Thursday, June 30, 2011

O DESTINO E A INEXORABILIDADE

Ou, traduzindo, o eterno receio do futuro. Recentemente, em discussões de grupos na internet, o tema foi esse mesmo,  o "destino". Palavra fácil, com sentido complicado, pois envolve suposições, crenças ou, como não, lógica extrema. Depende do ponto de observação. Mas como angustia o ser humano!
A preocupação com o futuro é evidente. É raro encontrar alguém que não se preocupe com o que vai acontecer no próximo minuto, nas próximas horas, no próximo ano ou até onde vai poder contar com essa expectativa.
Mas há algo mais nessa ansiedade. Talvez a ausência de conteúdo imediato, que promova a atenção total para o momento presente. Talvez, também, certa confusão no viver pura e simplesmente, diante de acontecimentos que não são exatamente imprevisíveis, mas que tornam a necessidade de mudanças mais premente.
Aí volta e meia alguém quer saber: como será no futuro!
Muitos desconfiam de que existe alguma programação pronta, como se a vida fosse páginas de um livro já escrito e com final definido, cuidadosamente desenvolvido para emocionar, premiar ou punir o sujeito. “Certas vezes me ponho a pensar sobre essa intrincada e incompreensível trama que é a nossa vida e me pergunto se por detrás dela não existe algum tipo de ordem ou razão”, opinou um ouvinte em uma palestra que deveria versar sobre o humor e saúde, mas que acabou se transformando em um debate existencialista.
Com toques dramáticos! Falar sobre o destino é dramático. Extenuante até, para os mais afoitos em obter alguma certeza do futuro. Existirá uma ordem, seja ela do ponto de vista individual ou coletivo, que funcione com um traçado prévio dos acontecimentos? Ou os acontecimentos são simplesmente resultado de ações, estas sim funcionando como uma mão de direção para o futuro?
Há quem afirme que tudo isso é uma bobagem e que faria melhor a humanidade se concentrasse suas preocupações em construir o momento presente e futuro, sem a cômoda impressão de que não precisa fazer absolutamente nada, pois tudo já está traçado. Cruzar os braços e resmungar a todo instante que "não ia adiantar fazer nada mesmo"...
Os antigos acreditavam que quem gerenciava os acontecimentos e o destino dos humanos eram os deuses ou forças que estariam acima das forças do homem. A mitologia descrevia o estado primordial, primitivo do mundo como o “Caos”, que segundo os poetas era uma matéria que existia desde os tempos imemoriais, sob uma forma vaga, indefinível e indescritível.
Caos era ao mesmo tempo uma divindade, talvez rudimentar, mas capaz de fecundar.Por aí já se percebe que tinha seu toque de inexorabilidade. Obviamente.  Pois foi assim que gerou a Noite. E foi do Caos e da Noite que foi gerado o Destino, uma divindade cega e portanto definitivamente inexorável, ao qual estariam submetidas todas as outras divindades.
O Destino era poderoso, por si só uma fatalidade. Os céus, o mar, a terra e os infernos, todos faziam parte de seu império, que não era nem a favor dos deuses, nem a favor dos homens.
As leis do destino eram escritas desde o princípio da criação em um lugar onde deuses podiam consultá-la. E segui-las, irremediavelmente. As leis do Destino tornaram culpados muitos mortais, apesar de sua vontade de permanecer virtuosos. Os homens jamais sabiam do seu destino. Em termos, veja bem, porque ele poderia deixar de ser misterioso através da visão dos oráculos.
Uma visão fatalista, que naturalmente modificou-se conforme a sociedade humana foi se aprimorando e sofisticando-se. O homem percebeu que regras podiam ser mudadas e cursos de rios desviados. Ainda assim, em tempos de grandes mudanças e de novos conceitos, a certeza de um destino imutável permanece forte. “Tudo que se planeja esbarra na imprevisibilidade e se transforma”, lamentou um fatalista....ora, se há imprevisibilidade e transformação não pode  haver imutabilidade!
Controvérsias e confusões. Essa interpretação de uns entra em choque com a de outros, que defendem uma nova postura do otimismo e do pensamento positivo. Defende a idéia de que o ser humano possui força suficiente em seus pensamentos para criar as situações futuras, como se desenhasse no papel o que deveria acontecer, sendo o próprio escritor do destino, o criador de seu futuro.
Neste caso não se nega a existência do Destino. Nega-se a sua fatalidade. Ele continua imponderável, mas subordinado às ações e aos resultados delas. Continua inexorável, mas consciente da que tudo que existe foi ocasionado por uma ação determinada ou um pensamento, coletivo ou individual. Se para cada ação existe uma reação, o futuro seria construído e modificado a todo momento!
Há quem não goste dessa idéia. Dá trabalho! Responsabilidade. Isso significaria que o destino, como resultado de nossas ações e pensamentos, não é imutável e definitivo, podendo ser transformado. Se for uma caca, a culpa não é do onipotente, mas nossa. Ou de quem atuou.
Essa responsabilidade, individual e coletiva, ameaça os que preferem ser irresponsáveis. Impossível controlar o mundo e o universo, reclamam. Como conter o furacão, as entranhas da terra que explodem vulcões, os tsunamis? Podemos controlar o que?
Será mesmo assim tão impotente a humanidade? Ou confundimos ações e pensamentos que deveriam estar uníssonos com o poder natural com desejos primitivos de dominar e mudar essa natureza?
Parece que o que temos hoje é simplesmente um resultado de ações passadas, em todo o universo. Não há isolamento possível e todos os acontecimentos passados interferem no presente e no futuro...Essa idéia parece ser a constatação de que nada no universo é individual – nem mesmo a consciência humana, pois ela interfere no ambiente através do pensamento.
Pensando bem, destino, seja ele estático ou em constante mutação, baila na mente humana com o movimento do prazo ao qual se apega a vida preocupada com a finitude. Se isso é de fato um final ou uma mudança, essa é uma outra história...(Mirna Monteiro)

