Friday, December 19, 2014

AMIGOS E INIMIGOS NO CIBERESPAÇO

A internet trouxe um novo tipo de relação humana, um misto de extremos de proximidade e distanciamento, de intimidade e de formalidade, de civilidade e selvageria.
Tantos extremos tem explicação fácil: a sensação de que tudo aquilo que se passa no mundo virtual conta com a proteção do anonimato ou da ausência fisica, fatores que podem transformar timidos em ousados, mal humorados em humoristas, raivosos e confusos em ambiente que se transforma em salas de terapia.
Essa faceta do mundo virtual, perceptível nos sites de relacionamento, tem seus extremos revelados nas ocasiões de grandes conflitos ou opções, como no caso das campanhas eleitorais. E vem a surpresa: aqueles amigos virtuais, que utilizam ou não identidades reais, aquela personagem da televisão, o artista que há décadas é admirado, o político que se esconde sob a capa discreta da hipocrisia, subitamente mostram comentários, no Twitter, Facebook e outros sites, que causam surpresas, agradáveis em muitos casos, desagradáveis e decepcionantes em outros.
É a "face oculta" da relação virtual, fartamente abordada e criticada na campanha acirrada do último pleito.
Foi o momento de grande movimento e também dos "bloqueios" de perfis que abusaram dos espaços privados. A frase mais comum tornou-se aquela que "dispensava" os "maus amigos", que mostraram comportamento agressivo ou impositivo. Mas também de amizades construidas virtualmente que assumiram ideias politicas opostas. A ponto de circular "memes" ou mensagens prontas, que pediam para não misturar politica e amizade.
Será possível isso?
Respeitar as diferenças de ideias é condição para o regime democrático. No entanto o ambiente democrático é esclarecedor e sadio justamente por permitir essa exposição de ideias, que não são superficiais e retratam personalidades, caráter e capacidades diversas de quem se expressa, tanto em relação ao entendimento de fatos, como em seu interesse em conhecer os fatos ou simplesmente adotar pensamentos midiáticos, já prontos e empacotados para o uso de mentes mais desavisadas.
A troca de ideias nunca foi tão prolixa! Tão extensa e tão contraditória.
No espaço virtual onde as pessoas se relacionam, cria-se num conjunto de elementos  tão diversificado - material da grande midia, material de pesquisa, material politico, material marqueteiro, e por ai vai - que no final das contas cumpre-se com o papel de jogar informações, fundamentadas ou não, como leque de opções para quem quiser pensar sobre tudo isso ou simplesmente adotar o que lhe parece mais compreensivel.
Pessoas são diferentes, mas o meio cultural e social é igual para todos. O que torna comportamentos inesperados, como atitudes marginais.
Mas até que ponto sabemos se somos apenas inovadores, autênticos ou esquisitos?
Não falamos aqui de comportamentos marginais lesivos ao meio. Pessoas que agridem por motivos exclusivamente pessoais, sem considerar o direito alheio, o que obviamente torna a convivência impossível. Falamos de maneiras diferentes de observar ou assimilar o meio cultural e observar regras de comportamento.
Para responder essa pergunta você precisará rever o conceito de normalidade: qual a linha divisória entre alguém considerado normal ou anormal?
Esse conceito de normalidade depende de uma série de fatores e de fato varia, dependendo da cultura, do momento social e político, até do grau de rebeldia pessoal aos valores considerados extremos e desnecessários ao meio.
Nem tudo é questão de interpretação pessoal. Veja bem, se uma pessoa pretender criar um espaço próprio onde a normalidade é decidida por ela mesma - onde certamente as regras obedecerão apenas ao seu comando individual - vai viver isolada como uma ilhota no meio do oceano.
Isolamento pode ser bom em alguns momentos e péssimo em outros. Portanto, como dependemos do meio para sobreviver, não podemos fazer de conta que o conceito de normalidade para a convivência comum não exista!
A escolha pessoal da normalidade a ser assumida depende, portanto, da convivência pacífica com a ética e a moral do meio. O problema é saber até que ponto essa relação termina e começa o direito individual à comportamentos e opções de pensamento

