Wednesday, March 13, 2013

REALIDADE E IMAGINAÇÃO



Como você vê o mundo, extremamente influenciado pela mídia, ocupado por imagens ficcionais que invadem a realidade? 
E no caso da realidade invadir o virtual?
Bombardeios e fuzilamentos estão sendo noticiados, seja na Palestina, na Líbia ou em qualquer lugar do mundo, mas apesar de causar impacto na vida das pessoas a consciência de sua dimensão fica comprometida  por um processo interessante: quanto maior a vivência da ficção violenta, através de filmes e games, mais a realidade se mescla à fantasia na mente humana!
Essa condição vez por outra se torna bastante evidente. Quando Saddan Hussein foi enforcado, a realidade ou não de sua morte naquele cenário foi contestada por muita gente. Um jornalista egípcio sustentou que o ex-ditador iraquiano não estava ali e sim um sósia dele. Segundo esse jornalista Saddan nunca foi capturado pelos EUA.
O que é realidade? O que seria ilusão?
A linha divisória entre a realidade e a ficção está cada vez mais tênue e experiências demonstram que o cérebro humano anda confundindo o real e imaginário. Para quem cresce em um mundo de imagens, onde a violência virtual é exagerada, a interpretação do terror e destruição no mundo real fica comprometida.
Em um mundo repleto de informação e imagens, reais e ou virtuais (que parecem extremamente reais), não são apenas as pessoas que passam horas imersas em uma tela do computador que sentem seus efeitos.
Também a mídia eletrônica, através da televisão, e a ficção elaborada que vai às telas do cinema parecem provocar mudanças na percepção das pessoas.
Muitos relacionam esse “descontrole” perceptivo também ao tempo. A terra parece girar mais rapidamente, por exemplo. O excesso de imagens e acontecimentos também torna o dia extremamente curto.
Se a percepção humana está sendo afetada por diferentes fatores – como bombardeio de informação, imagens, mundo virtual e confusões com horários elásticos, podemos supor que a capacidade de orientação e o próprio raciocínio ficam comprometidos.
Por isso há pessoas que não acreditam nas próprias previsões da ciência, como as conclusões das pesquisas científicas acerca da temperatura do planeta ou de riscos cataclismicos. Ou embora aceitando a validade das pesquisas, não conseguem imaginar-se dentro da realidade. Pelo menos não desse tipo de realismo ameaçador.
Tragédias reais não são ameaçadoras, até o momento em que algum fator a torne próxima o suficiente para interferir em sua rotina e, portanto, a situação ganhe contornos individuais e pessoais. As informações científicas são interpretadas com o mesmo espanto e terror imediato de um filme tipo “The day after”, ou documentários com rigorosa base científica são interpretados como probabilidade remota que permanece no consciente  até a saída do cinema e a colherada de sorvete.
Esta possibilidade é aterradora, considerando que o hábito à violência ficcional pode ser assimilado pela mente humana como rotina real. Agressões, tiroteios, grosserias, tudo isso passa a ser reconhecido como "natural" ao meio, ganhando certa familiaridade. Os vilões do mal não podem ser tão fortes e charmosos ou vencer os "do Bem", como anda pregando nossa ficção. Há filmes onde o assassino profissional ganha um perfil "humano" e simpático. Mas quem assassina outro ser não pode ter "perfil humano",  pois invade o espaço alheio e destrói uma vida.
Em mentes perturbadas, essa relação pode facilmente desencadear comportamentos antes reprimidos pelo meio. A vida humana torna-se reles e dispensável, como as dos zumbís que tem suas cabeças explodidas pela arma do jogo virtual.
Há quem diga que toda essa violência ficcional tem o objetivo de transtornar as sociedades e implantar o caos, no mais absoluto exemplo teórico das conspirações do mundo moderno. Independente de qualquer exagero ou transtornos, a verdade é que começamos a enfrentar um claro desequilíbrio entre o real e o imaginário, com consequências muitas vezes dramáticas. Misturar realidade e ficção poderia não ser uma influência tão nefasta se houvesse maior atenção a fatores de comportamento que auxiliam a manter uma relação saudável com o meio desde a infância.  (Mirna Monteiro)