Monday, June 27, 2011

ENTRE INTRIGAS E VILÕES


Muita maldade e intriga! Ou, pelo menos, muita fofoca e mentira, enrolação, dissimulação, etecetera e tal. A ficção não vive sem os seus vilões, seja na literatura, seja na dramaturgia. Principalmente nas novelas da TV: história que se preze deve ter a força maligna, em maior ou menor escala!
Mesmo que seja a de um vilão trambiqueiro e simpático, nem tão malvado, mas com o caráter difuso...
Naturalmente, a ficção copia a vida real e a dimensiona de formas diferentes, valendo-se do poder da criação.
Algumas histórias podem ter seus vilões atrapalhados. A maldade acaba ficando por conta das encrencas criadas pelas fofocas e ambições moderadas. Fofoca é diferente de intriga. Pode causar um grande mal, mas as personagens fofoqueiras são criadas com material diferente das intrigas!


Fofoca é produto da inveja, da ausência de caráter, da sensação de inferioridade no mundo. O fofoqueiro é um falastrão, um passional, que aproveita os fatos e os distorce, tentando obter vantagem dessa situação, ainda que seja um transitório sentimento de vitória.
Já a intriga é calculista, maquiavélica, planejada em detalhes e projetada com ênfase pelo seu arquiteto, o vilão maldoso, com ódio do mundo, psicopata ou não, mas sem dúvida, sem intenção de remorsos em seu planejamento e execução. A intriga é fruto do supérfluo, da necessidade de poder e do descaso com o futuro.
Na literatura clássica um dos vilões mais maquiavélicos ficou por conta da criada Juliana, no romance de Eça de Queirós, "O primo Basilio". Essa personagem pressionou tanto a sua presa, a ingênua e infiel Luiza, que acaba pondo a perder seus sonhos de rica "aposentadoria", pois exagera na dose do maquiavelismo.
Na verdade, Eça de Queirós foi cruel em sua punição aos fracos de caráter, que seriam vilões ou vítimas (não há heróis, decerto, nesta história) e além da morte de Luiza e da seca Juliana, intrigueira de primeira linha, até o pobre do marido Jorge acaba punido de roldão!
A figura de Juliana, a criada, é semelhante a de outra personagem vilã que recheou muitos romances, principalmente policiais: o mordomo. Agindo nas sombras e conhecendo detalhes da vida de todos a quem servia, esse tipo de vilão saboreava lentamente as intrigas e seus objetivos.
Desde os tempos de Barba-Azul até os mais novos vilões da ficção científica muita coisa mudou, inclusive a virulência, a violência e a carga de maldade, aliada aos recursos dos novos malvados cibernéticos, que podem contar em suas intrigas e maldades com a profusão tecnológica - afinal, as intrigas de hoje acabam sendo muito mais perniciosas e destruidoras. São de grande amplitude!
Os novos vilões não causam estragos individuais, mas sociais e ecológicos. Ameaçam a sobreviência da raça humana.
Apenas não mudaram em um aspecto: seja nas famosas "fofocas" dos deuses da Mitologia Grega, seja nos contos infantís da Idade Média ou nos sofisticados intrigueiros do mundo moderno, a intriga continua a mesma. Aliás, como sempre, potencialmente perigosa e com encaixe em qualquer tipo de vilão.
Um prato cheio!
(Mirna Monteiro)

