Thursday, September 28, 2006

AMORES VIRTUAIS II
























Parte II

Qual é a principal vantagem da relação virtual, quando ela envolve sentimentos?
A disposição em enfrentar uma possível rejeição. Rejeição, aliás, é a “trava” das relações humanas: nem todas as pessoas possuem estrutura emocional para lidar com ela.

Ainda que haja rejeição, a emoção negativa é menor, justamente pela preservação da identidade e da possibilidade de criar, ali mesmo, naquele momento, uma espécie de vacina para a dor do veneno: basta uma frase atravessada ou bem humorada e o rejeitado pode sumir por encanto, rapidamente e com o ego restaurado. E assim seguir em questão de segundos para outro grupo mais amistoso.

O que dificilmente poderia ocorrer em circunstâncias reais, no corpo a corpo.

Mas se negócios e amizade parecem se fundir maravilhosamente com o sistema virtual, como ficam as relações que vão além da amizade? Das pessoas que buscam interagir com o sexo oposto, tentando suprir carências de afetividade, buscando companhia ou simplesmente buscando prazer através do sexo? Como isso pode ser possível no mundo virtual, sem o toque físico e a tão cantada “troca de energia”, que só existem no encontro real?


Platonismo e virtual são a mesma coisa?

Segundo Platão, Eros, o amor, é uma força que instiga a alma para atingir o bem. Não cessa de mover a alma, enquanto essa não for satisfeita. O bem almejado é determinado pela parte da alma que prevalecer sobre as outras.

Mas ele separa o amor e a sensualidade. Se for sensual, a alma não busca um bem verdadeiro, já que procura a satisfação dos desejos que Platão julgava mais baixos, como o apetite e a ganância.

Ele imaginava que se a alma conduzir a sua parte racional e utilizar energia do amor para o bem verdadeiro – que compreende a justiça, a honra e a fidelidade (virtudes supremas) estará em ascensão.

Do ponto de vista virtual, Eros certamente fica limitado em seu objetivo sensual, embora não fique absolutamente impossibilitado.

No amor entretanto isso não acontece. Seguindo o raciocínio de Platão, o amor dirige-se para o bem, cuja aparência externa é a beleza. Existem muitas formas de beleza, mas a sabedoria seria a maior de todas. No mundo virtual a conquista do amor passa, necessariamente, por essa etapa, já que a comunicação se faz através da palavra...ou da escrita.

Ou seja, se partirmos da idéia de que o amor platônico é um conceito que provém de um filósofo que acreditava na existência de dois mundos – o das idéias, perfeito e eterno, e o do mundo real, finito e imperfeito, mera cópia (mal acabada) do mundo ideal – o amor virtual poderia ser o mais verdadeiro dos amores, pois quando acontece possui como base valores perfeitos e eternos, sem a interferência do mundo real.

Tem sua lógica. O mundo real condiciona o amor a questões superficiais e voláteis, como a aparência física, a condição social e econômica, enfim, impõe um modelo que nem sempre permite que haja contato com “o outro lado” das pessoas, o do pensamento, do caráter, da personalidade, dos sonhos e anseios, entre outros. E tanto é verdade que o platônico se fixa em ideais, que há uma enorme fluência do sexo virtual, que acontece da mesma forma que no mundo real, de forma impessoal, na simples busca do prazer físico, ou como um ato apaixonado de dois amantes.

“A imaginação é algo surpreendente
Nunca a vi, e percebo sua presença
Nunca a abracei e sinto seu aroma
Nunca a beijei, e guardo seu sabor” (Rubem Álvares)

Poesias como esta correm a Internet, que criou um novo sistema de postagem: a do amor.

Os apaixonados virtuais recorrem a poesias, remetidas em cartões que chegam via e-mail.
Também a música aborda a nova modalidade de se conhecer e se amar.

Como é que eu pude gostar assim de alguém
Que só vejo de longe e nunca beijei
Foi como uma luz, forte atração
(...)
Me deixa ver você, liga o computador
Me diz onde te encontrar que eu já vou
Me deixa ver você dançar de novo pra mim
Vem cá, quero te conhecer
(...)
Me apaixonei e agora vivo esta dor...(Sampa Crew)


Mas será assim mesmo, tão simples e satisfatório?