Friday, March 08, 2013

A MULHER FRAGMENTADA

Mulheres são sensíveis, inteligentes, agradáveis, desagradáveis, burrinhas, alegres, tristes, humanistas, defensoras da vida e dos filhos, cruéis até com a própria cria, desleixadas, cuidadosas, verdadeiras, mentirosas, geradoras da vida, assassinas, boas, más, ingênuas, maliciosas, políticas, apolíticas, versadas, cultas, ignorantes e analfabetas, coerentes, perplexas, abobalhadas, amorosas, odiosas, conscientes, inconsequentes, com capacidade de compreensão da vida ou completamente ineptas para entender seu semelhante...
Qualidades e defeitos, concepções e realidade. Ao tentar definir a mulher como um ser que foi modelado em uma mesma forma, erramos. Impossível definir a mulher.
Mais do que nunca, a mulher é um ser imprevisível e desconhecido. Nos velhos tempos a mulher era a geradora, a protetora, a "cola" que unia a família, que se equilibrava sob sua sensibilidade e força. Nos novos tempos essa mulher assumiu diferentes personalidades e objetivos, onde os critérios de importância se tornaram flutuantes e indefinidos.
Por isso quando tentamos esteriotipar a mulher de hoje, ficamos confusos. Para quem busca as qualidades que seriam inerentes ao feminino, há risco de encontrar fragmentos  de alguma explosão, que precisam ser pacientemente analisados e reunidos como um quebra-cabeça.
Há mulheres absolutamente dispostas a encarar o mundo sem sequer considerar qualquer limitação do elemento feminino, de maneira radical. Mas temos também mulheres que preferem assumir as funções que seriam exclusivamente femininas, tradicionais. Mas há mais: entre esse e outro aspecto, encontramos variações imensas de comportamento. Por exemplo, há mulheres que trocaram a sensibilidade pela praticidade; a emotividade pela agressividade e egocentrismo, características antes consideradas masculinas; há também quem não queira de forma alguma ser mãe, enquanto mesmo aquela que não tem vocação para a maternidade traz ao mundo novas vidas apenas para livrar-se do risco da solidão, sem consciência da importância do cuidado e da dedicação a um filho.
Como se vê, as mulheres hoje possuem modelo variado e características múltiplas. Não cabem em uma única definição, como insistimos em acreditar.
O que não quer dizer que a mulher hoje tenha menos qualidades do que a de ontem.
Por outro lado, generalizar o elemento feminino como perfeito em seu caráter, também não dá. Afinal temos aí nas estatísticas um aumento de mulheres marginais ou malvadas o suficiente para sufocar a própria prole e para causar indignadas lamentações sobre como o mundo se perde e se auto-destrói na confusão da perda de valores.
Está feita a confusão!
Se a mulher fragmentou-se em sua essência, o Dia da Mulher ficou confuso, politicamente incorreto, culturalmente exagerado, ainda que essa referência ajude a entender o imenso quebra-cabeça social e político que começou com naturalidade na sociedade primitiva, com sufocamento em conhecidas fases históricas e que hoje tenta enquadrar a mulher em moldes que tem tamanhos diferentes, mas são igualmente sufocantes.
Mulheres não são a base da vida por definição. Há mulheres que o são.
Há mulheres que cumprem com tranquilidade o seu papel natural, independente de serem um poço de informação, acumulando títulos universitários ou ignorando a profusão de acontecimentos que convulsionam a sociedade.
Há também mulheres heróicas, que defendem a vida, a paz, a união e o equilíbrio.
Há mulheres que não estão nem aí!
O que talvez valha a comemoração é o fato de que o feminino que gera e defende a vida ainda é maioria neste mundo cheio de conflitos. Seja qual for a atuação dessa mulher ou maneira como ela enfrenta o preconceito subliminar ou direto, ela age positivamente e ajuda a melhorar a vida, proporcionando esperança e ajudando a criar seres - homens e mulheres- conscientes para um futuro menos dramático.
Para estas pessoas o Dia da Mulher deve ser realmente comemorado. Porque não é moleza. Parabéns a você! ( Mirna Monteiro)

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http://artemirna.blogspot.com.br/2012/03/o-desafio-de-ser-mulher.html

Friday, February 22, 2013

BOM SENSO E O DIABO

O senso de justiça está cada vez mais espremido pela lógica de sobrevivência instintiva e individualista. O que seria isso? Cada um arrisca a sua interpretação do que seria justo, mas infelizmente com base em conceitos e deduções impostas pela ficção que pretende distrair, mas que acaba atuando subliminarmente na consciência dos desavisados.
Até que ponto a Justiça fica comprometida com as distorções do mundo moderno, onde as imagens e o apelo da mídia predominam sobre a razão imparcial, ainda não está bem definido. Mas parece que a interpretação de fatos mistura ficção e realidade. 
O interessante é que temos hoje os extremos bem delineados e visíveis a qualquer observador: quanto mais aumenta a informação e a consciência popular a respeito do que seria o senso de justiça, mais são "aprimoradas" as táticas da distorção da verdade e, portanto, dos objetivos da aplicação das leis.
Nos julgamentos acompanhados pela grande mídia assistimos a um festival de estratégias que lembram um jogo, onde a verdade não é necessariamente um componente de destaque. Pelo contrário, como nossas leis preveem que o sujeito em julgamento não precisa fornecer provas contra si mesmo (óbvio) a interpretação vai solta e sem constrangimento algum na utilização de argumentos construídos ficcionalmente. Ou seja, a mentira corre solta nos tribunais, não como exceção discreta, mas como norma da defesa.
É uma situação absurda. Nesse caso provas coletadas cientificamente são contestadas pela defesa de um acusado, digamos de homicídio, não de maneira fundamentada, mas aleatória, conturbando o senso da realidade.
Parece ficção. No filme "O advogado do diabo", baseado em um romance do australiano Morris West, o advogado idealista na luta pela justiça acaba corrompido, seduzido por dinheiro e posição social. Acaba arrependido, após descobrir que a sua ganância trouxe a desgraça para muita gente, inclusive para ele próprio. A história mostra um desfecho que alivia a tensão de quem está torcendo contra o diabo. Afinal, pretende-se que a arte imite a vida. Ninguém quer que vilões terminem sempre ganhando.
A realidade pode ser bem mais complicada do que as páginas de um livro. Para quem acha que o circo armado para confundir julgamentos é consequência natural e pode ser controlado pela lógica de quem julga, inclusive em júris populares, é bom lembrar que o abuso é tamanho que o senso de justiça fica realmente comprometido e o resultado justo submetido a uma espécie de roleta russa. Pode ou não atingir o objetivo.
Essa liberdade em mentir ou esse "vale-tudo" nos nossos tribunais repercute naturalmente na ordem social. Não há punição para advogados que jogam com fantasias e distorções, na mentalidade que levou ao esteriótipo do "advogado do diabo", que define defesas sem escrúpulos no âmbito do sistema judiciário.
O fato reduz a credibilidade na justiça.
John Rawls filosofou a respeito, comentando que as leis são diretrizes direcionadas à pessoas racionais que tem o objetivo de viver em um sistema de cooperação social. Mas nem sempre as leis ou o cumprimento delas são expressões institucionalizadas da justiça.
O problema, lembra, é o fato de que a injustiça pode comprometer o sistema de cooperação social. Ou seja, quando toda a estrutura existente, criada para fortalecer esse meio, é neutralizada por fatores que não tem o objetivo comum, ocorre uma crescente desorganização social.
Se é permitido todo e qualquer argumento, mesmo que seja evidentemente falso ou com intenção de deturpar a verdade e prejudicar o objetivo da justiça, sem clara punição a quem se utiliza maliciosamente desse recurso, não há como exigir fora dos tribunais o senso da justiça e portanto a obediência civil ou cooperação da massa.
Não falamos aqui apenas dos grandes assassinatos, que acabam integrando o folclore popular, mas da justiça em todas as suas instâncias, mesmo em decisões de pequenas causas ou em questões cíveis, que podem não ser dimensionadas pela mídia, mas que são como a água sobre a pedra, provocando ao longo do tempo o descrédito no sistema judiciário. (Mirna Monteiro)

