Sunday, August 31, 2014

COTIDIANO

A cena se passa em um consultório médico:
- Doutor, não sei o que acontecendo comigo, ando muito esquisito. Imagine que quando vejo pessoas sofrendo ou cenas dos ataques israelenses na Palestina, ou mesmo criancas de paises africanos...eu choro!
-Hum...vou receitar um antidepressivo...
-Mas este? Eu tenho problemas de gastrite!
- Sem problemas, vou receitar este aqui, toma junto também.
- Mas doutor,esse ai ataca meu fígado, que está meio cirrótico...
- Ah, não tem problema, vou acrescentar mais este remedinho aqui...
- Mas...não sei não, é que já tomei esse duas vezes e ele me dá insônia!
- Isso não é problema! O senhor vai tomar duas horas antes de deitar também este outro medicamento aqui! Vai dormir como um anjo..
- Eu tenho de acordar cedo, pegar trânsito pesado e...
-Ah, fique tranquilo, logo que acordar o senhor toma esse aqui...calma que tenho amostra grátis, é uma cortesia!
- Será? Sabe  o que é, já tomei duas vezes e esse tipo de medicacão dispara a minha pressão arterial, me dá uma paura, parece que vou ter um treco!
- Bom, para garantir, vamos fazer outra receitinha para este aqui, que vai ajudar se der enjôo também.
- Mas eu li  na internet que esse aqui deixa a pessoa agitada agitado e...
- Acalme-se, por favor. Ainda não terminei. Esse aqui e mais este aqui, vai ficar tranquilo, tudo azul e lindo!.
- Nossa, mas este aqui não é aquele que todo mundo fala que dá depressão?
- Sim, mas vou lhe receitar um antidepressivo.
-...outro?
- Ah, já lhe receitei o antidepressivo? Hum, certo.  Vamos apenas aumentar a dose...
mirna monteiro

Wednesday, August 27, 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INVEJA

Não, não se trata de correr em busca do sal grosso, de carrancas e patuás. Ainda que a inveja possa ser tratada de forma doméstica - como uma dor-de-cotovelo entre amigas, o aborrecimento por atributos que um colega de trabalho ou até um desconhecido que tenha projeção na mídia possuam em detrimento de seus próprios, o carro luxuoso que você não pode ter ou um simples sorvete maior que o outro, ela é sem dúvida perigosa.
A inveja transtorna e causa doenças para aqueles que ficam ruminando suas decepções e tristezas. Mas se o "olho gordo" é tratado popularmente de maneira até folclórica e bem humorada, esse tipo de sentimento pode ser considerado a própria origem do mal.
A inveja é menosprezada em sua nocividade. Causa mais estragos do que poderíamos supor. Provavelmente ela se esconde, quietinha e camuflada, nos bastidores de todas as grandes desgraças da humanidade.
Exagêro? Não exatamente. Veja só o caso de Caim e Abel... os mais céticos devem reconhecer que não há como negar a antiguidade da inveja, tampouco a sua realidade, mesmo abominando o registro bíblico.
Ela ( a inveja) está onipresente nas grandes guerras, nas revoluções, no sadismo da humanidade. Calígula era extremamente invejoso e isso norteava a sua crueldade. Poder e inveja formam um coquetel desastroso. Hitler era frustrado pela sua falta de talento, tanto que imaginou um mundo onde toda a arte existente estaria sob sua guarda. De preferência acabando com os autores, porque a inveja admira o talento, mas não pode perdoa-lo.
A inveja é amiguinha da mediocridade. Vivem de mãos dadas, suportando-se mutuamente, mas tentando unir-se para destruir o objeto de sua ira. É, porque a inveja se esconde também sob a ira, esse sentimento odiento que faz o sujeito cuspir a maldade. A dramaticidade aqui é importante para definir a balbúrdia criada na humanidade por esse sentimento inerente, que habita a alma humana como um protozoário potencial, ou um defeito natural em hibernação - se não for vigiado acaba ganhando espaço.
No final das contas a única alternativa para evitar que a inveja faça seus estragos é cultivando o próprio talento. Uma espécie de "vacina" contra esse mal, que permite uma vida menos espremida e perigosa, dolorosamente competitiva e regida pela moral e valores supérfluos que pretendem controlar o mundo da mesma maneira que se controla o gado no pasto.
Se a virtude depende de disposição para para criar e construir, a inveja também depende da decisão de não permitir o artificialismo do poder. De alguma forma é preciso quebrar o círculo vicioso que impõe a agressividade na conquista de um espaço através da eliminação do objeto da inveja, que afinal pode ser sublimada, como todo e qualquer sentimento, individual ou políticamente no espaço coletivo. (Mirna Monteiro