E até que ponto, ou por quanto tempo, um amor pode sustentar-se platonicamente? ...cont.(Mirna Monteiro)

Tuesday, September 26, 2006

AMORES VIRTUAIS




















Parte I

O mundo virtual aproxima as pessoas, cria laços de amizade, desperta paixões e amores e preenche a necessidade humana de interagir!

Isso é verdade ou apenas uma realidade transitória?

A eficiência da relação virtual é absolutamente real...até certo ponto. Para os negócios, a facilidade da comunicação e a troca rápida da informação oferecem resultados que dispensam na maior parte dos casos a necessidade do encontro pessoal, cara a cara. Uma relação de trabalho via Internet pode ser extremamente mais produtiva do que aquela que fica circunscrita a salas em um escritório, ao contato pessoal ou via telefone.

Mas quando se fala em relação pessoal, a situação é outra. É possível tomar uma cervejinha virtual em um bate-papo com os amigos, em sala igualmente virtual, utilizando o teclado do computador. É quase tão real, que a certa altura as pessoas começam a “desligar-se” da distância física e da tela, onde as frases digitadas vão assumindo a personalidade de seus interlocutores e ganhando “vozes” individuais.

Nesse ponto as discordâncias são discutidas acaloradamente e o humor aparece nitidamente na compreensão do texto. É possível, então, e praticamente, “ouvir” as risadas das pessoas reunidas no bate-papo.
(...)

No final das contas, nesse momento, o cérebro humano, com toda a sua potencialidade, complementa o toque do realismo dessa inteiração. As pessoas reunidas no papo virtual praticamente se esquecem de qualquer fator ligado à distância física, à ausência dos rostos e das expressões, ao som das vozes e às suas inflexões, que como mágica, são compensadas pela inteligência, a capacidade criativa e a fantasia.

A inteiração aconteceu, as pessoas interagiram, riram, discutiram, brigaram e se satisfizeram no bate-papo virtual com qualidade bastante semelhante a um encontro real. Com a vantagem de não precisar abrir mão de seus chinelos e pijama!

Em geral esse tipo de encontro virtual realmente não costuma deixar frustrações ou grandes vazios. Um bate papo onde quem chega vai entrando e participando e enriquecendo o momento, sem grandes dramas de insegurança em sofrer rejeição (uma ameaça vívida e comum em encontros reais), é sempre mais interessante.(Mirna Monteiro)


Tuesday, September 19, 2006

A HIPOCRISIA DO PODER

Durante toda história da humanidade o homem tentou entender a voracidade do poder político. Talvez tenha sido justamente isso – a insanidade que marcava a briga política ao longo de séculos e séculos de organização da sociedade humana, que tenha levado à necessidade de pensar suas origens, seu presente e seu futuro.

A contradição sempre foi tamanha, entre aquilo que se propagava e a realidade do poder, que até mesmo o berço da democracia, a Grécia, começou a imaginar igualdade entre os homens de maneira a preservar a desigualdade, ou seja a garantia do poder. Que o diga o velho Sócrates, obrigado a beber cicuta porque cometeu a heresia de ensinar os jovens a pensar, ao contrário dos sofistas, que costumavam levar o conhecimento controlado e medido de acordo com os desejos do poder constituído.

Sócrates, naturalmente, não foi o único homem com pretensão de discutir o poder político e suas artimanhas que se deu mal. Por toda a história, quem ousasse pensar e desafiar o poder, entrava pelo cano. Fosse na fase da Inquisição, com todo o poder centralizado na igreja e em papas escolhidos não pela santidade, mas pelo oportunismo, fosse nos tempos modernos, onde a perseguição contra quem reclamava do abuso político e apontava as falhas de ideologias massificadas não foi menos cruel ou absurda!