http://artemirna.blogspot.com.br/2012/06/politica-e-poder.html

Friday, October 24, 2014

A RESPEITO DE OMITIR-SE OU SER ENGANADO

A humanidade sofre de muitos males e um deles é a omissão. Qual a diferença entre mentir, dizer a verdade ou omitir-se? Diferenças enormes. Os rumos da história são mudados para melhor ou pior, em dependência dessas três formas de agir. O homem tem livre arbítrio. É criador do seu próprio destino. Bem ou mal não são circunstanciais, provém de atitudes.
A mentira, a intriga e a dissimulação que tantas desgraças causaram à humanidade, são tão danosas quanto a omissão. Se alguém está pedindo socorro e fingimos que nada temos com isso, incorremos  em falta grave.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos são atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão, além da que nega auxílio a alguém. A imprensa por exemplo pode omitir determinados detalhes de um fato por engano ou malícia e com isso passar a idéia errada dos verdadeiros acontecimentos. Uma simples fofoca que omite um aspecto pode mudar a história. De forma injusta, mas eficiente.
Como se disse, a omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética? Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Portanto a omissão diante de uma ação que obriga a cometer uma injustiça justifica-se como obrigação ética. Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir? Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil. Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como se uma mão desviasse a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsavel também pelo que suceder. Simplificando parece bem algo como " se correr o bicho pega, se ficar o bicho come" . 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem.
É uma atitude comodista.
Ao longo da história a omissão esteve presente mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em um momento onde a comunicação é farta e o conhecimento dos fatos muito mais real e possivel. Permitir que alguns se transformem em mártires enquanto a maioria se omite de fatos óbvios - digamos em relação ao aumento da criminalidade e violência - é uma situação antiética e perniciosa para o futuro. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é reconhecendo a responsabilidade de todos em auxiliar os mecanismos existentes para manter a sociedade preservada. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com a ética e a justiça. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido.
No entanto nem todos desejam a ética e o bom senso. Surpreende a quantidade de pessoas que não consegue disntinguir o certo do errado, ou pelo menos entender quais fatores vão piorar a sua vida e quais caminham no sentido de uma melhora.
O caráter humano é fugidio e pode surpreender. Para uma minoria, o que vale são ambições pessoais e aquisições imediatas, mesmo que isso represente possível perda coletiva, que vai atingir e prejudicar sua própria ambição. O homem não é só razão, mas também um sujeito cheio de desejos e inclinações que podem agir contra o que determina a sua própria razão, já dizia Kant.
Não confiar no que se ouve ou se lê é hoje um principio de sobrevivência. O discurso de um politico é apenas isso: um discurso. Ele apenas poderá ser interpretado como correto ou enganoso se avaliarmos as ações em torno dele: quem faz esse discurso? O que faz e como age quem faz o discurso? O que pretende quem publica alguma  afirmação?
Aqui mesmo, neste texto, qual é a intenção destas afirmações? Qual a intenção da afirmação de meios de comunicação de grande porte, chamados de "a grande mídia", quando atacam uma personagem e defendem outra?
Será que devo confiar em informações geradas por grandes revistas ou tv? Por que? Onde devo entender que a informação é ética e correta?
O que está por trás das grandes denúncias, onde está a verdade, e onde está a nossa responsabilidade diante de toda a manipulação gerada nos momentos de decisão que favorecem interesses diferentes?
É um momento trabalhoso, evitar que a manipulação se sobreponha a realidade.  Mas é a diferença entre omitir-se, ser enganado, ou exercer o domínio sobre os verdadeiros fatos!


Saturday, October 18, 2014

QUEM CONSEGUE PENSAR?