Wednesday, January 02, 2013

BOIANDO NO TEMPO


Andam dizendo que o tempo não apenas não para, como anda apressado demais. Quer dizer, volta e meia alguém faz um comentário a respeito da velocidade do tempo, como se a Terra girasse a cada dia mais rápido.
Se assim for, vamos nos transformar em um pião no cosmos. Lembro de uma frase de Garcia Marquez, que como todo bom escritor também é um pensador, a respeito do tempo. Algo que reivindicava a consciência divina sobre a pequenez humana: "Dormiria pouco, sonharia mais, porque entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz"...
Se fechamos os olhos um terço do tempo de nosso dia, significa que um terço de toda uma vida passamos dormindo. Digamos que alguém com noventa anos dormiu pelo menos trinta anos. A não ser os mais insones. 
Mas, que me perdoem os exagerados, acredito que aqueles que não fecham os olhos não enxergam direito detalhes interessantes da vida. Isso quer dizer que dormir - e sonhar - é fundamental para poder aproveitar os outros dois terços do dia e portanto de uma vida inteira, dure ela quanto durar.

Assim sendo, parece que não devemos abdicar do sono sagrado, pois ele significa vida. É a ponte que nos permite atingir o mundo inconsciente e as incríveis sensações que eliminam a responsabilidade pesada do mundo material. Nesse caso, não seria o esse momento o causador da tragédia da sensação de vida fugaz, do tempo cada vez mais curto e do dia volúvel, já que ninguém está reclamando que a noite passa depressa demais e sim o contrário...o tempo está correndo quando nossos olhos estão distraídos e não adormecidos!
Há previsões e ameaças boiando nesse tempo que parece estar sendo furtado aos pedacinhos. Uma delas afirmava que o mundo acabaria em 2012. Vamos ver....já estamos em janeiro de 2013 e nossa percepção do tempo corrido ainda é realidade.
Melhor não ficar de olhos distraídos.
Olhos distraídos, olhos atentos...Há pleno sentido na afirmação de que o mundo existente é o mundo passado. É aquilo que construímos! Mas o anseio humano na forma de inquietude ou como sonho acordado, é a vela que leva a outro mundo.
A mudança integra o elemento humano. É uma questão de optar por um mundo novo, que Huxley sonhava desesperançado, sentindo-se humilhado pelo realismo. Hoje a necessidade de imaginar um mundo novo é mais urgente.  Com tamanha desordem da emoção humana, parece ser o único trajeto palpável!
Prestando bem atenção, parece que aquele que fecha os olhos para o sono- ou o sonho -é aquele que consegue dominar o tempo em sua vigília. Enquanto que o insone vive espremido pela rotação da Terra. Ah, a Terra que, como dissemos, está virando um pião no espaço!
Mas como tudo é relativo no tempo e no espaço... (Mirna Monteiro)