Tuesday, June 14, 2011

TENTAÇÃO, DÍVIDAS, USURA E VICE-VERSA

De acordo com o Banco Central pelo menos 80 milhões de brasileiros têm alguma dívida...isso nos faz pensar que há mais mistérios na mentalidade que leva ao consumo do que o bolso do cidadão poderia supor!
Por que acumulamos dívidas? Por que motivo compramos a crédito? Afinal, os juros são sempre extorsivos,  prontos para afundar quem se atrever a ultrapassar o dia exato do vencimento de uma fatura, ou do cheque especial!
A verdade é que por mais consumista que seja este nosso mundo tecnológico e global e por mais capital que gire e role a moeda em seu verso e anverso, o ser humano sempre foi vítima da tentação do consumo, desde que a moeda de troca foi inventada!
Possuir tem conotação de poder. Quem tem poder tem maiores chances de sobrevivência, já sabiam nossos ancestrais.
Dinheiro e consumo são condições muito próximas no imaginário popular. Antes serviam à sobrevivência. Hoje servem a roda econômica.
Mas em qualquer tempo, gastar mais do que se possui é um grande problema!
A dívida nos tempos do fio de barba, que valia mais do que as dezenas de assinaturas nas papeladas exigidas pelos credores modernos, era coisa séria! Em uma sociedade onde todos se conheciam pelo nome de seus antecessores e onde o peso da família determinava a aceitação de sua descendência, compromissos eram honrados ao pé da letra e portanto os exageros eram descartados.
Inclusive aqueles assumidos com os deuses. Com algum cuidado, para não despertar a ira divina.
Mas se nos velhos tempos quem economizava era chamado de sovina, hoje é considerado precavido. A premência do consumo atinge quase todos os aspectos da vida do cidadão moderno. Tudo tem um preço, nada é de dadivoso.
Paga-se para nascer, paga-se para viver, paga-se para morrer.
Eis aí o fator que leva o homem moderno a acumular seus débitos: ansiedade com o meio em que vive. É preciso possuir muitas coisas e ao mesmo tempo nunca antes as coisas foram tão descartáveis. Para estudar é preciso pagar e para pagar é indispensável trabalhar e para trabalhar é preciso gastar com vestuário e transporte e assim a coisa vai longe.
Parece que vivemos em função do consumo.
Muitos procuram explicar a  origem dessa voracidade em comprar e as dívidas crescentes de cartões de crédito, que desembocam em inadimplências surpreendentes! 
Estamos irremediavelmente submissos ao poder do consumo?
Somos escravos da força do marketing que afaga nosso ego, mas também fornece a impressão de que somos únicos e que nossa individualidade não se perderá na massa consumidora, se comprarmos aquele carro, aquele vestido, aquela cadeira....há quem diga que consumir libera endorfina...melhora a sensação de vazio, os hormônios desregulados da TPM, a impressão de solidão ou frustrações em geral.
O que leva a uma dúvida: ora, se consumir, comprar, adquirir, é tão prazeroso e vital, como é que se vivia antes da era dourada do consumo, que começou lentamente no século XX e estourou ao final dele e já mostra sinais de descontrole neste início do século XXI? 
Nem sempre foi assim...ou foi? A sociedade humana moderna é sustentada pelo giro da moeda, mesmo antes da revolução industrial. Eram tempos onde não havia conta de energia elétrica, de água e esgoto...mas que em compensação possuia prazeres da bebida, comida e viagens que eram incomuns e onerosas. E inacessíveis para a esmagadora maioria das pessoas.
Isso faz lembrar do homem conhecido como pai do socialismo ( juntamente com Engels) nascido em 1818...Karl Marx! Ele mesmo! Pois Marx sofreu suas primeiras decepções com o sistema quando estudava Direito em Bonn. Tinha grande dificuldade em lidar com coisas práticas da vida e acumulou dívidas sobre dívidas, desesperando a família.
Não foi má sorte de iniciante. Ele gastava mais do que podia. Dois semestres depois, em Berlim, os estudos do Direito continuaram precários, ainda que Historia e Filosofia fossem menos mal, mas as dívidas iam de vento em popa. Mesmo décadas depois Marx enfrentava esporádicas penhoras da sua mobília por dividas não saldadas...

Consumir sempre foi uma vocação da humanidade. Pelo menos na escala cultural  que foi criada artificialmente para a separação de classes e a manutençao de poder politico.
Ao escrever seu primeiro livro, "Diário de um escritor", Dostoiévski, considerado fundador do Existencialismo, também foi acumulando dívidas e apenas valorizou a vida, tornando-se mais parcimonioso, depois de enfrentar o pelotão de fuzilamento do Czar. Não por causa das dívidas, mas por desavenças políticas!
Sinceramente, seria injusto justificar a dívida na história humana como proveniente unicamente da fraqueza e do desejo de consumo. Ter e cada vez possuir mais! O desejo sempre atormentou o ser humano e o levou a atos desregrados!
Mas a especulação e a tendência a lucrar nas situações mais diversas é a "mãe" da dívida!
A dívida surgiu com o habito (ou pecado) da usura, certamente muito antes da Era Cristã ter início! Ora, se não há ambição e abuso do ganho fácil, as dívidas não existem!

Brasileiros devedores...há situações tão ou mais dramáticas pelo mundo, no Ocidente ou no Oriente. Do ponto de vista do consumo podemos citar alguns recursos bastantes perigosos para quem não pretende viver a vida pendurado em débitos. Como o aparentemente inocente cartão de crédito! Terrível, um vira-casaca da pior espécie, pois se não for saldado na data certa se transforma de amigo fiel em inimigo feroz e implacável, destroçando a economia de suas vítimas e tornando-as dependentes eternas. Empréstimos em geral, tão perigosos na era da informática com seus juros modernos, quanto nos tempos primitivos da usura...após a Idade Média, porque antes a prática da usura ou do dinheiro que gerava muito mais dinheiro era proibida!
Incrível? Pois assim era!
Pelo visto, com tantos estímulos e apelos, será sempre difícil livrar-se das dívidas. Dívidas parecem encarnar a  razão do homem. Comprovação da superficialidade humana? Ou uma marca indelével do caráter de sua sociedade, que não pode ser corrigido?
Sabe-se lá!  Mas como todo exagero, faz mal. Andam falando por aí em uma tal de "síndrome do endividado", que provoca reações inesperadas e lesivas ao meio. Melhor pensar em reduzir a usura, equilibrar o consumo e trocar tentações pela observação de hábitos de vida esquecidos, mais saudáveis. Mesmo que muitos garantam que assim seria cozida a falência do sistema, poderia ser um alinhavo em uma nova fórmula de vida onde os sérios problemas econômicos fossem superados graças a uma nova mentalidade na economia mundial, menos artificial e mais consistente. As aparências enganam e o excesso de supérfluos poluindo o ambiente não assegura, em absoluto, um futuro. (Mirna Monteiro)