E agora, no Terceiro Milênio, a “Idade da Informação”, do apogeu da mídia e do confronto com a maior comunicação popular da história da humanidade?
Bem, agora, sofisticaram-se os meios, mas o recheio do bolo continua o mesmo. O cenário em que vivemos é magnífico: naves espaciais orbitando a terra, satélites que mandam imagens do sujeito que passeia na Patagônia para a “Concinchina”, chips que substituem funções do cérebro humano, enfim!
Mas a briga pelo poder é tão mesquinha e perigosa como nos tempos de Calígula!
Mas e a nossa democracia, a nossa campanha política, o nosso voto popular?
Pois é, metade do caminho já andamos. O problema fica com a outra metade, pressionada por quem não quem “perder” o poder de tantas décadas e que utiliza os mesmos recursos do “bem” para o “mal”. O jogo é sujo: denúncias vazias, que pretendem denunciar o que não existe na realidade. É só bagunça!
Não é um problema brasileiro. É um problema dos países comprometidos com interesses de grupos econômicos, habituados a imperar. A corrupção é endêmica, dizem os analistas brasileiros e (que vexame!) de outros países. A tendência de vestir a intenção de coletar lucros com a capa das boas intenções  confunde realmente o cidadão comum. O lobo que se esconde sob a capa do cordeiro ou o complexo do conto da chapeuzinho vermelho.

Corrupção endêmica significa corrupção enfronhada, absorvida pelo sistema. As pessoas confundem e imaginam que é novidade, sendo manipuladas pelo frenesi político, que propaga os próprios pecados, senão de profundo conhecimento de falcatruas, pelo menos no de omissão para punir e banir a corrupção de fato. A mídia infelizmente não escapa desse cerco e leva informação distorcida. No tempo das trevas, os livros eram raros, e o conhecimento empírico. Mesmo assim a sociedade humana rompeu as barreiras da falta de informação.
Hoje temos de admitir que somos obrigados a romper as barreiras da ignorância, fruto de informação distorcida, comum na política quando se briga pela imposição de projetos e supremacia partidária. O mesmo projeto que parece beneficiar a população nas acaloradas discussões em tribunas dos plenários pode ser aquele que no futuro será responsável por perdas irrecuperáveis. É preciso se perguntar: qual o interesse do poder político e econômico nas bandeiras de nossos legisladores.

Wednesday, September 13, 2006

A Geometria no Cubismo


Ao falar em cubismo, os primeiros nomes que relacionamos são o de Pablo Picasso e Georges Braque, que foram na verdade os iniciadores desta modalidade de pintura, entre 1907 e 1914.
Historicamente porém, o Cubismo originou-se na obra de Cézanne (tela acima). Ele expressava as formas da natureza como se fossem cones, esferas e cilindros. Mas o movimento cubista do início do século XX foi muito mais longe.

O cubismo foi na verdade uma nova expressão, que estava inserida em um momento de transformação cultural e intelectual, criando um movimento que reuniu um grupo de artistas e escritores de vanguarda, em Paris, na França, em 1908.
Mais tarde, em 1912, a fiormação de três grupos diferentes de cubistas chama a atenção: o Orfismo, formado por Robert Delaunay, exaltando o papel dinâmico da cor, o Section d’Or, nos ateliês de três irmãos, Jacques Villon, Marcel Duchamp e Raymond Duchamp-Villon e o núcleo do grupo original à volta de Gleizes e Metzinger, “Les Artistes de Passy”.

O que expressa o cubismo? O pintor cubista tenta representar os objetos em três dimensões, numa superfície plana, sob formas geométricas, com predominância das linhas retas.
Não representa, apenas sugere, a estrutura dos corpos e objetos, que são representados como se houvesse movimento em torno deles, sob todos os ângulos visuais, por cima e por baixo, mantendo a percepção de todos os planos e volumes.
As duas obras abaixo mostram o estilo de Georges Braque:


Pablo Picasso, inigualável em suas formas

Friday, September 01, 2006

A FORÇA DE CARAVAGGIO










Intensa, forte, iluminada. Estas são algumas das características da obra de Caravaggio, um pintor italiano que viveu entre 1573 e 1610. Uma vida curta, mas intensa, turbulenta, marcada pela rebeldia e pelo inconformismo, que podem ser observados em suas obras, com tamanha força e crítica, que indignou a sociedade da época, premida pelo rigor da Igreja.

Sentia-se à vontade nas tavernas, nas ruas, em contato com o submundo abominado pela aristocracia. Frequentou em fases de sua vida ambientes cultos e refinados, mas não hesitava em troca-los pelo prazer de conviver com a pequena burguesia e a ralé.

