Tuesday, June 24, 2008

Diálogos da maturidade

literatura

-Vivência vulgar? Você acha que temos uma vivência vulgar?
-Meu amor, eu não disse que nós temos uma vivência vulgar, mas tenho certeza de que esta discussão é vulgar e sem propósito.
-Ora!...
-Liandra, veja bem, temos conceitos de felicidade, que nos enfiam goela abaixo desde que nascemos. A mesma cultura que faz de nós robôs obedientes, exige um tipo de compreensão que jamais nos será permitido descobrir. Frustamo-nos e nos destruimos por isso. É o escorpião ferrando o próprio lombo. Se todos sabemos o quanto toda essa limitação e materialismo nos impede de pensar, por que perpetuamos essa situação? Por que obrigamos nossos filhos a chorar as mesmas lágrimas que choramos?
-Não entendi!Você, depois dos oitenta anos passou a falar por enigmas!
-Quero dizer, minha querida, que se nos permitíssemos olhar a alma e tentar entende-la, poderíamos vivenciar o amor da forma mais plena possível. Quando sonhamos não existem barreiras, podemos tudo no sonho e o hábito da liberdade, dentro dele, mostra uma responsabilidade natural. Não nos violentamos, ao contrário da nossa vida real, onde somos obrigados a seguir um modelo e nos adequarmos a ele. Por isso nos frustamos e não crescemos, nos rebelamos e nos destruimos. Mas se deixarmos fluir o sentimento, encaixe ele ou não em modelos, poderemos sentir a plenitude.
-Você acha que estes últimos 30 anos em que vivemos juntos, foram plenos?
-Sim, minha querida, eu acho. Quando nos conhecemos já tinhamos tido meio século de vida para os erros. Pois não estamos aqui, envelhecendo juntos e ainda buscando entender? Esta é uma grande responsabilidade. De fato, todos temos que assumir a responsabilidade sobre o sentimento que despertamos em outros. Não podemos tratar com displicência a emoção.
-É, concordo com isso. Pessoas não podem ser descartadas como uma peça de roupa ou um relógio velho. Sempre me assustou muito a maneira como se trata o assunto. Imagina que loucura, você se envolve, forma uma familia e tem filhos. Aí chega à conclusão que não era bem isso que queria e parte, se envolve novamente, tem mais filhos e também os deixa!
-Veja bem, essa é a perseguição do desejo. Algo que nunca se encontra, é a pessoa em eterna frustação. É como uma fuga da própria sombra.
(trecho de "O Eco")

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