LEIA TAMBÉM:
http://artemirna.blogspot.com.br/2017/06/complexo-de-classe-social-e-complicado.html

Thursday, June 09, 2011

CONFLITOS DA EUTANÁSIA

Quando o assunto é eutanásia, o choque é inevitável. Talvez nem tanto pela dúvida entre o direito ou não de antecipar a morte de um ser terminal e em sofrimento extremo. Mas simplesmente pelo fato de lidar com aquilo que o ser humano mais teme: a morte!
Morte significa o fim de alguém ou de um sentimento ou qualquer coisa que se finda definitivamente. É o desconhecido, um acontecimento que não permite a quem quer que seja lidar com alguma certeza. Por esse motivo a idéia de provocar a morte - mesmo que por piedade - é chocante!
O termo eutanásia deriva do grego "eu" ou "boa" e de "tanatos" que significa "morte". Assim sendo, eutanásia significa boa morte ou morte serena, que era defendida por Sócrates e depois por seu discípulo Platão. Por toda a história da humanidade, em momentos de desespero diante do sofrimento inevitável e terminal de algum ser, homem ou animal, o medo da morte cedia espaço à piedade.

Será mesmo possível a "morte suave, doce, fácil", sem sofrimento, sem dor, para abreviar agonia muito grande e dolorosa de alguém? Seria o ato que põe termo à vida de quem enfrenta enfermidade incurável ou então a aleijados padecendo dores cruéis, natural?
Sob essa ótica, sim, parece ser a morte piedosa uma ação natural, movida pelo sentimento de humanidade. Mas nem por isso deixa de ser controversa, quando todos sabemos que nem sempre os atos justificáveis ficam limitados ao bom senso. Sempre há o risco de, diante da aceitação da eutanásia, acontecerem distorções futuras.
No entanto, a maioria das pessoas pode ficar chocada quando assiste uma cena em que um animal é mortalmente ferido e recebe um tiro de misericórdia, ao mesmo tempo em que sente alívio pelo fim da tortura da dor e e da morte lenta. Contradições da alma humana ou superação do medo da morte em nome da piedade?
Hoje a eutanásia é usada na medicina veterinária em casos terminais. Os veterinários não aceitam esse termo, preferindo chamá-lo de "descanso" de um animal em extremo sofrimento e em situação irreversível.

Seria a eutanásia um ato de respeito à natureza? Ou a natureza deve seguir o seu curso mesmo quando envolve o sofrimento, enquanto assistimos à dor de outros com braços cruzados e impotentes diante do ciclo natural da vida?
Esta é certamente a decisão mais difícil para uma sociedade que conta com recursos da ciência para salvar vidas, mas também para tornar a morte piedosa e indolor. Talvez a resposta esteja na certeza de que a natureza dita suas regras, mas também as modifica. Nada parece ser definitivo em um universo em eterna transformação. E o respeito à natureza também é influenciado pelas circunstâncias, que nunca são idênticas e dependem da razão e do bom senso em sua decisão.(Mirna Monteiro)