Sunday, December 30, 2012

É O FIM DO MUNDO

" ...Pois bem, foi no Club, no sábado, que os boatos começaram.
Estavamos sentados, como sempre, eu, o Orlando e Alan Laplete, observando um grupo jogar cartas na mesa contígua à nossa. Alan, o mais idoso de nós, nos seus 45 anos, foi quem tocou primeiro no assunto.
- Parecemos todos hoje desanimados em demasia.
- Final do mês - resmungou Orlando, sem tirar os olhos das cartas ao lado - Todo fim de mês é a mesma coisa. Cansaço! Temos o balanço da fábrica para concluir, não é Carlos?
Concordei com ele. Alan balançou a cabeça, soprando fumaça sobre nós.
- Bobagens! Que cansaço? Estamos todos com a pulga atrás da orelha!
- Alan, você não irá tocar nesse assunto! De novo não! Todos sabemos que isso é criação de quem não tem o que fazer na vida, a não ser assombrar a sociedade.
- Assombrar? Sim Carlos, é certo. Assombrar sim senhor, mas com um fundo de razão. Não é invencionice, meu amigo, é ciência, é ciência!
- Ora! - interveio Simão, que até o momento parecia alheio à conversa - Quer dizer que é científica a afirmação de que o mundo vai acabar?
- Espera aí, meu caro - Alan franziu o cenho - não tumultue a conversa. Os cientistas não estão dizendo que o mundo vai acabar. Apenas...bem, todos sabemos a grande carga de desgraças e mudanças que a passagem de um cometa pode trazer...especialmente nas proporções desse que vem aí!
- Sei. Quer dizer que o cometa tem um poder tamanho desses? Essa pulga vaporosa do espaço? Ora senhor Alan, todos sabemos que não é o primeiro cometa a passar por nós! Quantos já não riscaram nossos céus? A terra continua aqui, inteira! Toda mudança de século carrega o peso das fofocas estelares que vão acabar com o mundo! O mundo, oras! Acreditar em sandices nos tempos modernos de 1910? Grandes pulhas!
- O senhor Simão queira desculpar-me. Acho que não soube ser claro o suficiente para expressar minhas ideias. Não quis dizer que acredito que esse astro irá chocar-se com a terra e arrebentá-la, pondo fim a todos nós. Apenas que a sua passagem está sendo muito discutida e cogita-se, sim, cogita-se, a possibilidade de que venha a afetar todos nós.
- Desculpe-me interrompe-los, mas há uma razão quando se diz que não é a primeira vez que seremos visitados por um cometa. Saibam que a história registra quase mil e setecentas aparições do tipo - segredou Orlando, provocando um ligeiro suspense na conversa.
Simão olhou para ele, parecendo aturdido.
- Mais de mil?
- Mil e setecentas aparições!
- O que me espanta, caro Orlando, não é o numero em si, mas o seu conhecimento do assunto...andou pesquisando a respeito, confessa!
- Que é isso? Acha que me impressionei com falatórios? Todo mundo sabe disso...
- Não, não senhor! Andou pesquisando o assunto, não é assim? Carlos, está o Orlando comparecendo aos horarios certos no trabalho? Pois a mim parece que ele tem perdido o sono com medo desse tal cometa, hehehe...
- Não estou com medo coisa alguma! Ainda que seja verdade e que esse cometa seja o arauto do fim da humanidade, de que me valeria ter medo? E serei eu homem de temer alguma coisa, ainda que seja o fim do mundo? Não senhor! O que é isso?
- Calma amigo - tentei corrigir, vendo que os ânimos se acirravam - não há ninguém que possa acusa-lo do que quer que seja! Ademais é possível que esse tal cometa sequer passe aqui tão perto. Talvez os cientistas tenhan confundido o seu percurso. Não me parece tão fácil calcular a trajetória de um corpo celeste, como o é o da rotação da terra.
- Pois eu não tenho medo mesmo! Agora, se quer saber Simão, acho que Alan está certo. Esse cometa deve trazer muita desgraça, quiçá o fim de todos nós! A ciência é capaz de calcular tudo isso sim senhor, estamos em um novo século, entramos no século XX! Hubert Anson Newton afirmou que se existissem um milhão de cometas de órbitas quase parabólicas e que chegassem a menos de 150 milhões de quilômetros do sol, 9 mil passariam a ter bordas elípticas com período inferior a mil anos, em virtude da ação de Jupiter, 240 pela ação de Saturno e dois pela ação de Urano e Netuno! Disse isso tudo há anos atrás!
Orlando parou de falar, ofegante e satisfeito.
No silêncio que se seguiu, sentiu-se incomodado.
- Que houve? Não tive a intenção de apavorar vocês!
Simão balançou a cabeça, de boca aberta.
- Eu não entendi  nada!
- Espera, espera! - interrompeu Alan Laplet. Parecia aturdido e arregalava os olhos, mastigando nervosamente o charuto - Ele tem razão!
- O que? Que razão? Ninguém entendeu nada! - repetiu Simão
- Ele tem razão! Digo que o tem, ora, como nao?
Silêncio.
- Não é preciso entender, senhores - continuou Alan - Basta captar o seguinte: todos sabemos que os cometas aí estão! Sim, muitos passaram por nós, provocando cataclismas. Ora, esse que aí está chegando é o maior de todos que a ciência já conheceu! E passará tão perto de nós que poderemos ver sua cauda flutuando no céu! Quem garante que realmente não subirá marés e convulsionará o centro da terrra?
Ninguém se movia, escutando Alan.
- Senhores, pensem! Poderão acontecer terremotos monumentais, maremotos, pragas, talvez a peste ressurja dessa convulsão!
Todos estavam absorvidos pela premonição e não repararam que no salão ocupantes de outras mesas haviam parado de tagarelar amenidades e pareciam petrificados olhando o grupo, em suspense pelo desfecho daquela discussão terrível, como se ela fosse decidir o destino de todos ali e dali afora.
- Quiçá....veja bem...quiçá esse cometa possa cair sobre nós, como está previsto no Juizo Final! Aí então nada se salvará, nem nossas almas! - arrematou Laplete.
Ninguém se aventurava a responder. Por fim Simão, visivelmente irritado, emborcou o restante da bebida de seu cálice, cravando os olhos em Alan Laplete.
- E se assim for, você vai fazer alguma coisa ou simplesmente continuar babando nesse seu charuto?
Sem ofender-se, Laplete olhou o charuto mordido e melecado de saliva e o jogou na escarradeira ao lado, limpando os lábios antes de falar.
- Fazer o que, meu amigo? Não podemos agarrar esse cometa pelo rabo e manda-lo assombrar outra freguesia....é entregar-se na mão de Deus!
As palavras soaram com um ribombar profético no ambiente. Apesar de ainda ser cedo, o salão esvaziou-se rapidamente.

