Saturday, August 05, 2006

Literatura e Filosofia














"Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse um fragmento de vida, possivelmente não diria tudo o que penso
mas em definitivo pensaria tudo o que digo.
Daria valor as coisas, não pelo que valem, senão
pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais,entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem.

Escutaria quando os demais falam, e como desfrutaria um bom sorvete de chocolate!
SeDeus me obsequiasse um fragmento de vida, vestiria simples, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo senão minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo, esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que lhes ofereceria à lua.
Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida...
Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher ou homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de enamorar-se!
A criança lhe daria asas, porém lhe deixaria que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens...
Tenho aprendido que todo o mundo quer viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Tenho aprendido que quando um recém-nascido aperta com seu pequeno punho, pela primeira vez, o dedo do pai, o tem apanhado para sempre.
Tenho aprendido que um homem só tem o direito de olhar a outro com o olhar baixo quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo" (Carta a uma amigo, de Gabriel Garcia Márques)

Wednesday, August 02, 2006

A traição na literatura


(...)Pode não ter sido a causa do que aconteceu a seguir, mas sem dúvida, os anos de cricri de Genoveva no ouvido de Francesco, mais o anjo que nascera dela sem explicação, contribuíram para o desfecho. Um desfecho que teve como participante especial a peituda Gina.
Gina também enfureceu quando Apolo desmanchou o possível casamento, arrumou as malas e partiu. De início ela colocou em Genoveva toda a esperança de te-lo de volta. Mas quando sentiu que ele sequer se abalava com as ameaças e descontrole da mãe, considerou que deveria colocar seu próprio plano em ação, para não ficar sozinha naquele vilarejo, onde existiam 10 mulheres para cada homem.
Frustada com as tentativas, mesmo realizando todas as simpatias que as velhas mais velhas do lugar lhe haviam revelado, Gina analisou cuidadosamente Francesco. Sabia que o velho tinha uma queda por ela, que pelo menos contava com todos os atributos que a juventude poderia fornecer.
Pois bem, uma tarde aguardou pacientemente que a chuva de impropérios de Genoveva cessasse. Na nova rotina, Genoveva saía entre resmungos, chamando Gina para que a acompanhasse em um passeio, onde continuava a despejar palavras até que a garganta secasse e elas retornassem á casa para tomar o café.
Nesse dia porém, Gina conseguiu levar Genoveva até a casa da velha Vitini, convencendo-a de que poderia, através da leitura em um copo de água, saber se o filho haveria de encontrar a moça que buscava no Brasil e mais ainda: quem sabe, cochichou-lhe ao pé do ouvido, encontrar alguma simpatia que fizesse Apolo sentir saudades definitivas da Calábria e de sua mãe. “ O poder do coração de mãe completa qualquer coisa”, disse, convencendo Genoveva de vez.
Assim que a mulher sentou-se com a velha, Gina saiu e retornou à casa de Francesco, que mantinha-se apático sobre uma cadeira, balançando os chinelos velhos sob uma réstia de luz do sol que entrava pela janela. A vizinha, uma calabreza que tinha humores semelhantes aos de Genoveva, pendurava roupa ao varal e viu quando a moça, fazendo trejeitos, inclinou-se sobre Francesco, deixando o decote mostrar dois montes de seios que ele jamais havia visto na vida.
Mas a tal calabresa nada falou à Genoveva, pois lhe tinha uma birra enorme desde que haviam brigado por causa dos varais que serviam para pendurar a roupa lavada. Genoveva insistia em te-los vagos quando bem entendia, chegando certa vez a expulsar as outras mulheres dalí, aos tapas e puxões de cabelo. Assim, não pôde contar sequer com alguma intriga que lhe abrisse os olhos a tempo de manter o marido esparramado indefinidamente sobre a cadeira velha.
Quando percebeu que alguma coisa andava fora dos eixos, Genoveva confundiu-se. A última coisa que ela poderia imaginar era que Gina tivesse algo a ver com a súbita mudança em Francesco.
Ele passou a tomar banho todos os dias, mantendo desde então o rosto magro cuidadosamente escanhoado. Pior que isso: passou a usar loção após barba, em quantidade tamanha que a casa passou a cheirar, o dia inteiro, a um aroma cítrico.
Boaquiaberta, a mulher não sabia nem quais frases retirar de seu enorme repertório de impropérios para ridicularizar o homem, pois durante quase trinta anos de sua vida o havia mandado tomar banho, chamando-o de suino. Agora arrependia-se, tamanha a quantidade de cuecas que ele punha para lavar.
- Veja Francesco, veja. Esta cueca sequer está suja! - choramingava então, retirando do monte de roupas usadas as peças que, agora, ele trocava duas vezes por dia. O homem, sem se abalar, respondia que, provavelmente, a aparente limpeza das peças era a prova de que os seus olhos estavam fraquejando por causa da idade. E que, pelo sim ou pelo não, de qualquer forma, que se alegrasse e lavasse a roupa, que tanto pedira a Deus que ele trocasse, sem reclamar.
Foi por essa ocasião que, surpresa, reparou que os olhos de Francesco não mais estavam sonolentos, mas abrindo-se claros como o dia e brilhantes como um lago no verão. Cada vez mais cismada e confusa, ela o via sair todo final de tarde, depois da sopa, deixando o seu rastro cítrico do pós-barba, que permanecia pairando no ar - e no olfato de Genoveva - até ele retornar e novamente encher o ar com o aroma.
- Esse seu perfume me arde o nariz! - dizia, na esperança de que ele lhe desse uma resposta atravessada que a deixasse furiosa e lhe permitisse despejar verborréia suficiente para que ele retornasse ao seu odor de coisa guardada e nunca lavada.
Mas Francesco permanecia calado, concentrado em apressar as colheradas da sopa, que engolia mantendo o olhar alheio à cena e preso em algum outro espaço, ao qual Genoveva não tinha acesso algum.
Genoveva começou a sofrer de uma insônia crônica, que iria acompanhá-la pelo resto da vida .
Acordava, pontualmente, fosse qual fosse a hora em que adormecesse, às 3 da madrugada.
Depois de lutar inutilmente com o travesseiro, contando carneiros que acabavam transformando-se em minhocas ou baratas, Genoveva levantava-se e ia observar Francesco, irritadíssima com o sorriso nos lábios e a sua expressão tranqüila durante o sono. “O que é que está acontecendo com esse sujeitinho à toa?”, pensava durante as quase duas horas em que permanecia alí estática, desconsolada por não ter algum poder que lhe permitisse invadir a mente de Francesco e o maldito sonho que o fazia revirar as pálpebras e suspirar.
Por via das dúvidas, tentou por várias vezes conversar com ele, enquanto o pobre encontrava-se imerso em seus sonhos. “Francesco”, repetia ela, tentando, quem sabe, hipnotiza-lo, “Francesco, diga-me, o que há? Por que é que você está tomando banho todos os dias?....”
A não ser em uma ocasião, quando ele roncou forte e disse que a pipa perdera o rabo, ela nunca conseguiu nenhuma resposta (...) (A Colina, de Mirna Monteiro)