Monday, June 06, 2011

O RISCO DO SILÊNCIO

Falar ou calar, eis a questão!...Não se pode negar que as palavras representam o peso de tudo que existe. Enquanto não verbalizamos alguma coisa, seja o que for, existe a impressão de ficção e inconsistência. Se assim for, depreende-se que ao falar, as pessoas têm maior percepção da realidade, do meio ou de seu semelhante.
Para o bem ou para o mal, naturalmente. Popularmente costuma-se dizer que calar é ouro...ou, traduzindo, calar "esconde" não apenas o ouro, mas a personalidade e o caráter de quem cala.
Ainda que a matraca solta muitas vezes seja o sinônimo de descontrole e má ação, o silêncio pode demonstrar a necessidade de se proteger ou evitar exposição por razões nem sempre nobres. A palavra proferida com malícia esconde a hipocrisia e pretende criar situações artificiais e nem sempre favoráveis ao meio, mas sim a quem as engendrou. Para isso é preciso utilizar a capa do silêncio...
O silêncio é extremamente compatível com a malícia. A linguagem se presta a "gregos e troianos"...para a expressão da verdade e em contrapartida à distorção dela. No entanto uma pessoa maliciosa observa mais do que fala e quando utiliza a linguagem já calculou o impacto de suas palavras engendradas no silêncio da observação.
No entanto o silêncio também é compatível com quem não confia em si mesmo ou pretende esconder aquilo que pretende. Insegura e avessa ao ambiente, esse tipo de personalidade pode causar estragos pois o fato de se isolar  pode ser compensado com alguma ação inesperada e tão danosa quanto os pensamentos  que nunca são verbalizados, permanecendo como uma ameaça camuflada.
Já quem se expressa em geral desnuda o pensamento, mesmo quando pretende usar o verbo para ludibriar ou conturbar o ambiente. Corre o risco de ser considerado burro ou reconhecido como um gênio. Mas está cumprindo com a lógica da interação.
Veja bem, quem tem a pura intenção da convivência sadia, não se furta à palavra, pois é através dela que vai estabelecer o contato com o mundo. Quando nascemos dependemos da "ponte das palavras", com sons e articulações que permitam nosso gradativo contato com a realidade e a vida e estimulem a nossa inteligência.
Por isso é fácil entender que pensadores estivessem sempre em conflito entre o isolamento e a necessidade de contato com a realidade através das palavras...que nem sempre eram recebidas com a boa vontade  que mereciam. A verdade que flui através das palavras pronunciadas com ênfase da fé ou com a sonoridade da sinceridade são como o alho para vampiros.
A omissão, por exemplo, odeia a força das palavras, pois elas obrigam a reconhecer uma realidade que pretende evitar. Friedrich Nietzsche, que tinha o seu pendor para a crítica sem floreios, lamentava o fato de que conviver com as pessoas era difícil porque é mais difícil ainda ficar calado...afinal não é possível filosofar sem expressar as conclusões acerca do que se vê e com as coisas com as quais convivemos.
Felizmente a filosofia existe para evitar a tentação do silêncio e o risco da perpetuação dos erros da omissão ou do ignorar. Tivemos sempre pensadores faladores, que ajudaram a iluminar espaços escuros ou denunciar palavras vazias.
A ciência começa pela observação, mas o resultado construtivo dela apenas se efetiva com a ação desencadeada pela comunicação do pensamento.
Dialogar é a máxima expressão da comunicação entre as pessoas. Por mais que a palavra possa ter sentidos opostos, representando ou negando uma realidade, é através dela que se pode explorar a verdade. Poderíamos dizer que o silêncio é ouro quando origina linguagem igualmente preciosa, enquanto que o silêncio escuro é o que impede o círculo entre pensamento e linguagem. Neste caso, o mais danoso dos males. (Mirna Monteiro)

Wednesday, June 01, 2011

REFLETINDO AS CORES Arte em Vitral


Cor, transparência, luz e reflexo! Certamente foi esse o resultado que encantou os primeiros artífices que encararam a arte da vitralaria, até chegar à beleza dos vitrais da Idade Média.
Como surgiu a idéia do vitral? A maioria dos pesquisadores chega a um acordo: a arte em vidro foi se desenvolvendo com a adição de metais em sua composição, primeiramente em cores básicas.
Rosácea (Notre Dame). Rudimentar
mas lindíssima, a obra possui
 13 metros de diâmetro
A partir daí, com a descoberta do esmalte e o aprimoramento da arte em mosaicos, os vitrais foram surgindo, como uma jóia no acabamento de estruturas, substituindo as janelas convencionais. Primeiro, com estruturas de metal ainda grosseiras e invadindo as formas, depois com seu aprimoramento em filetes metálicos que acompanhavam e realçavam as formas.
Vidro e pigmentos foram sendo aprimorados. Você pode reparar que os vitrais mais antigos, medievais, possuem um colorido forte e sem nuances. Isso só foi possível com a descoberta de novos pigmentos, que permitiram maior suavidade e realidade no jogo das cores. O que na época era um segredo precioso e guardado a "sete chaves".
 A arte em vitral era especial e bastante onerosa! Por esse motivo poucos  eram aqueles que encomendavam o trabalho. Os grandes consumidores de vitrais eram o clero e nobres abastados.
Carlos Magno


O vitral da Virgem, na Catedral de Notre Dame
Observe as cores fortes e sem nuances e as tiras
de metal, chumbo, que ainda cortavam a figura
na sustentação do vidro.
Vitrais modernos utilizam novos materiais simplificados
 e versáteis, que permitem criar novas  formas e
disposições com efeitos surpreendentes  










Tuesday, May 31, 2011

A INTELIGÊNCIA E SUAS VARIAÇÕES



"(...) Um dos testes para a obtenção do emprego que eu queria era de QI (...) Mas achei absurdo(...) Testes de QI deveriam ser proibidos, você não acha?" 