Se você é bombardeado de imagens e mensagens prontas, consegue estabelecer o limite entre a realidade e a imposição das ideias fabricadas fora de seu espaço mental?
Há literatura de sobra a esse respeito. Todas com receitas para que o bombardeio de propagandas e mensagens subliminares não transforme você em um robô pautado por outras cabeças e intenções.
O que dizem?
Cuidado com a divagação da mente...o que quer dizer que qualquer distração sua, envolvido por imagens ou gestos, pode ser decisiva para que sua mente abra espaço inconsciente para apelações do marketing ou sorrateiras ilusões gráficas que são chamadas de mensagens subliminares. São desenhos, simbolos ou palavas, programadas para aparecerem em fração de segundos, quando sua atenção está voltada para a imagem principal.
Neste caso, você não percebe o que aconteceu de maneira clara, mas seu inconsciente capta a mensagem e a guarda na memória.
Por exemplo, você, que nunca gostou de determinado produto ou situação, começa a considerar de outra forma sua opinião. É o seu espaço inconsciente, que foi sugestionado e dominado pela mensagem, de maneira subliminar e eficiente.
Fizeram isso com a coca-cola nas telas dos cinemas nos anos 50. Todo mundo passou a desejar a coca-cola quando assistia filmes. Ninguém se perguntou na época o que atiçava esse desejo.
Apesar de pouco ética, a mensagem subliminar é usada de maneira abusiva nos dias de hoje. Funcional, ela divide seu espaço de dominio do inconsciente com a técnica da repetição, ou seja, a mesma ideia ou o mesmo produto são repetidos centenas de vezes, até conseguir entrar definitivamente na sua mente.
É aquela história. Quando você menos espera, começa a repetir ideias que podem até ser repulsivas ou idiotas para o seu padrão, mas que de alguma forma ganharam espaço em seu pensamento.
Da mesma forma que sente impulsos para comer hamburgeres que detesta ou cantorolar musiquinhas que nada tem a ver com suas preferência musical.
Alguns alertas são aterrorizantes. Certamente exagerados. Dizem que da mesma forma que esse tipo de controle mental através de imagens de filmes, novelas, desenhos infantis, etc, pode fazer alguém tomar refrigerante ou comer babatatinhas, também podem influenciar o seu humor, incentivando violência ou o estresse. Talvez você esteja com raiva do mundo e não saiba porque...
Foi tudo absorvido pela sua mente, sem perceber.
De qualquer maneira, subtraindo-se os exageros, a mensagem subliminar de fato existe é é reconhecida cientificamente, comprovada em seus efeitos no inconsciente humano.
Esse tipo de escravidão das ideias pode ser evitado?
 O que poderia evitar tantos estragos que entram em conflito em sua mente, seria justamente fazer com que ela trabalhe mais.
Muita leitura, jogos de raciocínio, busca de fontes variadas de informação, atenção constante a tudom que se passa dentro e fora desse processo mental.  E também o trabalho de higienização mental, como a prática de exercicios, algum esporte, contato com a natureza.
O que leva a dedução óbvia de que quanto mais tempo individuo passa isolado, tendo contato com filmes, propagandas, desenhos, etc, maiores são os riscos de influência da propaganda e de mensagens subliminares, comerciais ou políticas.
Será que aquilo que você fala ou a maneira como age é fruto de seu próprio raciocínio...ou de propagandas?

Monday, September 29, 2014

COMO ÓLEO E ÁGUA...PALANQUES E PÚLPITOS...