Saturday, July 29, 2006

A Arte e o Fauvismo

Matisse


Criar seguindo o impulso dos instintos!

As cores fortes, completas, sem matizes ou qualquer outra alteração. Uma exaltação da cor primária.

Um colorido brutal, a pincelada forte, como se a emoção fosse "jogada" na tela, em formas amplas e ríspidas.

Podemos definir o "fauvismo" dessa forma. Esse termo, aliás, é injusto e teve origem a partir das observações corrosivas do crítico de arte Louis Vauxcelles, após ter visitado uma mostra de pinturas de vários artistas, entre eles Henry Matisse.

Vauxcelles utilizou a expressão “Les Fauves” ao se referir aos artistas. O uso pejorativo da expressão, que pode significar “os animais selvagens”, acabou persistindo e prevaleceu nas críticas imediatamente posteriores.

O fauvismo teve origem no final do Século 19, ao contar com precursores como Paul Gauguin e Vincent Van Gogh. Sua curta duração caracterizaria os movimentos vanguardistas posteriores. Mas foi uma iniciativa ousada na época, sob a liderança de Matisse e adotada por pintores como Georges Braque, Andre Derain, Georges Roualt, Kees van Dongen e Raoul Dufy.

Embora a fase desse tipo de arte tenha sido curta, é inegável a sua contribuição para novas manifestações no expressionismo e realismo, até chegar à arte moderna.

As obras aqui mostradas são de Vlaminck e André Derain, que posteriormente substituiu o prazer visual de sua pintura pelo clássico.