Friday, March 28, 2014

A BURCA COLORIDA DOS OCIDENTAIS

A mulher ainda paga um preço, simplesmente por ser mulher...
Surpreende o resultado de uma pesquisa do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que concluiu que 26% dos brasileiros consideram a mulher responsável em casos de ataques sexuais por causa das roupas que veste.
O choque desta informação é óbvio principalmente por um fato que é incontestável: ainda existe a ideia de que a mulher é um objeto, pronto para ser usado. Afinal vivemos entre modismos, onde as roupas se tornam justas e reveladoras por força do estilo imposto pelo mercado, e a quase nudez é fator climático, em um país tropical  onde a roupa de banho é ínfima e decotes e saias curtas são naturais.
Isso nos faz lembrar a rigorosidade de países do Oriente Médio, onde o ar do deserto e o sol escaldante não substituiu ainda o peso das burcas. É claro que no sol do deserto o tecido protege a pele, mas a permanência da tradição da vestimenta que cobre todo o corpo, inclusive o rosto, é essencialmente dominadora, marcando a submissão da mulher e eternizando a sua dominação.
A grosso modo, boa parte dos brasileiros ainda acredita que tem direito de usufruto sobre corpos expostos...mesmo que essa exposição seja politicamente correta. Ao mesmo tempo o homem denuncia-se como um "ser animal", não pensante e sem controle sobre o que ele considera um apelo sexual. Olhar a fêmea, despertar seus instintos, e tornar-se um predador impulsivo...
Interessante observar que essa linha tênue, que separa o instinto sexual legítimo, da agressividade criminosa sobre outro ser humano, se confunde em nossa cultura, apesar de não ser claramente admitida. Permanece como óleo na água, sem misturar-se, mas absurdamente latente e real, cruel e ameaçadora.
Em termos gerais indica que não houve ainda evolução suficiente para que a mulher possa considerar-se em condição equivalente ao homem.
Muito pelo contrário, as próprias mulheres são preconceituosas em relação ao sexo feminino.
Outro dado da pesquisa mostrou que a maioria dos entrevistados eram mulheres e dessas 63% afirmaram que "problemas domésticos devem ser discutidos em casa", mesmo quando envolvem violência do homem contra a mulher ou as crianças.
Nesse ponto devemos parar e analisar com cuidado os fatores que levem a esse tipo de situação. É preciso considerar a insegurança feminina em relação à estabilidade familiar. Denunciar o marido equivale a uma espécie de ruptura na relação. É recurso considerado extremo, quando qualquer outro não surte efeito e o desenlace da família parece a única saída.
De uma maneira geral, dizer que a mulher obteve avanços sociais e culturais ainda é prematuro. O fato de estar ocupando espaços cada vez maiores no mercado de trabalho demonstra que é mais autônoma em relação à sua sobrevivência. Mas não, necessariamente, que tenha atingido uma posição de igualdade.
Talvez de maior sobrecarga. A mulher de hoje carrega nas costas o peso da família, principalmente quando acaba o casamento e as leis acabam beneficiando o homem "que precisa refazer a sua vida", liberando-o hipocritamente de assumir o peso da responsabilidade familiar ou pelo menos a metade equivalente das responsabilidades sobre os filhos, mesmo quando goza
de situação financeira privilegiada.
São tantas as disfunções que a sociedade enfrenta em relação à mulher, que "avanços" comemorados precisam  ser analisados com maior prudência. O papel exercido pela mulher  na família, por exemplo, está em falta: ninguém assumiu essa função, que é empurrada para a escola e mantém à deriva o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Não há mudança que a mulher possa promover, se não houver simultaneamente a mudança do ser masculino.
E em meio a tudo isso, a mulher ainda depende de cuidado no vestir, de maneira a "não provocar" interpretações erradas ou despertar a sexualidade ou a agressividade no homem..
É uma situação triste, mas também ridícula. Talvez a burca resolva o problema, não é assim? Uma burca colorida, bem ocidental e disfarçada, na exata medida da confusão cultural que insiste em olhar a mulher como uma boneca inconveniente!...(Mirna Monteiro)