Fiquei impressionado. A ameça do cometa já causava estragos. E eu pensei se realmente deveria ficar preocupado, senão com cataclismas, com o futuro da minha fábrica de chapéus...mal sabia eu o que iríamos enfrentar! ( "A Cauda do Cometa", cap. III- Mirna Monteiro)

Friday, October 05, 2012

VIDAS DISTORCIDAS


Vinte milhões de pessoas no mundo tentaram acabar com a própria vida durante o ano. Pelo menos um milhão conseguiu morrer por métodos variados, alguns inesperados. Os dados são da ONU e projetam a escala crescente de atos suicidas.
O que leva a um aumento tão dramático do suicídio? Essa ação acontece com maior frequência em países do leste europeu, como Lituânia e Rússia, mas sempre manteve uma ocorrência considerável em outros países com cultura e ambiente diferentes, como o Japão.
Nos últimos tempos atentar contra a própria vida tem ocorrido de maneira inesperada. Soldados americanos por exemplo. No mês de julho o Pentágono foi surpreendido com um número recorde de suicídios nas tropas: 38 soldados!
Mas a pressão psicológica não se limita à tropas de combate. Este ano cresceram as tentativas para acabar com a própria vida na Europa, em lugares como a Grécia, que passou por graves problemas econômicos e aplicou medidas rigorosas para conter o déficit público e o endividamento do Estado. Aposentadorias foram fortemente afetadas pelos cortes. Um homem de 77 anos atirou contra a própria cabeça em uma praça em frente ao parlamento de Atenas, acusando o governo de traição.
Pode ter sido um gesto dramático, mas não raro. Entre quatro paredes e sem alarde as tentativas de suicídio acabam realmente atingindo o objetivo. O medo de enfrentar a pobreza parece ser um motivo comum. Em Milão, na Itália, pequenos empresários, profissionais liberais e desempregados encabeçam a onda de suicídios que comove o país, que criou uma rede de ajuda psicológica para ajudar aos interessados.
Algo assim como o CVV (Centro de Valorização da Vida) no Brasil, que mantém apoio via telefone.
Os suicídios estão preocupando tanto, que até sites de relacionamento como o Facebook mantém um tipo de serviço para socorrer quem pretende atentar contra a própria vida, via e-mail ou telefone. 
EUA, Europa e Asia estão na metade da escala de crescimento dos suicídios. Os países da America Central e do Sul, como o Brasil, mantém as taxas mais baixas.

Desgaste emocional                            

Parece não faltar motivos e muito variados para que alguém pretenda resolve-los acabando com a vida. O ato em si entretanto é motivo de estudos e discussões polêmicas, porque o ambiente não seria o fator gerador do suicídio, mas sim estimulador. 
O medo da sobrevivência sem dúvida pesa e muito. A onda de suicídios na Coréia do Sul, há uns dois anos, quando morreram 40 pessoas por dia atirando-se do alto de prédios inclusive, coincidiu com a crise financeira asiática.
Na verdade o número de suicidas é infinitamente maior do que mostram as estatísticas porque nelas não estão contabilizados os casos de lenta degradação, como no consumo de drogas e potencialização de outros riscos como o hábito da alta velocidade nas estradas...
Para Schopenhauer, a vida era um erro e a morte nada mais seria do que a correção desse erro existencial. Uma maneira cômoda de evitar os desafios da existência.
Morrer em uma guerra ou vitima da violência das ruas, no trânsito ou no ataque marginal, é uma fatalidade. Mas acabar com a própria existência contraria o instinto, que é sobreviver em qualquer circunstância. Talvez as artificialidades da vida moderna e a necessidade de trabalhos repetitivos, robotizados, em longas jornadas, exasperem a alma humana e acabem tornando a visão da vida frágil. A ponto de torná-la dispensável quando a pressão - ou depressão - aumentam.
Para a maioria das pessoas, o suicídio é uma maneira extrema de mostrar domínio sobre a vida, agredindo o meio na linguagem cifrada de desprezo. No entanto a tradução mais realista mostra apenas o medo, a sensação de estar sem forças para superar situações que são ameaçadoras. Seria portanto um ato de covardia, um reconhecimento da inabilidade em lidar com a vida. 
O ato suicida é um ato desesperado, que pode ser evitado na maioria dos casos com a discussão sobre os motivos e uma nova interpretação a respeito do futuro. A vida não é estática, modifica-se mais do que a rotina permite perceber. 
Seria o momento da "respiração": cada vez mais, na rotina moderna, respira-se menos e pior e esse fato interfere na capacidade humana de renovar-se e evitar a depressão. Acumula-se informações em excesso, mas o pensamento é cada vez mais desprezado em função da mentalidade superficial. 