Nesse caso é preciso saber os critérios da empresa na avaliação de seus candidatos. Mas medir a inteligência realmente é complicado. Será mesmo que podemos fazer isso através de algum sistema padrão? 
Que a inteligência pode ser "alimentada" e aumentada e que existe um conjunto de fatores que auxiliam seu desenvolvimento desde o berço, não há dúvida.
Mas quando se fala em testes e medição de QI (Quociente de Inteligência), há amplas discussões. Esses testes, fundamentados ou não, deixam para fora do mercado de trabalho muitos candidatos, além de colocar em dúvida a eficiência de crianças e jovens nas escolas que oferecem alguma oportunidade especial.
Quem não concorda com testes de QI argumenta que avaliações assim não podem ser uniformizadas ou feitas em grupo. Os pontos deveriam ser avaliados individualmente e de maneira rigorosa por um profissional especializado, atento à diferenças na manifestação de cada um de suas capacidades.
Quer outra constatação de falha? Muitas vezes uma pessoa que realiza o teste pode ter variações que vão além de 40 pontos em fases distintas de sua vida, para mais ou para menos!
Há muitos outros problemas citados, como a influência do meio cultural. Até mesmo uma educação comportamental pode ser confundida com inteligência.
De certa maneira testes de QI ajudam a ter uma idéia geral da capacidade da pessoa em lidar com desafios básicos profissionais.  Mas não pode ser considerado definitivo quanto à capacidade mental do indivíduo em inúmeros outros campos de ação e tipos de inteligência, como a emocional, considerada nos dias de hoje tão ou mais importante do que a inteligência prática.
O que se procura entender é o desenvolvimento do equilibrio entre os "tipos de inteligência". O que contradiz o conceito de genialidade, que na verdade limita a pessoa a uma poderosa característica de talento, em detrimento de outras capacitações ou do uso do cérebro de maneira mais ampla e diversificada. O gênio pode ser um talento inigualável na música ou na física, não possuindo entretanto ou necessariamente a inteligência emocional e a capacidade de interagir com a vida.
Cada vez mais o conceito da genialidade  se transforma e poderia ser interpretado como "a inteligência eclética", que não se resume ao armazenamento de informações, ou ao desempenho de um único talento em detrimento de outros igualmente importantes, mas a capacidades múltiplas, como aquela que permite desenvolver a informação além de seu mero armazenamento, por exemplo aliando memória, interpretação dos fatos e criatividade.
Fala-se muito em "ginástica cerebral!", que poderia auxiliar o processo de desenvolvimento de áreas potenciais do cérebro. No caso, não bastaria ler, mas aprender a concluir e a argumentar toda a informação processada. Não bastaria empenhar-se apenas nisso, mas praticar um esporte, lavar uma louça ou desenvolver algum artesanato ou arte, além de aprender a lidar com emoções e a solucionar conflitos, porque o fundamento do "exercício cerebral" exige funções variadas e, adivinhe, as mais prosaicas! 
Se assim é, um bom começo para exercitar a inteligência - e isso pode acontecer desde o berço -  é deixar o pensamento livre, cantar e inventar, ler e imaginar, permitindo que haja estímulo diferenciados e variados ao cérebro. (Mirna Monteiro)


Friday, May 27, 2011

FILOSOFIA EM TEMPOS DE APOCALIPSE

O que se ouve:
(...) Sinto a depressão e a tristeza nas pessoas, a vida parece sem sentido...
“(...)Não dá para viver assim (...) Não sou derrotista, mas está demais! Ninguém respeita ninguém, vivemos a era da cara de pau..."
 "(...)Quem desrespeita a lei sem preocupação de ser punido? É quem tem poder econômico e político, ou econômico e por isso político, como as grandes empresas, os bancos, até o quitandeiro da esquina, que riem-se da nossa justiça e colocam-se acima da lei . Quem vive desse jeito? (...)
"(...) Recentemente um grupo de alunos me desacatou na sala de aula e um deles chegou a me ameaçar caso eu "não fosse generosa” com as notas. Sou professora há 16 anos e fico horrorizada com a crescente falta de consideração entre as pessoas. Isso é uma espécie de terrorismo ideológico. Acho que aulas de filosofia e cidadania poderiam ajudar, percebemos que falta referência aos jovens (...)
“(...) Em minha família a farmácia virou rotina, a gente consome lá que nem (sic) se fosse supermercado, todo mundo sofre de depressão e hipertensão, tem armário cheio de medicamentos (...)

Quem já não ouviu sobre algumas dessas situações ou não viveu realidade semelhante? Essas frases são comuns a todo instante, nos mais variados lugares.
A sociedade vai mal?...vai mal, decerto.  Ao mesmo tempo em que avança de maneira surpreendente no desenvolvimento da tecnologia e da ciência, regride com a mesma força na qualidade da vida emocional dos indivíduos, o que afeta a relação na comunidade.
Talvez por esse motivo os livros de auto-ajuda tenham causado uma verdadeira explosão de vendas nas últimas décadas. Talvez por isso igrejas das mais diferentes e estranhas doutrinas movimentem bilhões de fiéis que despejam dinheiro também aos bilhões no mercado religioso.
Por esse motivo, falar em filosofia hoje tornou-se cada vez mais comum. "Sobra pragmatismo, falta filosofia!" dizem. O que se quer dizer com isso? Que a filosofia seria a panacéia para o males modernos que levam à histeria da massa e à desintegração dos principais pilares de uma sociedade organizada, tornando "demodè" o respeito à comunidade?
Há muitas perguntas. Introduzir filosofia e sociologia como matérias obrigatórias no currículo do ensino básico ou médio (Por que ensino médio apenas?) teria um resultado prático?
Quando se fala em sociologia e ou quaisquer "logia", vem a imagem de um sujeito retórico derramando sobre os alunos teorias e mais teorias. O que diremos da filosofia? As jovens crias da educação cibernética e do pragmatismo moderno terão paciência para entender princípios socráticos, pensamento de Platão ou Aristóteles, teorias de Kant e Hengel, aforismos de Nietzsche, ou o criticismo, spinozismo e outros "ismos"?