Wednesday, July 26, 2006

Esculpindo grãos de areia






A vida é transformação! Junte-se a isso a arte, mais a fragilidade da estrutura e teremos o maior exemplo de transformação da natureza. As esculturas de areia são o que melhor simboliza essa característica do universo.

Quando o artista trabalha com grãos de areia, ele tem consciência de que sua arte será tão provisória quanto tudo na natureza. O cuidado com as formas que serão desgastadas pelo vento, o fim de sua obra e o começo de outra, pois a matéria-prima utilizada nesta arte será perpetuada em novos espaços e novas finalidades!









Os grãos não
se misturam, mas no
momento em que a
mão do artista umedece
a areia e a trabalha,
consegue transforma-la
de maneira surpreendente.










Ainda que "vivam" a forma
por pouco tempo, as
esculturas de
areia são extremamente
especiais

Tuesday, July 18, 2006

O artista e o tempo



A Holanda comemora 400 anos do grande artista Rembrandt Hermans van Rijn. Extremamente talentoso, Rembrandt mostra dois aspectos que parecem ter sido comuns nos artistas do passado: adorava pintar auto-retratos ( fez isso várias vezes ao longo de sua vida) e teve uma vida difícil, que o abateu e o tornou um homem soturno.

Mas viveu tempos de fartura. Estudou arte com dificuldade, mas quando se casou com
Saskia, neta de um marchand em 1634, mudou-se para um dos bairros nobres da cidade.

Foi quando as encomendas de obras começaram a chegar. Mas o dinheiro não parava em suas mãos, pois Rembrandt vivia colecionando obras e objetos de arte.


Ele foi à falência em 1656, sendo obrigado a se mudar para uma casa menor. Estava abalado com a morte (três de seus quatro filhos morreram logo após o nascimento. Em 1642 morreu Saskia) Rembrandt prosseguiu sua vida, sem grande brilho espiritual, mas sempre excelente como artista. Morreu em 1669


















As várias faces
de Rembrandt
ao longo de sua
vida, retratadas
por ele mesmo.
A vivacidade foi
sendo substituída
por amargura, ao
passar por uma
sucessão de
tragédias pessoais.
Mas permanceu
atento e imerso
em sua arte!

Saturday, July 15, 2006

Filosofia no Apocalipse II


Afinal, reativar o aprendizado e a discussão da Filosofia pode restabelecer o equilíbrio da sociedade humana?

O que está faltando?

Respostas à perguntas que representam a essência humana!

A mentalidade individualista e centrada no capital, que espalhou-se rapidamente após a revolução industrial e a corrida da tecnologia e informação no século XX, não foi "adotada", ou seja, não passou por um processo de consciência e adaptação. Simplesmente foi sendo absorvida e ganhou espaço. Em um único século aconteceram mais mudanças práticas do que em séculos seguidos.

Mas a mudança ficou na superfície.

Qual o motivo da frustação humana?

- Solidão crescente.
- Sensação de vulnerabilidade e de impotência
- Incerteza quanto ao futuro
- Medo e constante ameaça da violência
- Esvaziamento dos valores espirituais
- Descrença e ausência de referência
- Insatisfação pessoal
- Perda da identidade cultural, religiosa e moral

Há problemas de sobra! Se estamos em uma situação tão delicada, é claro que o sistema de saúde acaba soterrado pela demanda.

Insatisfação emocional leva a doenças. É o que se chama de "males da alma". Da mesma forma que a ciência descobre que um chip implantado no cérebro permite que uma pessoa paralisada obtenha resposta de movimento em membros artificiais ou comando em computadores, a depressão e o desânimo desperta mecanismos desconhecidos que levam o próprio cérebro a emitir ordens de desarmonia no organismo.

Então adoecemos!

Cuidar"da cabeça", portanto é a principal ansiedade no momento atual. O problema é que, no desespero de se obter respostas rápidas a essa necessidade, as pessoas acabam se afundando mais, utilizando processos químicos, como anti-depressivos e outras drogas, sem exercitar a mente e treinar "o espírito" para "curar a alma".

O mundo aparenta ser, então, uma grande armadilha para a vida! E o processo de degradação não é contido, pois não foi entendido para ser modificado de forma positiva.

Pensar sobre a vida, discutir suas sensações, ansiedades, medos e angústias, tentar explicar o inexplicável, tudo isso integra o ser humano da era cibernética com a mesma intensidade do homem primitivo.