Wednesday, January 15, 2014

EMBEBEDAR-SE SOLITARIAMENTE


Irritado com as críticas a uma tentativa de selecionar frequentadores de um shopping em São Paulo, sob argumento de evitar "transtornos aos clientes e lojistas", o dono de uma franquia no local sibilou: "Eu não tenho de aguentar ameaças de marginais para preservar algum direito de circulação de quem quer apenas fazer seu "rolezinho" sem tostão furado no bolso. Podem me chamar de preconceituoso, mas eu quero saber qual a diferença em selecionar frequentadores do shopping e amigos que entram na tua casa!"
Ao ser questionado sobre a diferença entre um local publico e particular, encerrou a conversa: "Eu não tenho culpa da situação, não fui eu quem inventou pobres, ricos, honestos e marginais!"...
Essa é a questão crucial de todos os problemas sociais.
O temos a ver com os outros?
Tudo e nada, ao mesmo tempo. Parece muito fácil ignorar situações que nos desagradam ou são complexas demais, a ponto de se tornarem uma espécie de ficção em nossa realidade.
Mas logo a frente, em algum momento futuro, o que era ficção - ou problema dos outros - vai se enroscar em nossa vida. Que afinal não será problema de outros também.
Até que ponto devemos nos sentir culpados ou responsáveis por situações que não provocamos ou com o sofrimento de quem não conhecemos?
Aparentemente, quanto mais problemas percebemos ao nosso redor, maior é a vontade de fechar as portas da consciência e de nosso espaço social. É ação automática, um irresistível impulso de defesa.
No entanto tudo o que acontece tem relação direta ou indireta com o mundo particular de cada um.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos sejam atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão. Negar auxílio a alguém  é uma delas. Mas até que ponto?
 Jornais, revistas e produtos responsáveis pela informação podem omitir determinados detalhes de um fato,  quando sabemos que uma simples fofoca que omite um aspecto da verdade, pode mudar a história?
A omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética?
Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Tem lógica! Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir?
Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil.
Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como uma mão que desvia a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsável também pelo que vier a suceder. 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem. É uma atitude comodista. Ao longo da história a omissão acontecia mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em uma era onde a comunicação é farta, mas onde o conhecimento do que é divulgado nem sempre é real e seguro. Isso causa um grande desconforto. Necessitamos de certezas. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é o esforço em definir o emaranhado de informação e imposições de posturas de pensamento e ideias. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com o parece ético e justo. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido.
Sartre reafirmou essa realidade, ao observar que " todas as atividades humanas são equivalentes (...)Assim, vem dar no mesmo uma pessoa se embebedar sozinha ou liderar nações". A realidade é criada a partir da responsabilidade das ações e é isso que torna diferente, em maior ou menor grau de importância, qualquer ação humana. E assim determinamos a qualidade de nossa liberdade. (Mirna Monteiro)

