mundo virtual é tão inseguro quanto o mundo real. Você pode sair de um site, desligar seu computador, mas o acesso às suas informações pessoais continua, ativo como cupins na madeira macia.
Talvez a alternativa seja abrir mão da privacidade prática, sem admitir o abuso. Informação no poder de alguns é pior do que ao alcance de todos. Seria a democratização do "Big Brother"! Uma verdadeira revolução no conceito de viver isolado, mas com o propósito de não ser comandado por um único olho.
De qualquer forma está aí lançado o desafio para a sociedade mundial decidir as regras, com leis claras e funcionais, da potência do virtual sobre a vida do cidadão comum. (Mirna Monteiro)


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