
Nos tempos primitivos a preservação da vida passava pela violência. A selvageria humana foi de certa maneira justificada em fases de grande dificuldade de sobrevivência.
Em tempos mais modernos Jean-Jacques Rousseau, que merecia o titulo de fundador da etnologia, afirmava que o estado natural do homem é selvagem. E se assim fosse, seria fundamental que houvesse consciência da necessidade da civilidade.
Rousseau, um pensador e pesquisador que pertencia a uma época absolutamente primitiva em termos de tecnologia, pelos idos do século XVIII, já dizia que a sobrevivência humana dependia da sociedade civil. Um pacto com toda a comunidade, o que permitia vantagens para a preservação da vida, da liberdade, da preservação da propriedade, da igualdade, enfim, dos bens e da segurança.
Se ele viajasse no tempo, ficaria surpreendido ao chegar neste terceiro milênio e verificar que o ser humano não mudou nada! Sem dúvida ficaria satisfeito com a precisão de suas observações a respeito da selvageria humana.

Tenta-se há séculos definir regras claras para conscientizar o homem e criar um ambiente de coexistência pacífica e produtiva. Como isso tudo fica dependente do respeito às leis as quais todos devem submeter-se igualmente e a convivência entre os homens está atrelada à responsabilidades mútuas óbvias, parecemos um caranguejo na areia quente.
Agora a intenção é dar um basta à violência a partir de sua raiz! Como? Proibindo que a educação utilize qualquer ato agressivo contra as crianças.

Aí, nesse ponto, costuma-se ouvir uma exclamação indignada: mas como? Nem uma palmada?
Vamos considerar o seguinte: vivemos em tempos mais selvagens do que a natureza de Rousseau poderia imaginar. A selvageria humana não tem espaço em um mundo tecnológico e sem valores. Qualquer animal dos velhos tempos protegia a sua cria para garantir a sobrevivência, mas chegamos ao ponto em que uma genitora coloca seu bebê recém-nascido em um saco e o joga no lixo!
Chocante!
Isso nos leva a pensar como é possível uma sociedade que briga pela vida das baleias e golfinhos e percebe que a natureza é de uma preciosidade inimaginável, abrigar elementos que jogam criancinhas no lixo! Ou as espancam a ponto de matá-las ou aleija-las, ou criando graves problemas psicológicos que afetarão a sua conduta quando adulto!
Logicamente uma palmada não causa necessariamente estragos físicos em uma criança de bom porte. Mas como o ser humano interpreta a vida ao sabor de seus desvios e exageros, o chamado "corretivo" transforma-se em tortura corporal e mental, que causa danos irreparáveis e vai influenciar a vítima ao longo de sua vida adulta.

Por incrível que pareça há pessoas que acreditam que os filhos são sua propriedade. Mas uma criança não é um bem de consumo e não tem dono. Todo ser possui a liberdade individual inata, natural, ainda que o ser humano seja absolutamente dependente de cuidados em sua fase inicial de vida, muito mais do que qualquer outra espécie.
O que a sociedade precisa entender é que ao gerar um filho o casal não "ganha um bem", mas assume uma grande responsabilidade!
A responsabilidade legal e moral de criar e proteger aquele ser, que deverá ser liberado quando for autossuficiente. Quanto maior o cuidado com suas necessidades, melhor ele responderá ao convívio com a família ao longo de sua vida. E melhores condições de enfrentar o meio terá!
É possível educar um filho sem o castigo físico? Obviamente que sim!
Há uma enorme diferença entre educar com firmeza e responsabilidade e ignorar os problemas para tentar corrigi-los depois com uso da violência ou da imposição do medo. Se a criança não responde a uma orientação e à atitude firme dos pais algo está errado! Esse "algo errado" pode estar nos próprios pais.
O ser humano, em sua origem, sempre buscou resolver seus conflitos de interesses através da violência e da superioridade sobre o outro. A superioridade da força muscular, da capacidade inventiva de armas e a superioridade intelectual. Os adultos tem esse grupo de poder sobre a criança. Nada mais justo que não utilize a força física para agredir um ser indefeso.
A agressão não passa de uma maneira de se livrar de um problema sem precisar resolve-lo. A violência gera medo, não educa em absoluto. O que educa é a atenção, a firmeza do caráter dos pais, o interesse pela criança e a afetividade amplamente demonstrada, a disposição de conversar e interagir.
Uma criança que sente segurança e confia nos pais será sempre uma pessoa acessível a educação e fases de maior carga emocional e mudanças são mais facilmente superadas.
Abusos contra crianças devem ser sempre denunciados.
O que é que os outros tem a ver com a educação de nossos filhos?
Tudo!
Como se sabe, pais não são "donos" de seu filhos, mas responsáveis por eles. E por tudo que eles representarão no futuro em sua participação no meio comunitário!
De que maneira isso poderá repercutir no futuro?
Se conseguirmos evitar a violência contra a criança, conseguiremos reduzir drasticamente a violência no meio social, obtendo talvez mais sucesso no controle da "selvageria" que habita o ser humano.(Mirna Monteiro)