A questão é: religião e política se misturam?  Essa pergunta está em evidência, diante  do crescimento de igrejas que começam a assumir um papel político. No entanto, isso está criando uma situação desconfortável, uma vez que a atuação política de qualquer igreja acaba contrariando sua própria razão de ser.
A razão é simples: embora o poder da religião ou da fé tenha sido usado para manipular a massa ao longo da história humana, desde os tempos mais primitivos, o que sustentava essa relação era justamente a dicotomia.
Ora, a fé implica nas necessidades do espírito, da alma, do interior humano, em sua relação com o universo, dentro do conceito óbvio da vida e da morte, a grande incógnita da humanidade.
A política é carnal, prática, negociante da vida, nos interesses do meio. Lida com a coisa pública, os espaços externos da vida.
Por esse motivo, religião e politica mantiveram-se sempre como coisas distintas, mesmo que nos bastidores a atuação da política na religião ocorresse fartamente.
É claro que nem sempre isso ocorreu discretamente. Aquele que decidia a política também comandava a igreja, como nos tempos em que imperadores eram sagrados Papa. Nos tempos da Inquisição toda política passava pelas mãos da igreja, através dos inquisidores, que recebiam o poder máximo não apenas sobre o espírito humano, mas sobre seu  destino político.
Não só a religião foi usada para politica, mas a politica também interferiu no direito à fé individual. E temos o exemplo dos estragos dessa mistura.
O tempo passou, a humanidade mudou hábitos e crenças, mas a religião permaneceu como esteio no novo mundo, mais discreta em seu papel político.
Por outro lado surgiu o estado laico, que adotamos como base de respeito individual, mas também como linha divisória entre a fé, que varia as doutrinas religiosas, e a política.
Uma definição importante para evitar conflitos!
Padres e pastores salvam almas...ou fazem discursos sobre poder político? Em um país onde qualquer um pode fundar uma igreja, a situação se complica.
Como assim? Bem, se você quiser ser um pastor de sua própria igreja, não tem problema. Basta criar uma diretoria com seis cargos, com a vantagem de que pode acumular alguns. Basta uma casa e pronto, já existe a sede da sua igreja, que é considerada uma entidade sem fins lucrativos.
Foi exatamente assim que as igrejas foram se multiplicando e crescendo, principalmente as chamadas  evangélicas.
Longe de contestar sua validade, o que se pergunta é o seguinte: se uma igreja se baseia no "chamado divino" e a interpretação é disso é muito pessoal, de quem acha que foi chamado, até que ponto a sua verdadeira função não estaria sendo mal conduzida? A boa fé  e do desespero humano poderiam ser usados por grupos políticos, da mesma maneira que irmandades secretas que usavam rituais como disfarce para ações  de grande peso político?
É, é óbvio. O que não quer dizer que essa realidade seja devidamente analisada e compreendida pelas pessoas.
Religão, consideram muitos, seria uma grande ajuda para suprir os valores que se estão esvaziados na nossa sociedade, violenta e pouco ética...será mesmo que essa afirmação tem fundamento?
Não seria a filosofia a grande portadora do equilibrio humano?
Nesse ponto entramos em uma realidade insofismável: religião, doutrinas, crenças, rituais, enfim, tudo que envolve a questão da fé, nem sempre promovem a consciência humana. Ao contrário da filosofia, que discute a vida, a relação entre os seres e o universo, a lógica da ética e do respeito humano e à natureza.
No entanto, filosofia e religião entram em conflito. Como impor uma doutrina religiosa que exige obediencia a rituais de pensamento e ação, quando o indivíduo usa a mente e a sensibilidade para o pensamento livre?
Embora religião e política não combinem e provoquem extrema contradição, a filosofia e política promovem uma união muito favorável ao equilibrio de ações e pensamentos.
Um político pode ter o credo que bem entender. Através dele mostrará o que norteará as suas decisões para o conjunto.  Mas não deveria usar a influência obtida com a fé (que afinal não pertence a ele, mas a Cristo, no caso das igrejas evangélicas e, enfim,  à Deus no catolicismo) ou manipular esse poder da fé para ganhar votos.
Os tempos de Maquiavel vão longe. Que nada ameaça o nosso estado laico. (Mirna Monteiro)




Sunday, August 31, 2014

COTIDIANO

A cena se passa em um consultório médico:
- Doutor, não sei o que acontecendo comigo, ando muito esquisito. Imagine que quando vejo pessoas sofrendo ou cenas dos ataques israelenses na Palestina, ou mesmo criancas de paises africanos...eu choro!
-Hum...vou receitar um antidepressivo...
-Mas este? Eu tenho problemas de gastrite!
- Sem problemas, vou receitar este aqui, toma junto também.
- Mas doutor,esse ai ataca meu fígado, que está meio cirrótico...
- Ah, não tem problema, vou acrescentar mais este remedinho aqui...
- Mas...não sei não, é que já tomei esse duas vezes e ele me dá insônia!
- Isso não é problema! O senhor vai tomar duas horas antes de deitar também este outro medicamento aqui! Vai dormir como um anjo..
- Eu tenho de acordar cedo, pegar trânsito pesado e...
-Ah, fique tranquilo, logo que acordar o senhor toma esse aqui...calma que tenho amostra grátis, é uma cortesia!
- Será? Sabe  o que é, já tomei duas vezes e esse tipo de medicacão dispara a minha pressão arterial, me dá uma paura, parece que vou ter um treco!
- Bom, para garantir, vamos fazer outra receitinha para este aqui, que vai ajudar se der enjôo também.
- Mas eu li  na internet que esse aqui deixa a pessoa agitada agitado e...
- Acalme-se, por favor. Ainda não terminei. Esse aqui e mais este aqui, vai ficar tranquilo, tudo azul e lindo!.
- Nossa, mas este aqui não é aquele que todo mundo fala que dá depressão?
- Sim, mas vou lhe receitar um antidepressivo.
-...outro?
- Ah, já lhe receitei o antidepressivo? Hum, certo.  Vamos apenas aumentar a dose...
mirna monteiro