Caravaggio morreu da mesma forma que viveu: procurando absorver a vida, intensificando suas cores e seus dramas e potencializando a natureza. Depois de uma vida de conflitos, que envolviam pelejas e duelos, feriu-se gravemente na ponta de espadas.

O seu estilo é considerado barroco, embora bastante marcado pelo renascentismo contra o qual ele reagia. Mas a força de suas cores, o realismo de sua imagem e a iluminação de seus ambientes demonstram que Michelangelo Caravaggio foi único, iniciando o tenebrismo, com a projeção de luz sobre as formas e criticando a manipulação dos conceitos do cristianismo.



A obra Conversão de São Paulo é considerada uma revolução na iconografia religiosa. O cavalo se ressalta na imagem. Não se vê o santo? Ora, São Paulo, o homem, caiu ao chão ofuscado pela visão de Jesus, na estrada de Damasco. A iluminação é belíssima, parece brotar do foco de luz vindo de cima, banhar o ventre do cavalo e inundar de claridade o rosto do santo. Colocando o centro do afresco no chão, Caravaggio salienta a insignificância do homem perante a divindade.

Davi com a Cabeça de Golias. Violência e a beleza do adolescente. Dizem que a cabeça decepada do gigante é um auto-retrato de Caravaggio. Pode ser: por essa época, em seus últimos anos de vida, ele mostrava desalento e mágoa, sentindo-se cansado e atormentado pela perseguição dos adversários, aos quais, antes, provocava.

Bacchus: retratado com feições femininas e delicado em sua postura, sugerindo a masculinidade mesclada ao feminino. Um Baco hermafrodita que irritou a aristocracia da época.

A Morte da Virgem Maria a retrata com o ventre inchado, os pés para fora do leito, como uma mulher da plebe que sucumbisse de inanição ou de parto, numa atmosfera densa e um ambiente de miséria. Escandalizou pela suposição de que Caravaggio teria utilizado como modelo o corpo de uma mulher que havia morrido afogada.