Não mudamos a nossa essência, embora o cenário tenha se modificado de forma impressionante, mostrando um mundo absolutamente diferente da antiguidade...em sua crosta!

O interior humano é tão frágil e confuso quanto o foi nos tempos da organização do pensamento, durante os primeiros passos na discussão da filosofia.

É bem provável que esta última afirmação seja otimista demais. A nossa fragilidade pode ter aumentado. Quando Sócrates discursava seus pensamentos e, por exemplo, um dos seus discípulos mais conhecidos, como Platão, tentava ordenar o próprio pensamento para expandir o conhecimento que recebia, a sociedade da época era simplificada, as regras de sobrevivência eram muito claras.

Hoje um adolescente não sabe onde está "localizada" a sua capacidade de pensamento. Quer dizer, aprendeu que o mundo é feito de imagens e acontecimentos ágeis, de individualidade (o egocentrismo cresce, como auto-defesa em um meio onde vale tudo e o mais esperto sobrevive) e confusão. Não encontra respostas para suas perguntas, não consegue equilibrar-se sem a base dos valores morais e espirituais, que foram substituídos pela mídia.

Mas intuitivamente ele sabe que o "vale-tudo" não é compatível com família, com comunidade, com sociedade e, portanto, com a sobrevivência humana. Sabe que a diferença entre ele e o computador que manipula, é justamente a capacidade de pensar, criar, transformar, amar, construir, ter fé e sonhar!



QUEM SOU EU?

ONDE ESTOU?

PARA ONDE VOU?


Perguntas que o mundo feito de tecnologia, imagens e pensamentos artificiais não consegue responder. Será que a criança que tiver oportunidade discutir essas respostas não estará fortalecida e terá sua potencialidade emocional, física e intelectual desenvolvida, de maneira a reduzir a enorme distância que se formou entre o mundo onde vivemos e o mundo de que necessitamos para sobreviver?
(Continua)

Participe da discussão!

Friday, July 14, 2006

A Vergonha!


Quando o conceito de cidadania é mutilado, acontece a confusão de sentimentos na comunidade. Um dos resultados é a sensação de vergonha por erros que não cometemos, mas com os quais somos coniventes de maneira indireta!
Segundo os estudiosos de psicologia, vergonha tem a ver "com incapacidade de algum tipo". É um estado que estaria diretamente relacionado à auto-estima.
Dessa forma podemos "morrer de vergonha" de certos atos, fatos, circunstâncias das quais ninguém jamais nos culparia. Por exemplo, podemos sentir vergonha quando pessoas que possuem relevância social ou política cometem atos que colocam em xeque toda uma sociedade ou uma nação.
São situações constrangedoras, que apesar de envolverem aparente disputa individual, acabam por atingir toda a sociedade, como no caso dos últimos acontecimentos políticos, onde acusações passaram a ser banais.
Nesse momento, a banalidade das acusações, quando chega à imprensa e, portanto, à opinião mundial, não agride apenas ao indivíduo ou partido ao qual se destina, mas à todo conjunto social. Um exemplo: dizer que um determinado partido político esconde uma facção criminosa é algo muito grave! Coloca em questão toda a estrutura existente e generaliza o comprometimento a uma situação irregular!
A partir do momento que alguém faz uma acusação ou uma alusão a isso, para depois "sair de fininho" e "esquecer" algo de tamanha importância política, social e legal, está sendo absolutamente irresponsável. Ou seja, lança a intriga no ar, e depois se omite.