Tuesday, December 03, 2013

GUERRA DOS SEXOS NO CIBERESPAÇO

O rapaz levou um susto quando descobriu que sua "performance" era analisada por garotas  e que no final era avaliado, de zero a dez, no "Lulu", um aplicativo no site de relacionamento! Como não podia deixar de acontecer, a resposta veio logo, através de outro aplicativo, o Tubby, desta vez criticando as mulheres, com detalhes da conquista sexual.
Como também não podia deixar de acontecer, essa guerra entre meninos e meninas rendeu uma correria para evitar danos e perdas. Pelo menos para quem está sabendo disso: quem concorda com os termos de uso do Facebook, por exemplo, pode ir parar nesses aplicativos sem ser consultado, já que basta um amigo do perfil participante, para carregar no bojo  todos os demais.
É claro que anonimato dos comentários não elimina a responsabilidade legal de quem publica informações reais ou falsas sobre um perfil real. O próprio Facebook, por exemplo, também é considerado co-responsável pelos danos morais nessa brincadeira perigosa dos aplicativos. Mesmo quando a pessoa pede a exclusão dos aplicativos, os dados pessoais permanecem em posse desses sistema.
O resumo da história é a situação inusitada a ser enfrentada no ainda inexplorado ciberespaço em relação à cultura do mundo imediato. No dia a dia as pessoas preservam a identidade, acreditam no sigilo de sua vida privada, de seus momentos íntimos, de seus dramas e alegrias pessoais.
Tudo isso está  entrando em choque com o universo virtual, que parece cada vez mais o avesso das convenções e hábitos cultivados ao longo da sociedade desde os tempos mais primitivos.
Até que ponto existe consciência de que um dos valores mais cultivados - o da privacidade - não é possível no ciberespaço, principalmente em sites de relacionamento, ainda não se sabe. Mas pela reação de surpresa e indignação aos abusos de aplicativos e outros mecanismos que permitem acesso à informações pessoais que aparentemente seriam privadas, ainda não se percebeu que para proteger-se no ciberespaço não basta portões e portas trancadas, nem mesmo desligar-se da rede, jogando o celular no mar ou destruindo o computador: nossa presença continua boiando nesse espaço sem fim.
Vivemos entre a razão e a sensibilidade. É um dilema criado pela condição humana, que depende de um sistema social e econômico para sobreviver, que nem sempre é estruturado em acordo com os sentimentos que estruturam a vida emocional e existencial do ser humano. Sob essa ótica, o mundo virtual não oferece os mesmos resultados para acontecimentos idênticos do mundo imediato, já que exige um despojamento maior de elementos que garantiriam proteção e anonimato.
Mais do que isso, se de um lado a impressão de anonimato pode favorecer crimes cibernéticos, de várias modalidades, de outro existe uma possibilidade de localização e desmascaramento de pessoas e ações anônimas. Muito mais eficiente do que na nossa sociedade sustentada por estruturas viciadas que desafiam a ordem por criar maior quantidade de bloqueios à verdade.
De qualquer maneira, o ciberespaço ainda amedronta e causa insegurança justamente por constituir-se do imaterial que assume subitamente uma forma concreta e definitivamente poderosa em sua interferência no que muitas pessoas ainda acreditam ser "o mundo real", que não é antônimo de mundo virtual. Definitivamente, não.  (Mirna Monteiro)

Friday, October 25, 2013

CERCAS, MUROS E HUMANIDADE

O temos a ver com os outros?
Tudo e nada, ao mesmo tempo. Parece muito fácil ignorar situações que nos desagradam ou são complexas demais, a ponto de se tornarem uma espécie de ficção em nossa realidade.
Mas logo a frente, em algum momento futuro, o que era ficção - ou problema dos outros - vai se enroscar em nossa vida. Que afinal não será problema de outros também.
Até que ponto devemos nos sentir culpados ou responsáveis por situações que não provocamos ou com o sofrimento de quem não conhecemos?
Aparentemente, quanto mais problemas percebemos ao nosso redor, maior é a vontade de fechar as portas da consciência e de nosso espaço social. É ação automática, um irresistível impulso de defesa.
No entanto tudo o que acontece tem relação direta ou indireta com o mundo particular de cada um.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos sejam atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão. Negar auxílio a alguém  é uma delas. Mas até que ponto?
 Jornais, revistas e produtos responsáveis pela informação podem omitir determinados detalhes de um fato,  quando sabemos que uma simples fofoca que omite um aspecto da verdade, pode mudar a história?
A omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética?
Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Tem lógica! Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir? Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil.
Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como uma mão que desvia a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsável também pelo que vier a suceder. 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem. É uma atitude comodista. Ao longo da história a omissão acontecia mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em uma era onde a comunicação é farta, mas onde o conhecimento do que é divulgado nem sempre é real e seguro. Isso causa um grande desconforto. Necessitamos de certezas. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é o esforço em definir o emaranhado de informação e imposições de posturas de pensamento e ideias. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com o parece ético e justo. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido. (Mirna Monteiro)