Tuesday, August 29, 2006

A ESSÊNCIA DO MAL







- O que houve? Por que essa cara?
- ....Bem...é que, em meio a tanta violência, que acontecia de tal maneira, com tal estupidez...como pode Meriel ter conseguido entrar em um local vigiado, com gente armada e sob ordens militares e levar seu pai e seu irmão? Assim como?
- Os padrões de Meriel não eram comuns. A força que a alimentava e a fortalecia não era motivada por sentimentos humanos que se originam da fragilidade material. A sua fonte de força era divina, pois para ela os valores de vida não eram superficiais, mas universais. Sabe, encontrei em seu diário uma página onde ela retratou-se com uma lágrima, as mãos voltadas para o céu, onde escreveu: “Tenho mil anos e estou há anos luz do meu mundo”. Ela tinha absoluta consciência dos mistérios que nos cercam. Para alguém tão sensível, a violência e a maldade são como espadas perfurando a alma. Essa era a dor que sentia ao transformar-se em luz e retirar o pai e o irmão das masmorras da repressão. Uma dor que permaneceu, pois a sua força era insuficiente para evitar que tantos outros sofressem!
- Isso tudo é muito cruel!
- Pois era essa a pergunta! Por que a humanidade buscava o caminho mais difícil e doloroso? A maneira como as pessoas agem é incompreensível. Seria mais fácil para todos viver em harmonia e equilíbrio do que o contrário.
- Meu pai diria que o mundo perfeito é anseio da ingenuidade.
- Sei, sei, é este o pensamento das pessoas quando se sentem impotentes diante da insensatez humana.
- Mas eu não acredito que as pessoas nasçam más, acho que elas tornam-se más!
- Ora Liandra! Isso sim é ser ingênua! As pessoas tornam-se más?
- Por que não? Nem todos têm a chance de conhecer e desenvolver a compreensão do mundo!
- Que quer dizer? Que nos dividimos entre aqueles que constroem e aqueles que destroem, na dependência de lições de casa?
- Não é bem assim! Acredito que o problema reside na maneira como a sociedade está estruturada. Há óbvia intenção de confundir as pessoas. Quanto maior a confusão, mais fácil fica para o sistema dominar essa mesma sociedade. Concorda?
- Em parte, sim, em parte. Talvez o sistema aproveite magnificamente a futilidade humana, essa preguiça em pensar, em buscar respostas, em se aperfeiçoar como ser. Mas basicamente parece-me que existe uma relutância em assumir. Essa imagem do bom e ruim, dos extremos entre o bem e o mal!
- Você está querendo dizer que as pessoas situam-se apenas nesses extremos?
- Não apenas, mas principalmente. Parece-me que chegamos com nossas tendências delimitadas.
- Não dá para concordar com essa idéia. Se assim fosse, qual a razão? Se a humanidade divide-se entre Deus e o diabo....
- Pois a mim parece lógico. Veja bem, a eterna luta do bem e do mal. Ou você é bom ou não é, não é assim? Ou tem sentimentos, que o fazem sentir a dimensão da vida, a maravilha da natureza, ou desdenha tudo isso por não poder sentir. Em outras palavras, quem sufoca, ameaça, não sente, é frio como pedra, não respeita ao semelhante, esse está do lado oposto a quem sente, respeita, maravilha-se com a perfeição divina, consegue sentir o que outra pessoa sente, ouve o bater outros corações além do seu!
- Pois é!...
- É...o mal tem corpo, tem essência, é concreto...
- Pode ser que não sejamos inteiramente ruins ou inteiramente bons.
- Ué! Como é não ser inteiramente ruim? Pisar na cabeça de alguém só de vez em quando, ao invés de sempre? Ou ser bom vez por outra. Não, não, não, um erro consertado leva à ausência desse erro, mas uma vez que se pratique sentimentos baixos ou pouco nobres, não se é bom, se é ruim. E ser bom vez por outra também é ser ruim.
- Mas dessa forma você está transformando o bem e o mal em entidades distintas e não sentimentos!
- Exato!
- Ora, não concordo!
- Suponha que haja a clonagem dupla de um indivíduo. Teremos uma espécie de gêmeos, certo? Veja bem, a mesma genética, a mesma influência do ambiente, a mesma dosagem de orientação e, digamos, de amor!
- Serão idênticos, claro!
- Mas, assim como os gêmeos idênticos, terão personalidades distintas!
- Essa é uma projeção por sua conta e risco. Não conheço clones e nem temos notícia de que uma dupla dessas teria personalidade distinta!
- Os seres são iguais na forma, mas diferentes em essência. Suponhamos que um dos clones seja alguém dócil, de caráter, interessado no mundo e com capacidade para exercer o bem, enquanto o outro é egocêntrico, passional e insensível, considerando a vida alheia de pouco ou nenhum valor. O que diferencia ambos?
- Não sei, são absolutamente idênticos, inclusive na influência do ambiente...
- O que diferencia esses clones, assim como aos irmãos, aos gêmeos e ao resto da humanidade é uma coisa apenas.
- É?
- A essência!
- Como assim? Você está falando da alma! Mas dessa forma você ainda exclui a possibilidade do bem e do mal serem sentimentos!
- Exato! O Bem e o Mal são entidades distintas, tem personalidade e forma distinta. Assim como o Bem, o Mal atua por si. E isso que enfrentamos neste mundo Liandra. O Mal não é abstrato, é concreto! Tem essência! Mas nossos olhos distraídos apenas enxergam o resultado dele, como os escombros deixados por um tornado (...) (“A Colina” de Mirna Monteiro)