Wednesday, September 12, 2012

TIA NASTÁCIA, GRANDE PERSONAGEM DE LOBATO

Tia Nastácia era uma negra de beiços grandes, amada por todos que a conheciam, cozinhava divinamente e vivia em um sítio onde a criatividade e a fantasia faziam parte da realidade. Por uma dessas interpretações preconceituosas, está sendo considerada vítima de racismo e foi parar em audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal, porque o livro "Caçadas de Pedrinho" foi liberado para adoção no Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Considerar racista a obra de Monteiro Lobato, que escreveu vários livros ambientados no sítio do Pica-Pau Amarelo que se tornaram clássicos da literatura infantil brasileira, é no mínimo absurdo. As obras, como Reinações de Narizinho, foram escritas há 90 anos e encantaram justamente por interagir com o mundo infantil de maneira inteligente, estimulando a imaginação e o conhecimento, mas mantendo uma relação entre suas personagens de igualdade e ética.
Não apenas entre as pessoas. Os animais e os vegetais também deixavam seu espaço isolado na natureza para interagir e mesmo os vilões, quando não eram sobrepujados pelos heróis, acabavam sucumbindo à força da ética.
Parece completamente disparatado querer relacionar a obra a algum tipo de "estímulo ao racismo". A negra tia Nastácia é um retrato da cultura da época, passando a imagem de uma pessoa simples, amável e alegre, que era de certa forma a crítica das estrepolias da boneca Emília, assumindo uma personagem mais importante do que a própria D. Benta, avó de Pedrinho e Narizinho. Apesar de resmungos da boneca, a ideia final não passa racismo, embora demonstre circunstâncias históricas e culturais.
Cozinheira de mão cheia, encantava as personagens com seus bolinhos e era amiga e confidente de D.Benta. No começo do século XX as mulheres negras costumavam trabalhar nessas funções nos sítios, fazendas ou casas na cidade, onde permaneciam tanto tempo que mesclavam-se às famílias, tornando-se parte delas. É uma realidade histórica, não um relato racista.
A literatura racista seria aquela que provoca a diferença entre as raças e discrimina as pessoas de maneira artificial. Não a Nastácia de Monteiro Lobato, mas a mulher que ela é, independente da cor, poderia se considerar vítima de racismo e preconceito não apenas historicamente, mas em uma infinidade de livros publicados em diferentes épocas no mundo.
A figura feminina é retratada de maneira evidentemente preconceituosa em obras consideradas clássicos da literatura. Mas não teria cabimento banir da leitura essas obras, pois apesar de discriminar a mulher de diferentes maneiras e em muitos casos até promover a violência, é um retrato social.  Mostra a mentalidade de cada época, o drama vivenciado por esse preconceito.
Livros registram a história, mesmo quando assumem a imaginação e criam uma realidade improvável. Não importa se somos brancos, pretos, amarelos, homens, mulheres, feios ou bonitos (ah, quanto preconceito aos  feios encontramos na literatura!). O que importa é que essas diferenças óbvias entre as pessoas sejam tratadas com a igualdade ética, que preserva ao final a importância do respeito não apenas ao próximo, mas à natureza como um todo. Afinal o sábio Visconde de Sabugosa era uma espiga de milho e Narizinho casou-se com um peixe...
Essa sutileza está presente na literatura de Monteiro Lobato, que parecia entender o universo infantil. Tia Nastácia, preta, gorda, mas  inesquecível, amada pelas personagens das histórias e pelos leitores de suas aventuras. Longe de tornar a negra Nastácia discriminada, Lobato a fez integrar em definitivo o universo dos heróis de suas histórias. (Mirna Monteiro)

Saturday, September 01, 2012

TERRA, PLANETA TERRA...


 Desde que o mundo teve contato com a ficção que mostrava uma nave espacial comandada pelo próprio computador - aquele que resolveu rebelar-se contra a intervenção humana, livrando-se de seus tripulantes - e décadas depois criou robôs sentimentais, as pessoas andam preocupadas: o ser humano será sobrepujado pelas máquinas?
Pronto, está criada a "síndrome do descarte"! Seres humanos são um estorvo à natureza! Vivem em conflito emocional, sofrem de impulsos autofagistas e cospem no prato em que comem! Robôs são extremamente "cleans", contanto que sejam à prova de ferrugem. Como são máquinas, podem realizar proezas, como arremessar um incômodo mortal a um quilômetro de distância, ter visão de raio X e soldar seus próprios parafusos quando eles não se mantiverem devidamente enroscados! 
Já o ser humano...que raça complexa! Quando esses seres dirigem máquinas, tem o poder de descontrola-las. Adoram ajusta-las de maneira a torna-las letais e furiosas. É claro que temem uma revolução das máquinas desde o início da revolução industrial, quando descobriram que por mais simples que seja o mecanismo, ele sempre será mais confiável do que a frágil potência humana.