Wednesday, August 27, 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INVEJA

Não, não se trata de correr em busca do sal grosso, de carrancas e patuás. Ainda que a inveja possa ser tratada de forma doméstica - como uma dor-de-cotovelo entre amigas, o aborrecimento por atributos que um colega de trabalho ou até um desconhecido que tenha projeção na mídia possuam em detrimento de seus próprios, o carro luxuoso que você não pode ter ou um simples sorvete maior que o outro, ela é sem dúvida perigosa.
A inveja transtorna e causa doenças para aqueles que ficam ruminando suas decepções e tristezas. Mas se o "olho gordo" é tratado popularmente de maneira até folclórica e bem humorada, esse tipo de sentimento pode ser considerado a própria origem do mal.
A inveja é menosprezada em sua nocividade. Causa mais estragos do que poderíamos supor. Provavelmente ela se esconde, quietinha e camuflada, nos bastidores de todas as grandes desgraças da humanidade.
Exagêro? Não exatamente. Veja só o caso de Caim e Abel... os mais céticos devem reconhecer que não há como negar a antiguidade da inveja, tampouco a sua realidade, mesmo abominando o registro bíblico.
Ela ( a inveja) está onipresente nas grandes guerras, nas revoluções, no sadismo da humanidade. Calígula era extremamente invejoso e isso norteava a sua crueldade. Poder e inveja formam um coquetel desastroso. Hitler era frustrado pela sua falta de talento, tanto que imaginou um mundo onde toda a arte existente estaria sob sua guarda. De preferência acabando com os autores, porque a inveja admira o talento, mas não pode perdoa-lo.
A inveja é amiguinha da mediocridade. Vivem de mãos dadas, suportando-se mutuamente, mas tentando unir-se para destruir o objeto de sua ira. É, porque a inveja se esconde também sob a ira, esse sentimento odiento que faz o sujeito cuspir a maldade. A dramaticidade aqui é importante para definir a balbúrdia criada na humanidade por esse sentimento inerente, que habita a alma humana como um protozoário potencial, ou um defeito natural em hibernação - se não for vigiado acaba ganhando espaço.
No final das contas a única alternativa para evitar que a inveja faça seus estragos é cultivando o próprio talento. Uma espécie de "vacina" contra esse mal, que permite uma vida menos espremida e perigosa, dolorosamente competitiva e regida pela moral e valores supérfluos que pretendem controlar o mundo da mesma maneira que se controla o gado no pasto.
Se a virtude depende de disposição para para criar e construir, a inveja também depende da decisão de não permitir o artificialismo do poder. De alguma forma é preciso quebrar o círculo vicioso que impõe a agressividade na conquista de um espaço através da eliminação do objeto da inveja, que afinal pode ser sublimada, como todo e qualquer sentimento, individual ou políticamente no espaço coletivo. (Mirna Monteiro