MASCARADOS E CARAS LIMPAS

A cultura esquimó interpreta as máscaras como um complemento da dubiedade do homem, que possuiria uma face humana e outra animal. Em rituais antigos de fertilidade, na fase do Império Romano, as máscaras eram importantes na homenagem a Dionísio.
São apenas dois exemplos do uso da máscara em culturas diferentes. Conforme a sociedade se definia no ocidente, as máscaras foram sendo usadas de maneira mais óbvia, para esconder a identidade, como no século 17 em  Veneza, onde os nobres buscavam o anonimato para misturar-se a plebe. Nesse caso, com a intenção de ser o povo e usufruir da alegria do carnaval nas ruas.
Hoje as máscaras escondem a identidade de quem se  mistura à manifestações populares, sejam elas quais forem. Uma greve, um ato de repúdio, um movimento de moralização. De súbito surgem mascarados ou rostos encobertos por peças de roupa, como tuaregues urbanos, armados de paus e pedras.
Existe uma linha sutil entre a liberdade e a ofensa. Ser livre implica em definir o próprio espaço para a expressão, sem furtar o espaço alheio ou avançar sobre os direitos de outros.
Por esse motivo surpreende os argumentos dos "defensores da liberdade" que exigem essa expressão dos sentidos - da palavra e da ação - como se não a existência dos limites que validam a liberdade pudessem ser ignorados.
Livre expressão que não respeita o espaço do semelhante é ação ditatorial, dominadora, impositiva. Portanto não é democrática.
Essa realidade, que todos reconhecemos, acaba misturando-se ao valores sociais e confundindo a liberdade de expressão. Exagera do domínio do espaço e sufoca a expressão alheia.
É o caso dos mascarados que agem como vândalos, destruindo patrimônios públicos ou privados e transformando a liberdade de expressão em um  ato de violência, impondo o medo e ameaçando a sociedade.
A sua origem é desconhecida. Mas certamente o objetivo não é favorecer as manifestações legítimas, mas impor um estado de guerra artificialmente.
Devemos cobrir o rosto em manifestações públicas?
Liberdade é uma palavra tão importante quanto mal interpretada neste nosso tempo cheio de distorções e excesso de imagens. Mas nada pode representar melhor a liberdade e a livre expressão em um regime democrático do que a cara limpa! Tudo que mais deseja a sociedade humana hoje é, sem dúvida, honestidade e claridade... (Mirna Monteiro)

Tuesday, September 10, 2013

OS CONFLITOS DA EUTANÁSIA

Quando o assunto é eutanásia, o choque é inevitável. Talvez nem tanto pela dúvida entre o direito ou não de antecipar a morte de um ser terminal e em sofrimento extremo. Mas simplesmente pelo fato de lidar com aquilo que o ser humano mais teme: a morte!
Morte significa o fim de alguém ou de um sentimento ou qualquer coisa que se finda definitivamente. É o desconhecido, um acontecimento que não permite a quem quer que seja lidar com alguma certeza. Por esse motivo a ideia de provocar a morte - mesmo que por piedade - é chocante!
O termo eutanásia deriva do grego "eu" ou "boa" e de "tanatos" que significa "morte". Assim sendo, eutanásia significa boa morte ou morte serena, que era defendida por Sócrates e depois por seu discípulo Platão. Por toda a história da humanidade, em momentos de desespero diante do sofrimento inevitável e terminal de algum ser, homem ou animal, o medo da morte cedia espaço à piedade.

Será mesmo possível a "morte suave, doce, fácil", sem sofrimento, sem dor, para abreviar agonia muito grande  dolorosa de alguém? Seria o ato que põe termo à vida de quem que sofre de enfermidade incurável ou  vítimas em situação irreversível de dores cruéis, que pretende atender ao desejo de quem sofre, natural?
Sob essa ótica, sim, parece ser a morte piedosa uma ação natural, movida pelo sentimento de humanidade. Mas nem por isso deixa de ser controversa, quando todos sabemos que nem sempre os atos justificáveis ficam limitados ao bom senso. Sempre há o risco de, diante da aceitação da eutanásia, acontecer distorções futuras.
No entanto, a maioria das pessoas pode ficar chocada quando assiste uma cena em que um animal é mortalmente ferido e recebe um tiro de misericórdia, ao mesmo tempo em que sente alívio pelo fim da tortura da dor e da morte lenta. Contradições da alma humana ou superação do medo da morte em nome da piedade?
Hoje a eutanásia é usada na medicina veterinária em casos terminais. Os veterinários não aceitam esse termo, preferindo chamá-lo de "descanso" de um animal em extremo sofrimento e em situação irreversível.