Por esse motivo está na moda prever um levante da inteligência artificial. Isso quando não se fala da fúria da natureza, com uma série tão grande de catástrofes, que já é preciso organizar um catálogo para descrever as nossas tragédias. Ninguém explicou ainda se nossos robôs inteligentes vão reinar antes ou depois do fim do mundo, mas uma coisa é certa: tanto em um caso, como em outro, os seres humanos parecem estar descartados da história futura!
Mania de descarte! Complexo de inutilidade no planeta...qualquer coisa assim. A sociedade humana anda mesmo se auto-depreciando. O espírito de derrota sobrepuja a força de mudança. Já temos pedaços de nossa história enterrados, memórias do nosso planeta Terra em cápsulas do tempo, aqui e acolá, em vários paises, inclusive no Brasil. Que por falar  nisso teve uma cápsula do tipo, em uma cidade brasileira, espirrada pelo esgoto em um retorno prematuro à superfície. O saneamento básico é o fim do mundo, mas se continuar expulsando a nossa memória ainda temos o recurso de sondas espaciais que levam informações de nosso planeta registradas em um disco, como a do Voyager! 

 Aparentemente, estamos mesmo preparados para um final da história. O problema é que não se sabe ainda se realmente somos sensíveis a ponto de pressentir o fim ou se estamos apenas exagerando nossos complexos aqui já relatados. No entanto podemos ter certeza de que mesmo com todo esse ar de tragédia no ar, as piores qualidades humanas continuam a atuar, aparentemente sem preocupação de ter de prestar contas em algum tribunal intergalático ou terreno.
Se não vier o fim do mundo, vamos ter muito trabalho para arrumar o planeta! (Mirna Monteiro)

Tuesday, August 21, 2012

A FORÇA DE CARAVAGGIO

Intensa, forte, iluminada. Estas são algumas das características da obra de Caravaggio, um pintor italiano que viveu entre 1573 e 1610. Uma vida curta, mas intensa, turbulenta, marcada pela rebeldia e pelo inconformismo, que podem ser observados em suas obras, com tamanha força e crítica, que indignou a sociedade da época, premida pelo rigor da Igreja.

Sentia-se à vontade nas tavernas, nas ruas, em contato com o submundo abominado pela aristocracia. Frequentou em fases de sua vida ambientes cultos e refinados, mas não hesitava em troca-los pelo prazer de conviver com a pequena burguesia e a ralé. Era um homem rude e carnal, que transforma-se em luz e sombra  nas traduções da vida, dos sentimentos humanos e de regras e comportamento e pensamento que não aceitava.
Caravaggio morreu da mesma forma que viveu: procurando absorver a vida, intensificando suas cores e seus dramas e potencializando a natureza. Depois de uma vida de conflitos, que envolviam pelejas e duelos, feriu-se gravemente na ponta de espadas.

O seu estilo é considerado barroco, embora bastante marcado pelo renascentismo contra o qual ele reagia. Mas a força de suas cores, o realismo de sua imagem e a iluminação de seus ambientes demonstram que Michelangelo Caravaggio foi único, iniciando o tenebrismo, com a projeção de luz sobre as formas e criticando a manipulação dos conceitos do cristianismo. Belíssimo resultado!



A obra Conversão de São Paulo é considerada uma revolução na iconografia religiosa. O cavalo é uma força e se ressalta na imagem. Não se vê o santo? Ora, São Paulo, o homem, caiu ao chão ofuscado pela visão de Jesus, na estrada de Damasco. A iluminação é belíssima, parece brotar do foco de luz vindo de cima, banhar o ventre do cavalo e inundar de claridade o rosto do santo. Colocando o centro do afresco no chão, Caravaggio salienta a insignificância do homem perante a divindade.

Davi com a Cabeça de Golias. Violência e a beleza do adolescente. Dizem que a cabeça decepada do gigante é um auto-retrato de Caravaggio. Pode ser: por essa época, em seus últimos anos de vida, ele mostrava desalento e mágoa, sentindo-se cansado e atormentado pela perseguição dos adversários, aos quais, antes, provocava.
Bacchus: retratado com feições femininas e delicado em sua postura, sugerindo a masculinidade mesclada ao feminino. Um Baco hermafrodita que irritou a aristocracia da época. Aparenta claramente um desafio à questão do poder, que em ambiente ébrio manifestava a versão feminina e frágil do homem.

A Morte da Virgem Maria a retrata com o ventre inchado, os pés para fora do leito, como uma mulher da plebe que sucumbisse de inanição ou de parto, numa atmosfera densa e um ambiente de miséria. A imagem desmistificada. Escandalizou pela suposição de que Caravaggio teria utilizado como modelo o corpo de uma mulher que havia morrido afogada.

O narcicismo, que Caravaggio parecia interpretar como um auto-engano ou o desconhecimento da própria alma: observe que a imagem reflete sentimentos diferentes.

A Cabeça da Medusa foi feita em óleo sobre tela colada sobre um disco de madeira de choupo, mostrando uma imagem extremamente rústica e expressão de surpresa mesclada de terror diante da violência final. A mesma Medusa que petrificava os seres foi presa para sempre em sua própria armadilha. (Mirna Monteiro)