Friday, March 28, 2014

A BURCA COLORIDA DOS OCIDENTAIS

A mulher ainda paga um preço, simplesmente por ser mulher...
Surpreende o resultado de uma pesquisa do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que concluiu que 26% dos brasileiros consideram a mulher responsável em casos de ataques sexuais por causa das roupas que veste.
O choque desta informação é óbvio principalmente por um fato que é incontestável: ainda existe a ideia de que a mulher é um objeto, pronto para ser usado. Afinal vivemos entre modismos, onde as roupas se tornam justas e reveladoras por força do estilo imposto pelo mercado, e a quase nudez é fator climático, em um país tropical  onde a roupa de banho é ínfima e decotes e saias curtas são naturais.
Isso nos faz lembrar a rigorosidade de países do Oriente Médio, onde o ar do deserto e o sol escaldante não substituiu ainda o peso das burcas. É claro que no sol do deserto o tecido protege a pele, mas a permanência da tradição da vestimenta que cobre todo o corpo, inclusive o rosto, é essencialmente dominadora, marcando a submissão da mulher e eternizando a sua dominação.
A grosso modo, boa parte dos brasileiros ainda acredita que tem direito de usufruto sobre corpos expostos...mesmo que essa exposição seja politicamente correta. Ao mesmo tempo o homem denuncia-se como um "ser animal", não pensante e sem controle sobre o que ele considera um apelo sexual. Olhar a fêmea, despertar seus instintos, e tornar-se um predador impulsivo...
Interessante observar que essa linha tênue, que separa o instinto sexual legítimo, da agressividade criminosa sobre outro ser humano, se confunde em nossa cultura, apesar de não ser claramente admitida. Permanece como óleo na água, sem misturar-se, mas absurdamente latente e real, cruel e ameaçadora.
Em termos gerais indica que não houve ainda evolução suficiente para que a mulher possa considerar-se em condição equivalente ao homem.
Muito pelo contrário, as próprias mulheres são preconceituosas em relação ao sexo feminino.
Outro dado da pesquisa mostrou que a maioria dos entrevistados eram mulheres e dessas 63% afirmaram que "problemas domésticos devem ser discutidos em casa", mesmo quando envolvem violência do homem contra a mulher ou as crianças.
Nesse ponto devemos parar e analisar com cuidado os fatores que levem a esse tipo de situação. É preciso considerar a insegurança feminina em relação à estabilidade familiar. Denunciar o marido equivale a uma espécie de ruptura na relação. É recurso considerado extremo, quando qualquer outro não surte efeito e o desenlace da família parece a única saída.
De uma maneira geral, dizer que a mulher obteve avanços sociais e culturais ainda é prematuro. O fato de estar ocupando espaços cada vez maiores no mercado de trabalho demonstra que é mais autônoma em relação à sua sobrevivência. Mas não, necessariamente, que tenha atingido uma posição de igualdade.
Talvez de maior sobrecarga. A mulher de hoje carrega nas costas o peso da família, principalmente quando acaba o casamento e as leis acabam beneficiando o homem "que precisa refazer a sua vida", liberando-o hipocritamente de assumir o peso da responsabilidade familiar ou pelo menos a metade equivalente das responsabilidades sobre os filhos, mesmo quando goza
de situação financeira privilegiada.
São tantas as disfunções que a sociedade enfrenta em relação à mulher, que "avanços" comemorados precisam  ser analisados com maior prudência. O papel exercido pela mulher  na família, por exemplo, está em falta: ninguém assumiu essa função, que é empurrada para a escola e mantém à deriva o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Não há mudança que a mulher possa promover, se não houver simultaneamente a mudança do ser masculino.
E em meio a tudo isso, a mulher ainda depende de cuidado no vestir, de maneira a "não provocar" interpretações erradas ou despertar a sexualidade ou a agressividade no homem..
É uma situação triste, mas também ridícula. Talvez a burca resolva o problema, não é assim? Uma burca colorida, bem ocidental e disfarçada, na exata medida da confusão cultural que insiste em olhar a mulher como uma boneca inconveniente!...(Mirna Monteiro)