Seria a eutanásia um ato de respeito à natureza? Ou a natureza deve seguir o seu curso mesmo quando envolve o sofrimento, enquanto assistimos à dor de outros com braços cruzados e impotentes diante do ciclo natural da vida?
Esta é certamente a decisão mais difícil para uma sociedade que conta com recursos da ciência para salvar vidas, mas também para tornar a morte piedosa e indolor. Talvez a resposta esteja na certeza de que a natureza dita suas regras, mas também as modifica.
Nada parece ser definitivo em um universo em eterna transformação. E o respeito à natureza também é influenciado pelas circunstâncias, que nunca são idênticas e dependem da razão e do bom senso em sua decisão, na dependência da sensibilidade que pode justificar ou condenar um mesmo ato.(Mirna Monteiro)

Friday, July 26, 2013

O EMBATE NOS GRUPOS SOCIAIS

(...)Há grupos de todas as cores e formatos nas redes sociais. A variedade é tão grande, que seria impossível resumi-los aqui. Essa ferramenta que começou a ser utilizada de maneira tímida, virou febre e parece não ter limite. Há grupos até para não comentar nada, só postar carinhas que traduzam a emoção de quem está postando.
Mas subitamente esses grupos sem pretensão transformam-se em máquinas de divulgação política.
Há alguns anos acompanho a evolução dos sites de relacionamento. Antes a moda era o Orkut, depois o Facebook, Twitter, entre tantos outros. A curiosidade é explicada: de que maneira esse novo tipo de contato entre as pessoas acontece e qual o formato futuro da relação humana.
Uma das formas de relacionamento são os grupos, em diferentes categorias e assuntos. Há grupos de todos e para tudo, especialmente no Facebook. Até que ponto isso pode ser uma arma contra a liberdade de expressão e o domínio da informação nas próximas décadas?
Esta é uma área nova para estudos. Há pouca pesquisa e relatos sérios sobre esse novo recurso de comunicação. O que se sabe é que a aparente inocência de grupos que reúnem pessoas que desejam trocar experiencias ou compensar o distanciamento das relações humanas pode transformar-se em uma perigosa arma de manipulação das ideias.
Denúncias de imposição ideológica, da apologia à violência e ao preconceito, da intriga e da criação de "celeiros políticos"  que pretendem atuar agressivamente nas imediações das campanhas, tornam-se comuns.
Grupos que começam com objetivos inocentes de "quero um amigo", "meu nome é X" , "Luta contra a corrupção" ou mesmo grupos de categorias profissionais, crescem rápido, chegando a milhares de membros, e de súbito tem seu objetivo inicial deturpado e desviado para objetivos particulares de grupos radicais, ligados à violência ou facções políticas extremistas ou simplesmente para campanha eleitoral.
Os grupos tornam-se o objeto de desejo de pessoas, mas também de empresas e políticos que buscam armar seus palanques, nem sempre de forma direta, mas indireta, utilizando "laranjas" que representariam a "voz popular".
Nesse emaranhado reconhecemos os liberais, os conscientes, os predadores ou os déspotas. Os "donos de grupos" tomam para si a "decisão" de manipular o destino de cem, duzentas, mil ou dez mil pessoas, que são adicionadas a esses espaços muitas vezes sem saber que estão fornecendo apoio numérico...ainda que nunca tenham tido nenhum tipo de contato com essas pessoas. Grupos de 10 mil membros em geral possuem uma rotatividade de menos de 1%.
Por esse motivo a eficácia do controle das ideias e imposição politico-partidária dentro desses grupos maliciosos ainda é uma incógnita.
A escravidão da informação ou a manipulação das ideias é um risco que a sociedade deve avaliar e combater. Grupos violentos ou que propositalmente deformam a informação abalam e comprometem a liberdade de expressão. É uma contradição que espaços livres se transformem em  espaços escravizados e controlados pelos "donos" ou fundadores de grupos. Mas esse parece ser o desafio da "nova liberdade" obtida no campo virtual, onde a ética apenas funciona quando defendida pelos elementos que participam desses grupos.
Caso contrário, é um espaço tão primitivo quanto "as terras sem lei", onde vence quem tiver menos escrúpulos, soterrando a razão em estratégias que independem da quantidade de pessoas envolvidas. Ou seja, pequenos ditadores dominam um grupo ao cercar as razões éticas, anulando-as rapidamente, ao contrário do que ocorre fora do virtual, que demarca com clareza as responsabilidades e abusos regulados pela legislação comum.