Se bem que filosofia também é humor, pois se a vida é tragicômica, as deduções sobre ela também são.
Como o relato a respeito da atitude de Sócrates, o mais popular dos filósofos, em sua vida conjugal. "Em certa ocasião, depois de havê-lo injuriado Xantipa, ela arrojou-lhe água ao rosto, ele lhe disse:
- Já o sabia eu, que tão grande tempestade não poderia passar sem chuva" (D. L., II, 36).
Filosofia, de fato, pode ser um estudo extremamente interessante. Ou maçante. Deveria ser matéria curricular, mas de que maneira isso será ministrado, considerando a rapidez do mundo atual? Até que ponto há professores preparados para discutir o ensino da filosofia de maneira que se enquadre no nosso tempo, fazendo renascer de maneira direta e produtiva a capacidade de pensamento, a observação da natureza e o respeito às coisas e seres, de maneira a resgatar a civilidade e os valores fundamentais para a convivência humana?
Ou, mais importante, de que maneira irá traduzir a linguagem de modo a torna-la assimilável para alunos de realidades diferentes.
Uma coisa é conhecer os principios da Filosofia e os estudos dos pensadores, outra é simplificar a comunicação da Filosofia sem distorcer seu sentido.
A Filosofia, na verdade, está presente em todos os campos do conhecimento humano. Ensinar filosofia, é ensinar a pensar!

O RISCO DA DOUTRINAÇÃO
Uma das maiores críticas em relação ao ensino de matérias não curriculares é a do risco da doutrinação. Política, por exemplo, é relacionada a antigos ensinamentos nos anos de ditadura militar, com a Educação Moral e Cívica, onde a criança aprendia valores comunitários, mas também assimilava a orientação política da época, que era baseada na censura e, portanto, na aceitação sem discussão das decisões econômicas, sociais ou educacionais.
No entanto hoje vivemos a liberdade de expressão e o ensino da política continua igualmente importante, mas muito mais complicado de processar-se imparcialmente. Deve mostrar ao cidadão a necessidade de participar das decisões e ações de seus representantes políticos, não se acomodar em mera situação  de leigo que sequer consegue estabelecer a escolha do seu voto de maneira realísta e sem influências do jogo do poder. A  liberdade também tem seu preço com o aumento da responsabilidade individual.
No caso da filosofia, o risco é o mesmo. Um professor despreparado pode confundir ou até mesmo impor determinados valores de interesses momentâneos, utilizando consciente ou inconscientemente de certo maniqueísmo e caindo no risco da doutrinação.
Se a filosofia realmente conseguir se encaixar nos currículos escolares, sempre estaremos enfrentado a duvida a respeito da maneira como será desempenhada na realidade da formação de nossos professores. Ainda que haja capacidade de desempenho e conhecimento suficiente para o repasse de noções de ética e moral em todos os ângulos do pensamento humano, haverá sempre a incontrolável mania de imposição de dogmas escorregando nas entrelinhas. A realidade mostra bem que no contato do professor com alunos ocorrem exageros nas impressões pessoais e ideologias, seja na aula de matemática, português ou, principalmente, história!
No entanto, o ensino da filosofia poderia minimizar o risco da doutrinação, pois um de seus princípios  é a necessidade do aluno conhecer diferentes posturas e opiniões e discutí-las, com a finalidade de criar um interpretação pessoal e por fim estabelecer a própria opinião, considerando o universo ao seu redor.
Talvez isso seja possível sem os artifícios da massificação da filosofia que encontramos nos próprios campos acadêmicos. Há muito mais a se pensar quando a cadeira é trocada pela pedra, onde se acomoda não apenas o corpo, mas também se aguça a percepção de que ali está uma peça original. Talvez a alternativa para o ensino da filosofia em nossas escolas seja o de simplesmente ensinar a pensar, discutir e criar capacidade crítica, como faziam os antigos pensadores que levavam em suas aulas apenas a disposição de usar sabedoria para conversas informais acerca da razão de ser. (Mirna Monteiro)

Thursday, May 26, 2011

A ARTE NAS MÃOS

Mãos não apenas de quem faz a arte, mas aquelas que são reproduzidas. As mãos sempre foram uma preocupação do artista porque dizem muito a respeito da personalidade, da vida e caráter da obra, representando uma importante ação na sua expressividade. 
Não é  sem motivo que os grandes pintores ao longo da história procuravam antes de mais nada dominar a expressão das mãos em seus retratos  ou esculturas.  E muitos conseguiram chegar a um resultado tão próximo da perfeição que se isolarmos as mãos do conjunto, ainda assim teremos a representação da obra. 
"Mão", de Picasso, encontrada entre 200 obras inéditas do pintor que foram
reveladas pelo francês Puerre Le Guennec, eletricista do artista.
Uma das mãos de Jesus, pintada por Caravaggio, que mostrava uma preocupação especial
com detalhes de suas obras. 
Também de Caravaggio, o momento em que Saulo tenta proteger os olhos da intensa
luminosidade divina
Michelângelo, na Capela Sistina, captando a ligação entre Deus e o homem
Também de Michelângelo uma das mãos de Davi, expressando força e confiabilidade