Thursday, August 17, 2006

Medo de Viver


(...) Uma madrugada sentiu-se tão incomodada, como se lhe faltasse um pedaço, que foi até o quarto de Das Dores, verificar se já tinha acordado.
Encontrou a prima imersa, com a cabeça embaixo do cobertor.
- Assim você sufoca! Precisa respirar bem, para poder descansar – avisou Anna, enquanto tomavam, apressadas, o café da manhã.
Os olhos de Maria das Dores lacrimejaram. Ela pareceu hesitar, mas diante da maneira franca de Anna, resolveu desabafar o que mantinha encerrado a sete chaves.
- Eu tenho medo!
- Medo? Como assim? De que?
- Não sei... de tudo eu acho. É um problema sério. À noite, na escuridão, eu sinto pavor e só consigo fechar os olhos se me esconder embaixo do cobertor ...
Anna não respondeu, olhando a prima, surpresa com sua confissão.
Das Dores deu os ombros.
- Pois é isso! Já tentei de tudo, fiz análise por três anos, tomei todos os chás que me mandaram, tomo banho morno, nada adianta, não adianta! Até em terreiro eu já fui, porque disseram eu estava com encosto!
- Mas você é tão corajosa em seu trabalho! Parece enfrentar muito bem os riscos!
- É, eu sei...Fico possessa quando vejo a violência, homens que violentam e matam, crianças que são vítimas de tortura. Você sabia, Anna, que houve um caso em que a própria mãe jogou o bebê contra a parede, porque ele estava chorando?
Parou, emocionada, procurando refazer-se.
Terminou de beber o café e encarou Anna.
- Nesses momentos, eu me revolto e sou capaz de tudo mesmo e não tenho medo. Mas na hora em que estou só, no momento em que preciso dormir, eu sinto medo!
Levantou-se e olhou através da pequena janela da cozinha.
- Eu sinto que a maldade está tomando conta das pessoas, como se elas estivessem sendo pouco a pouco, incorporadas pelo mal. É como uma epidemia de vírus... pouco a pouco...está se espalhando!
Virou para Anna, com a voz alterada.
- A maldade está se espalhando! Não há limites para a dor e o medo. Por isso eu não posso parar para pensar. Porque eu sinto pavor dessa realidade...Não consigo dormir!
Passou as mãos no rosto, onde uma lágrima havia escorrido.
– Esta vida é uma merda, é por isso que não consigo dormir! Vida de merda, em um mundo de merda! E....
Ouviram batidas na parede da cozinha, feitas pelo vizinho.
O rosto de Maria das Dores avermelhou-se.
- Não tenho sequer uma vida minha, não há mais privacidade! – berrou, socando a parede e acrescentando que o mundo não passava de uma grande privada sem descarga. Saiu apressada, deixando Anna perplexa, espremida na pequena mesinha no canto da cozinha (...) ( Do livro "O Círculo")

Monday, August 14, 2006

As Mulatas de Di Cavalcanti



Mítico, indefinível, espontâneo e multicor! Estas são algumas definições de
críticos para a arte brasileiríssima de Emiliano Di Cavalcanti, o famoso
pintor das mulatas. Notoriedade, aliás, que ele conseguiu apenas após 1930,
apesar de seu estilo inconfundível integrar momentos como a Semana da
Arte Moderna, em 1922, exposição que ajudou a organizar.



Nascido em 1897, numa família
bem relacionada mas em difícil
situação financeira, Di Cavalcanti
soube aproveitar o apoio de
personalidades como
José do Patrocínio (seu tio) e
Olavo Bilac para ingressar no
restrito mundo da imprensa e
ali sobressair-se com
suas ilustrações
e caricaturas. Paralelamente, investia
seu talento nas telas!










"A atmosfera de sua obra tem
um calor carioca, uma sensualidade
agreste, um cheiro abrasante de noites
de verão à beira da mata" (Virmont)










Tuesday, August 08, 2006

A MORDIDA DA BOCCA DELLA VERITÀ


NA MENTIRA DE CADA DIA...


Ah, a Mentira! Tão velha quanto a humanidade, mas somente agora está ganhando o "status" de inimiga número "1" da Paz e preservação da vida.
Por que? Devido ao exagêro de sua presença. Veja bem, nos velhos tempos ela era discreta, limitada à circunstâncias que envolviam a disputa pelo poder e por riquezas, mas o mundo era recortado por imensas distâncias e culturas
Agora, além de integrar situações de grandes disputas, ela virou rotina. Hoje em dia, os mentirosos ganharam espaço, divididos, é claro, em diferentes categorias...contingência dos novos tempos do apocalipse!

Dizem que a mentira é "inerente" ao ser humano. Alguns argumentam que é um artíficio da sobrevivência, já que a absoluta sinceridade pode ser chocante em um mundo onde a disputa por espaço e poder é acirrada e refratária ao tempo. Ou seja, acontece nos dias de hoje com as mesmas caraterísticas e motivos que acontecia na Idade das Trevas!