Thursday, August 02, 2012

DOMINADOS E DESCONTROLADOS

Dois extremos de comportamento parecem marcar o cidadão em um momento onde valores éticos se confundem com disparidades que invadem o meio e destroem noções de cidadania: a apatia que crê na fatalidade desse processo e a revolta extrema, que leva um cidadão pacato a agir de forma violenta.
De uma maneira natural, esse desajuste é reconhecido popularmente. O termo popular "zumbizado" está se tornando comum e se refere ao estado de aceitação incondicional de tudo que é ditado pela mídia, seja um produto, seja um comportamento, seja uma informação, que ainda que destituída de provas, é aceita como arauto de alguma realidade. 
Em outro extremo ao zumbi moderno, aparece outro comportamento preocupante: o inconformismo com a situação de absoluta vulnerabilidade do cidadão, não apenas diante da violência marginal, mas da ausência de ações eficientes que impeçam o abuso de seus direitos nos mais variados campos. Surgem as ações imprevisíveis de violência daquele cidadão comum, que vivencia o seu "dia de fúria" por pressão de instituições e serviços que não respeitam a lei. 
É o caso da senhora de 73 anos, professora aposentada, que retornou furiosa ao banco para reclamar de um engano de uma funcionária. Levando uma arma na bolsa, ela passou pela porta  e acabou ameaçando o gerente. Caso também de inúmeras agressões feitas por segurados do INSS a médicos responsáveis por perícias, ou de pessoas que buscam aposentadoria e revoltam-se contra um atendimento mecânico e extremamente burocrático que nem sempre respeita a emergência de sobrevivência de quem trabalhou décadas a fio. Agências do INSS hoje tem aparatos de segurança que parecem incompatíveis e exagerados para o trato com idosos ou cidadãos doentes ou lesados pela atividade no trabalho.
Demora em processos leva pessoas ao desespero. Casos como o de um homem que aguardou anos por um resultado, sem poder trabalhar e sem recursos para a família. Ao saber que o auxílio havia sido negado atirou em um segurança no Juizado Especial Federal.
Pessoas que cometem violência no trânsito, com perseguições e tentativas de atropelamento por motivos fúteis. Vivenciamos exageros de torcidas de futebol, violências por discriminação racial, religiosa ou até política. Pessoas pacíficas que agem de maneira desesperada em filas de hospitais, e "armam barraco" em incontáveis situações criadas pelo comércio e por serviços. Professores são agredidos por alunos e alunos são vítimas de atiradores!
O que origina esse comportamento? A ausência de respeito às regras básicas de convivência, certamente. A partir do momento em que o conceito de respeito a ética fica cada vez mais diluído na massa da informação da mídia, maior é o rompimento do compromisso comum.
No século XIX,  Nietzsche já tentava diagnosticar a derrocada dos valores morais, quando parte da sociedade louvava novos conceitos baseados em um mundo que se industrializava e tornava-se operacional e produtivo, mas esvaziava seus princípios morais e éticos, duramente mantidos ao longo de séculos onde se buscou a medida mais razoável entre o poder econômico e a massa, fundamentais à uma convivência que, pretendia-se, fosse pacífica. 
No entanto a difusão da produção e do consumo acabou transformando o homem em um produto. Em seu estudo sobre a sociedade de consumo Jean Baudrillard lembra que a imagem, o signo, a mensagem, tudo aquilo que consumimos, forma um conjunto de ilusões que não resulta no equilíbrio da relação humana, muito pelo contrário.
Com a supressão de regras éticas e morais importantes, como a honra, a dignidade, a fidelidade, que acabam se tornando valores aristocráticos e portanto fora do alcance da maioria, vem a derrocada social, com a decadência da família como instituição básica da preservação desses valores, a predominância dos crimes, vícios, inveja, tudo que seria fruto do igualitarismo.
Que por sua vez nivela o ser "para baixo". Por exemplo, até a arte se transforma em uma expressão desprovida de sentido, de senso estético, de valor criativo, para se tornar simplesmente um ornamento ou um instrumento para chocar ou provocar.
A grosso modo e traduzindo o processo, poderíamos dizer que vivemos um momento onde longe de valorizar o elemento humano, a sociedade o oprime e o amolda em uma embalagem de massa de suposta liberdade, que na verdade é mais perigosa e escravizadora do que os feudos  nos tempos da escuridão. 
O resultado é uma profunda apatia e paralisação da mente diante do que se considera um processo natural e inevitável, ou uma insatisfação profunda que provoca reações extremas e violentas, pela mesma impressão de   aprisionamento e vulnerabilidade. 
O ser humano dificilmente se adapta a um ambiente programado, limitado e inóspito. Aumentam os problemas decorrentes da insatisfação pessoal, do medo da violência, do desencanto com a lei e da desconfiança de meios de comunicação que deveriam ser confiáveis, mas que se tornam contaminados. 
Ao contrário do que se convencionou, não houve um aumento da corrupção, mas sim uma consciência de sua existência e dos seus estragos em contrapartida à uma disseminação da impunidade que passou a atuar sobre o conjunto social. 
Para evitar  o caos o recurso é a recuperação dos valores que permitem o norteamento moral e ético, começando pelo topo e não mais pela base social que se descontrolou. Essa sim é uma ação histórica . "Cortar o mal pela raiz" implica em corrigir a corrupção onde ela começa, nos centros de poder político e econômico, moralizando instituições de maneira a permitir que a natural desigualdade social - considerando as diferenças individuais de  caráter e capacidade em todas as suas instâncias, reabsorva valores fundamentais a sobrevivência do meio.
O que não pode acontecer, além da inércia, é algum teatro onde haja punição programada para conter a insatisfação popular, como os espetáculos das arenas romanas. Se há intenção de reabilitar a sociedade e evitar o descontrole, que as ações sejam claras e ilimitadas, não se resumindo a algum caso específico, real ou forjado. E que todos admitam que um caso é isso: apenas um pontinho no mar de desajustes e corrupção que leva ao caos. (Mirna Monteiro)