Detalhe da mão de "Habacuc", de Donatello


Estudo de Leonardo Da Vinci na busca da expressividade das mãos
O efeito obtido nas mãos da famosa obra Monalisa
Van Gogh buscava nos estudos a extrema diversidade das mãos e
de sua comunicação
Na obra "Homem Velho com a cabeça em suas mãos", Van Gogh  retrata o desalento
e a busca de consolo


O surrealismo de Salvador Dali, ressaltando a mão além do próprio homem, poderosa
para limitar ou ampliar 

Friday, May 20, 2011

SEM CONTROLE

Como na ficção, onde a sociedade futurista exibe um cenário catastrófico, as pessoas começam a "habituar-se" ao risco cotidiano. Aliás, ficção e realidade começam a mesclar-se de tal maneira que perde-se a origem de tamanha intimidade com a violência. Não se sabe se o hábito dela provém de tantos heróis e bandidos socando-se e metralhando-se nas telas do cinema e da TV, ou se as telas exibem apenas o cotidiano retratado.
Uma prova de que existe certa tolerância à violência imiscuindo-se em nosso inconsciente é a tendência da ficção em criar vilões simpáticos e merecedores de um final onde o crime não é necessariamente punido. Que tendência é essa a de realizar torcida - se bem que discreta- de encantadores bandidos que conseguem com inteligência e perícia burlar o sistema em roubos milionários?
Talvez seja exagero responsabilizar os vilões simpáticos - aqueles que parecem não ameaçar o indivíduo, mas o sistema tão criticado pelas suas próprias flacatruas capitais - pelo estado de disseminação e certa condescendência à violência. Uma criança que assiste aos filmes e desenhos onde se luta o tempo todo e onde os vilões das historias se tornam cada vez mais truculentos também poderá se transformar em alguém  que interpreta agressões e assassinatos como uma fatalidade ou uma circunstância natural do meio.
Ainda temos imagens da realidade cada vez mais sangrentas. Guerras não são registros do passado, mas ameaça presente. A repetição de erros históricos muda a interpretação da vida.
É preocupante. Nos habituamos a marcas de refrigerantes e a moda fast-food e o poder da imagem e o sugestionamento das ações certamente também muda a nossa interpretação do que seria abominável ou "natural" em uma sociedade tão contraditória. Pode ser que não se chegue ao extremo de fabricar agressores e transgressores em série, mas parece inevitável reconhecer que estimulamos quem já possui tendências agressivas para liberar seus "instintos bestiais".

Em um momento onde os mecanismos de defesa social andam em crise - cadê a Justiça e os recursos para controle dessa epidemia de violência? - a situação parece muito pouco confortável para o cidadão comum.
Um dia um grupo de rapazes munidos de soco-inglês e barra de ferro (o que demonstra a intenção prévia de algum massacre) aborda um casal na rua Augusta e agride o jovem, que é negro; em outro grupo resolve agredir homossexuais. O que está provocando o recrudescimento de grupos radicais e preconceituosos entre adolescentes e jovens que não vivem na pobreza, mas em situação relativamente confortável do ponto de vista de consumo.
O que levanta outra questão: o que leva pessoas de classe média (remediada ou alta)a ter uma carga de ódio tão grande a ponto de criar uma situação tão artificial de dor e sofrimento a outros? Que tipo de ideal desregrado leva à formação de grupos que pregam o odio racial e a discriminação a homossexuais, como o neo-nazismo, que por incrivel que pareça cresceu nos últimos anos no mundo todo?
Desajustes perigosos, que não podem ser menosprezados ou considerados transitórios. São um tipo de reação diferente de outras formas de violência,  igualmente chocantes, mas que são vistas como "preocupação menor": aquela que invade o trânsito e torna uma discussão besta palco de assassinatos. Ou as agressões dentro do próprio lar, a mulheres e crianças. Ou ainda a pedofilia, inexplicavelmente atuante, chocante e inaceitável.
Bem, em um mundo onde crianças são jogadas pela janela ou envoltas em sacos de lixo e jogadas em caçambas, como um brinquedo descartável, a dor e o sofrimento parecem inevitáveis para quem ainda mantém a sanidade, vivendo com suficiente bom senso e sensibilidade para respeitar a vida. É preciso valorizar o que resta de sanidade e criar mecanismos legais que punam com rigorosidade os bandidos que não são os marginais das ruas, mas os pseudos bons cidadãos do ambiente doméstico. Mães e pais que não respeitam a importância da vida de seus filhos e o direito da criança não podem ser simplesmente denunciados e dispensados, como se tivessem cometido uma má ação ao invés de um crime bárbaro, assim como integrantes de grupos radicais.
A única solução para coibir a escalada da violência social é a rigidez absoluta no tratamento desses casos, sem qualquer clemência a quem comete atos de covardia e violência extrema.