Que constatação mais desagradável!

A mentira é companheira da hipocrisia, da desonestidade, da ausência de ética e de respeito e da falta de consciência humana. Reveste-se sempre de ares de superioridade, em contraste com sua extrema covardia. Mas procura compensar seus limites com extrema criatividade.

E como faz estragos! Principalmente ao lado da hipocrisia!

"há quem condene homens à morte por crimes que nem sequer considera transgressões. Quando jovem, vi um gentil-homem apresentar ao povo, com uma mão, versos de notável beleza e licenciosidade, e com outra, a mais belicosa reforma teológica de que o mundo, de há muito àquela parte, teve notícia. Assim vão os homens" , escreveu Michel de Montaigne, em "Ensaios da Vaidade".

Pois é. Mas mentir não é tão fácil. Friedrich Nietzsche insistia nesse ponto: "Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cómodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória. Por isso Swift diz: «Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte»

A mentira vence as barreiras do tempo e do espaço, apesar de todas as pessoas afirmarem que não compactuam com ela. Será mesmo? Se assim é, por que ela persiste?

"Gosto da verdade. Acredito que a humanidade precisa dela; mas precisa ainda mais da mentira que a lisonjeia, a consola, lhe dá esperanças infinitas. Sem a mentira, a humanidade pereceria de desespero e de tédio"... opinião de Anatole France.


Opinião, aliás, equivocada! A mentira até podia ser suportada quando ela era apenas uma suposição: não havia meios de comprová-la a tempo de suprimi-la das grandes questões da humanidade. Agora, no entanto, o mundo conta com meios rápidos de descobrir a mentira, avaliar a sua potência enganadora, calcular os seus estragos...e rezar para que sejam minorados. É que apesar de tudo, ainda há uma grande dificuldade de evitar os estragos da mentira, quando ela envolve altos interesses.

Talvez o mundo possa adotar a antiga e interessante "Bocca della Verità".

Esculpida em pedra, nos tempos medievais, a "Bocca della Verità" ou boca da verdade, fica em Santa Maria in Cosmedim, na Itália. É famosa e sua figura exibe uma boca aberta.
Diz a lenda que o mentiroso que colocar a mão na abertura levará uma mordida.

Você colocaria a sua mão na "Bocca della Verità"?...
Ou a "Bocca della Verità" morderia a própria língua, por séculos e séculos a fio?

Bem, de qualquer maneira, acontece hoje um fenômeno interessante, que deixaria os nossos pensadores dos velhos tempos das mentiras, no mínimo confusos. Trata-se da supremacia dos antigos companheiros da mentira, que antes eram coadjuvantes e agora, nos novos tempos, tornam-se as estrelas, ofuscando a dita cuja.

Falamos da hipocrisia - hoje extrema - da ausência de ética - descaradamente presente como se fosse um elemento ficcional - e da falta de respeito e consciência humana, que tornou-se tão aberrante que hoje é simplesmente acintosa.
Esses elementos tornaram a mentira, que antes era uma estrela, em uma "ponta" na encenação, necessária apenas para florear as intenções.

Agora assistimos à uma nova fase da mentira. Aquela em que pouco importa, aos que se utilizam dela, que isso seja óbvio.
Pela primeira vez, a mentira vive uma fase nova e de resultados imprevisíveis! (Mirna Monteiro)

LEIA TAMBÉM: http://artemirna.blogspot.com.br/2010/09/mentira-de-cada-dia.html
                            http://artemirna.blogspot.com.br/2011/01/onde-esta-verdade.html 

Saturday, August 05, 2006

Literatura e Filosofia














"Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse um fragmento de vida, possivelmente não diria tudo o que penso
mas em definitivo pensaria tudo o que digo.
Daria valor as coisas, não pelo que valem, senão
pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais,entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem.

Escutaria quando os demais falam, e como desfrutaria um bom sorvete de chocolate!
SeDeus me obsequiasse um fragmento de vida, vestiria simples, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo senão minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo, esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que lhes ofereceria à lua.
Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida...
Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se!
A criança lhe daria asas, porém lhe deixaria que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens...
Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Tenho aprendido que quando um recém-nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre.
Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo" (Carta a uma amigo, de Gabriel Garcia Márques)