Wednesday, January 15, 2014

EMBEBEDAR-SE SOLITARIAMENTE


Irritado com as críticas a uma tentativa de selecionar frequentadores de um shopping em São Paulo, sob argumento de evitar "transtornos aos clientes e lojistas", o dono de uma franquia no local sibilou: "Eu não tenho de aguentar ameaças de marginais para preservar algum direito de circulação de quem quer apenas fazer seu "rolezinho" sem tostão furado no bolso. Podem me chamar de preconceituoso, mas eu quero saber qual a diferença em selecionar frequentadores do shopping e amigos que entram na tua casa!"
Ao ser questionado sobre a diferença entre um local publico e particular, encerrou a conversa: "Eu não tenho culpa da situação, não fui eu quem inventou pobres, ricos, honestos e marginais!"...
Essa é a questão crucial de todos os problemas sociais.
O temos a ver com os outros?
Tudo e nada, ao mesmo tempo. Parece muito fácil ignorar situações que nos desagradam ou são complexas demais, a ponto de se tornarem uma espécie de ficção em nossa realidade.
Mas logo a frente, em algum momento futuro, o que era ficção - ou problema dos outros - vai se enroscar em nossa vida. Que afinal não será problema de outros também.
Até que ponto devemos nos sentir culpados ou responsáveis por situações que não provocamos ou com o sofrimento de quem não conhecemos?
Aparentemente, quanto mais problemas percebemos ao nosso redor, maior é a vontade de fechar as portas da consciência e de nosso espaço social. É ação automática, um irresistível impulso de defesa.
No entanto tudo o que acontece tem relação direta ou indireta com o mundo particular de cada um.
Do ponto de vista ético, participar da vida equivale a valorizar o semelhante como  si próprio, já que dependemos da comunidade para garantir a sobrevivência. Portanto quem é hermético ao sofrimento alheio contraria a natureza da auto-preservação, a não ser que esteja sob ameaça, onde admite-se que valores éticos sejam atropelados pela natural luta pela vida em caso de confronto.
Há várias formas de omissão. Negar auxílio a alguém  é uma delas. Mas até que ponto?
 Jornais, revistas e produtos responsáveis pela informação podem omitir determinados detalhes de um fato,  quando sabemos que uma simples fofoca que omite um aspecto da verdade, pode mudar a história?
A omissão esbarra em questões éticas. Suponhamos que uma pessoa seja perseguida injustamente e outras omitem seu paradeiro! Seria essa uma omissão ética?
Poderíamos omitir a existência de um calo no pé ou de algo pessoal sem que isso ocasionasse qualquer transtorno. Schopenhauer diferenciava a mera omissão ou mentira  de qualquer outra ação que não provocasse dano a alguém ou a qualquer coisa. Tem lógica! Omitir o tal calo no pé, portanto, não seria da conta do nariz alheio!
Digamos que um médico decida omitir o diagnóstico fatal de um paciente terminal que demonstra pavor da morte. Seria um ato piedoso omitir ou mentir?
Essa sutil diferença entre a omissão- ou a mentira não pronunciada, exige capacidade de diferenciar e de prever desdobramentos do bem e o mal. Não é algo tão fácil.
Kant lembrava a responsabilidade da mentira ou da omissão da verdade. Todos os desdobramentos do acontecimento seriam portanto de quem cometeu a omissão, como uma mão que desvia a linha do destino.
Assim assumir a responsabilidade por uma omissão, decorra dela um ato justo ou injusto, é assumir-se responsável também pelo que vier a suceder. 
O que se percebe, no entanto, é uma tendência a se isolar e fugir. Quando as coisas vão mal, as pessoas lamentam e erguem muros, mantendo-se sobre eles enquanto aguardam que alguém ou alguma coisa transforme o caos em ordem. É uma atitude comodista. Ao longo da história a omissão acontecia mais por ignorância dos fatos do que por fuga da realidade. O preço pago por essa atitude sempre foi alto, de grandes sofrimentos.
Hoje vivemos em uma era onde a comunicação é farta, mas onde o conhecimento do que é divulgado nem sempre é real e seguro. Isso causa um grande desconforto. Necessitamos de certezas. 
Não há como preservar a própria integridade física escondendo-se atrás de muros. A violência rompe as barreiras físicas. A única maneira de obter segurança é o esforço em definir o emaranhado de informação e imposições de posturas de pensamento e ideias. 
Nesse caso, já que fugir não vai evitar desdobramentos do mal causado por uma omissão, melhor ficar com o parece ético e justo. Já dizia Aristóteles que a disposição de caráter torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, desejando e agindo nesse sentido.
Sartre reafirmou essa realidade, ao observar que " todas as atividades humanas são equivalentes (...)Assim, vem dar no mesmo uma pessoa se embebedar sozinha ou liderar nações". A realidade é criada a partir da responsabilidade das ações e é isso que torna diferente, em maior ou menor grau de importância, qualquer ação humana. E assim determinamos a qualidade de nossa liberdade. (Mirna Monteiro)