MANIPULAÇÃO VIRTUAL

Enquanto a imprensa é criticada por seu comprometimento econômico e político, os espaços virtuais funcionam como uma espécie de espelho dessa realidade prática. A mesma imprensa livre ou comprometida também exerce o seu papel na internet. Paralelamente as conversas no trabalho, nas ruas e outros lugares que exigem contato pessoal são igualmente levadas ao espaço virtual, processando-se ali de maneira mais livre, pela impressão de anonimato.
Para as empresas e profissionais da imprensa há grandes controvérsias no espaço virtual. Ao mesmo tempo em que a Internet chegou ampliando as relações no mundo todo e tornando o trabalho da informação muito mais amplo, também provocou a evasão do leitor dos jornais.
Os riscos da informação distorcida ou manipulação da opinião aumentam no uso da internet. Mesmo que parte das empresas jornalísticas sejam comandadas por interesses financeiros - submetendo-se à pressão de aspectos comerciais e políticos - a ainda livre publicação virtual não impede o mesmo risco, misturando informação correta e positiva, com a informação maliciosa, principalmente no campo político.
Se a Internet oferece um campo vasto, a centralização de pessoas nos sites de relacionamento tornaram a exploração dos grupos um excelente negócio.
Falar em mídia digital é resumir as possibilidades de ação. A comunicação virtual permite roupagens tão variadas, que tentar defini-las na linguagem usual não define a sua dimensão.  (cont.) (Mirna Monteiro)

Monday, July 15, 2013

O HOMEM E O COMPASSO

Algumas datas parecem sem sentido. Dia do Homem é uma delas. Não que o homem não mereça ter um dia seu. Se as mulheres e as crianças tem, por que não os homens?
Bem, a justificativa da comemoração fala da equiparação entre homem e mulher, separados desde sempre pela ausência da identidade feminina, em relação à predominância da identidade masculina.
 É, considerando que nos primórdios a humanidade cultuava a Mãe-Terra e idolatrava o simbolo feminino da fecundidade, para depois ignorar por completo a identidade feminina, o que temos hoje é uma mudança e tanto. Depois de passar por um estado de nulidade social e politica, sendo reconhecida pelo nome do homem, que era perpetuado nas gerações masculinas, a coisa mudou para a mulher. E por tabela, para o homem. A revolução do século XX foi realmente uma virada e tanto, permitindo não apenas o voto feminino como o exercício do direito político, cultural e social pleno!
Perplexidade para a antiga figura masculina!
Situação complicada para o homem? Bem, para quem estava habituado a ver todos os desfechos no gênero masculino, o século das mudanças causou um grande impacto.
Ainda hoje o homem procura situar-se em um novo universo feminino, que parece predominar com a mesma medida que antes era ocupada pela cultura masculina. Não cultua a fertilidade, mas explode em clarões de rosa, em perfumes e máscaras de beleza, desfile nas passarelas, desempenho de tarefas domésticas e  divisão do espaço profissional, em uma mistura de hábitos e pensamentos onde as antigas diferenças tornam-se cada vez mais diluídas.
Mas homens e mulheres são diferentes, apesar do polimento de arestas superficiais do comportamento. Não na capacidade de realizar funções ou desenvolver frutos da inteligência, mas na maneira de se reconhecer e se auto-conduzir. Há quem assegure que é questão de tempo a fusão total entre o masculino e feminino, a ponto de tornar os gêneros idênticos. Essa possibilidade não agrada nem ao homem, nem à mulher.
Mas o que é que isso tem a ver com o Dia do Homem? Será que é uma oportunidade de ganhar gravata nova ou, talvez, sais de banho?
Talvez não exatamente. Por mais comercial que venha a se tornar (ainda é recente em pouco mais de uma década e comemorada no dia 15 de julho no Brasil), essa comemoração foi criada por homens. Só isso já a justifica. Por que não? Ainda que não exista uma revolução qualquer no mundo masculino e que venha a se chamar "Dia do Homem Livre", justifica-se pelo próprio conceito de igualdade com a mulher. Mulher tem dia, homem também.
Há quem reclame que Dia da Mulher e Dia do Homem promoveriam nova distinção, ao invés de ratificar a igualdade entre os sexos. É que as mulheres, em seu dia, comemoram conquistas, novas condições e desafios. E os homens comemorariam novos desafios.
É, sob esse ponto de vista, há mesmo o que comemorar. O desafio do masculino, em uma sociedade que se transformou com a plena ação feminina.
Viva o Dia do Homem. Do novo homem! (Mirna Monteiro)