Wednesday, January 26, 2011

O RETRATO




(...) - Sei que rirás de mim, mas eu na verdade não posso exibir este retrato. Há muito de mim nele.

- Muito de ti nele? Dou-te minha palavra, Basil, que ignorava tamanha vaidade em ti. E aliás eu não consigo ver nenhuma semelhança entre tu, com essa cara rugosa e enérgica e teu cabelo preto como carvão, e este jovem Adônis, que parece feito de marfim e pétalas...Mas ele é um Narciso, meu querido Basil e tu...bem, não há dúvida de que tens uma expressão intelectual. Mas a beleza, a verdadeira beleza, termina onde começa uma expressão intelectual. O intelecto é em si um verdadeiro exagêro e isso destrói a harmonia de um rosto. No momento em que nos pomos a pensar, ficamos puro nariz, ou pura testa ou qualquer outra coisa igualmente horrível (...)

Olha para os homens que triunfam nas profissões liberais. Como são perfeitamente medonhos! Exceto, naturalmente, na igreja. Mas é que na igreja eles não pensam. Um bispo continua repetindo por oitenta anos o que lhe mandaram dizer quando era um rapaz de dezoito, e a conseqüência natural é ele ter sempre uma expressão absolutamente deliciosa. Teu misterioso amigo, cujo nome nunca me dissestes, mas cujo retrato verdadeiramente me fascina, não pensa jamais. Estou bem certo disso. É uma criatura formosa, sem cérebro, que deveria estar sempre aqui no inverno, quando não temos mais flores para olhar, e nunca sair daqui no verão, quando precisamos de algo para refrescar a inteligência. (...)

-Não me compreendes, Harry, está claro que não pareço com ele. Sei disso perfeitamente. Em verdade eu me afligiria se assim fosse. Dás de ombros? Pois estou a dizer-te a verdade. Há algo de fatal em toda superioridade física ou intelectual, a espécie de fatalidade que parece perseguir como um cão, através da história, os passos vacilantes dos reis. É melhor não diferir de nossos semelhantes. Aos feios e aos estúpidos é que este mundo aproveita. Eles podem sentar-se comodamente e boquiabrir-se ao espetáculo. Se nada sabem da vitória, ao menos se livram de se conhecer a derrota. Vivem como todos deveríamos viver, impassíveis, indiferentes e sem inquietações (...)  ( O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde)

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