A sensação de vergonha e de humilhação, neste caso, atinge todas as pessoas que integram a comunidade. A intriga pode ser poderosa e desastrosa. E neste caso, acaba envolvendo todo mundo, ou seja: a partir do momento em que uma declaração dessas foi feita, assume-se publicamente a responsabilidade de acabar com tal desvario.
Caso contrário, vamos sufocar na vergonha! Afinal, o que somos nós e que tipo de convivência responsável podemos manter, aem considerar a dignidade de nossa sociedade?
Se nos envolvemos na hipocrisia ou na mentira, manipulados por meras palavras, somos intensamente humilhados!
Quando nos envergonhamos, o olhar do outro somado ao nosso desprezo por nós mesmos, torna viver o momento insuportável. Todos existem, todos estão ali, mas o envergonhado gostaria de desaparecer para que a falha que o envergonha não seja percebida. A vergonha coletiva é terrível porque cada cidadão tem de encarar os demais paises do mundo como ser individual e, portanto, como se participasse diretamente do objeto da vergonha!
Tem a ver, a vergonha, com uma depreciação fatal, instantânea de nós mesmos. Para isto não há nem condenação, nem perdão. Portanto, não há absolvição.
Muitas situações constrangedoras são regradas por leis e mandamentos cuja função é nos proteger de passar vergonha. Roubar nos torna culpados, ser pilhado roubando nos faz morrer de vergonha – além da culpa.
Vergonha é paralisante, pode impedir nossa participação em certos eventos. A vergonha é inesperada, desconcertante. Todos desejamos uma sociedade justa e equilibrada, da qual possamos nos orgulhar e a figura de nossos políticos, assim como suas ações, é o nosso espelho!
Dizem que narcisismo e vergonha caminham em paralelo. Quanto maior a vaidade maior o medo da vergonha. Será que nossos políticos e nossa imprensa estão perdendo a vaidade? Por que há tanta leviandade nas declarações, a ponto de comprometer a inteligência e honestidade de toda a comunidade?

Wednesday, July 12, 2006

A força do Expressionismo

Cores fortes, muitas vezes irreais, que ressaltam, ampliam, os sentimentos, figuras meio deformadas, mas de maneira a evidenciar a expressão, dramaticidade.
Estas são as características do expressionismo, que é definido também como a arte do instinto. Ele parece trazer as sensações das profundezas da mente, com plasticidade evidenciada.
Como pode-se observar nesta tela de Lazar Seggal (Brasil) e em tantas outras dos mestres do Expressionismo na Europa, como Paul Gauguim, que viveu entre 1848 e 1903 (o começo do século foi marcante para o surgimento de vários pintores do expressionismo na Alemanha) e chocou os classicos com suas obras de cores intensas, principalmente o vermelho, Paul Cèzanne, Van Gogh (1853 a 1890), Toulous-Lautrec (1864 a 1901) e Munch (1863 a 1944), entre outros famosos pintores.


O Expressionismo brasileiro, na arte de Anita Malfatti

Wednesday, July 05, 2006

O horror da guerra


(...)Uma noite, algo ocorreu. Alan acordou com a voz de Emma entoando um canto desconhecido. Ela estava sentada, com as mãos levantadas, os olhos abertos e fixos em algum ponto.

- O que aconteceu, querida? – perguntou preocupado.

Passou a mãos em sua face e percebeu que ela não estava acordada. Um ataque de sonambulismo ou uma espécie de transe, pensou ele, não conseguindo deixar de sentir gelar o corpo quando, em tom grave e ritmado, ela começou a falar.

- Muitos estão morrendo e há tanta dor, que os que amam aos que se vão não tem mais lágrimas para derramar. Estão secos como o tronco arrancado de sua raiz. Há dor, muita dor!... – As lágrimas começaram a escorrer pela face de Emma, tantas que ensopavam a camisola que vestia.

Mas ela não se mexia.

- Quem está sofrendo? – perguntou Alan, que a esta altura, sentia crescer uma sensação de medo dentro dele, embora não soubesse exatamente porquê.

- Muitos...homens, mulheres, velhos, crianças...oh, meu Deus, as crianças! Morrem como formigas sob as botas deles...- ela parou e recostou-se, caindo sobre o travesseiro. Alan achou que ia adormecer novamente, mas Emma continuava com os olhos abertos e uma expressão de terror no rosto.

- As botas pesadas de sangue estão chegando... vão invadir a Polônia e marchar sobre a Dinamarca...outros lugares mais...sobre Paris.... Muitos vão se render à essa marcha de sangue!

-Mas quem vai causar tudo isso?- perguntou Alan, atônito com a firmeza de seu relato. Ela parecia descrever cenas que assistia.

- Há culpados e inocentes, de ambos os lados....de todos os lados....Não há heróis nessa matança... – as lágrimas continuavam a escorrer, fartas – Oh, meu Deus! Há vilões que se fazem de heróis, todos somos enganados....os inocentes são trucidados.....

Dito isso, fechou os olhos!

Alan esperou, mas Emma parecia ter adormecido.

Ficou velando por ela, até amanhecer. Enquanto observava o seu sono, tentava entender as
palavras que ouvira.

A Europa vivia uma crise, raciocinava, que começara muitos anos antes, quando o recém-nomeado chanceler na Alemanha, um homem chamado Hitler, havia iniciado perseguições aos comunistas, social-democratas e judeus. Diziam que em poucos anos os judeus haviam perdido a cidadania alemã, sob alegação de que eram inimigos do Estado e eram deportados.

Nas discussões que mantinha com os amigos, Alan defendia o direito de cada país reorganizar sua economia e sua sociedade e a deportação dos judeus não soava tão cruel. Mesmo quando um desconhecido lhe contou a respeito de uma noite em que ruas inteiras, em todo país, pareciam cobertas de cristais, tamanha a quantidade do quebra-quebra encetado contra os judeus, ocorrida no final de 1938, não havia se impressionado, embora criticasse a dureza com que os nazistas alemães haviam tratado redutos de judeus, queimando sinagogas e quebrando os vidros das vitrines das lojas e das casas da Alemanha e da Áustria.

- Você testemunhou assassinatos? – perguntava, incrédulo.

O homem, um polonês que havia vivido uma complicada história de amor com uma alemã judia, respondia que era óbvio.

- Não vi os campos malditos de que falam, mas assisti a violência e assassinatos nessa noite. Dizem que milhares foram torturados, mortos e deportados.

- Por causa do assassinato do diplomata Ernst von Rath em Paris por aquele jovem judeu?

- É o que dizem. Conversa! Há muitos anos os judeus são o alvo. Seus bens são confiscados! Além disso, algo soa mal...dizem que o risco é grande, que não seria apenas uma questão de retomada do poder econômico pelos arianos dentro da Alemanha. Soube de Guernica?

- Que Guernica? Não sei nada a respeito!

- É uma cidadezinha basca, eu creio. Dizem que foi bombardeada e dizimada por causa de um carvalho, símbolo da força espanhola!

-Ah, fantasias!

- Por que bombardear camponeses indefesos? Aí tem coisa! Não ouviu nada sobre Franco e a guerra civil na Espanha?

- Mas que bobagem! Se assim fosse, os grandes países não manteriam negócios com a Alemanha!

- Bom, nada sei quanto à esse lugarejo, mas acredito que a caça aos judeus não é o fim, mas o começo de algo sinistro!

Alan passava o tempo todo pensando sobre os riscos. Enquanto a violência não o ameaçava, ela não passava de ficção. Mas agora parecia cada vez mais próxima e real!

Ninguém acreditava nos boatos de que judeus eram assassinados em tamanha quantidade, que as suas covas tinham o diâmetro de crateras, onde os corpos eram jogados. Seria absurdo demais! Da mesma forma que era impossível acreditar que essa organização interna levasse realmente à invasão de países fortes como a própria França ou que Hitler, agora chefe do Exército e das Forças Armadas alemãs, se atrevesse a um ato desses.

A França esquivava-se da guerra e apenas ocasionalmente sondava o território alemão em seus aviões.

No entanto... – Alan tentava entender, enquanto observava Emma –... no entanto a maneira como ela havia falado em seu sono, parecia uma premonição.

Emma agiu normalmente quando acordou e durante todo o dia, como se nada houvesse ocorrido.
Em dúvida, Alan achou melhor não tocar no assunto.

Mas quando, duas noites depois, sentiu o corpo de Emma enrijecer durante o sono, não teve mais dúvidas de que ela se referia mesmo a um risco imediato.

Nessa noite, da mesma forma que a anterior, como se relatasse cenas que aconteciam em sua mente, Emma falou sobre o poder do ódio e a manipulação das massas. Falou da mentira que se escondia e que o pecado da tirania e do despotismo sádico era apenas o começo da sede do poder absoluto sobre a terra, que parecia começar ali na Europa, mas que no futuro espalhar-se-ia como bolor sobre outros continentes.

- Há inocentes e culpados de todos os lados, não há heróis...A guerra que se inicia vai perdurar por alguns anos e todos tremeremos. Ao final dela restará o que temos na Europa e outros dois vão imperar no poder mundial...E a mentira não será extirpada, mas recairá sobre a terra e esconderá um novo período de dor sob o futuro...

Disse isso em alto e bom tom e imediatamente dormiu. ( "O Círculo", de Mirna Christhensen-MM, capítulo XII, livro I)