Thursday, April 04, 2013

DEIXANDO A VIDA MORRER


Um dos modismos na ficção é a eliminação da solidariedade e do amor ao próximo. O mundo se transforma em um lugar solitário, onde o que vale é a sobrevivência individual e não coletiva. No cenário urbano tradicional vale tudo em nome do poder e do dinheiro, não importa quantos sejam imolados para que um indivíduo atinja seu objetivo. Em cenários futuristas, quando vírus desconhecidos invadem a terra, é melhor cuidar da própria pele e atropelar o semelhante nas ruas e estradas  mesmo que sejam sadios, para evitar que um dia se transformem em potencial transmissores de alguma doença exterminadora...
Por que falamos da relação ficção e vida real?
Porque a ficção, em primeira análise, é a representação criativa do ser humano, em sua vivência real do passado e dos seus anseios, medos e expectativas do futuro.
Por esse motivo a ficção é transformara da sociedade sob diferentes aspectos. "Acorda" desavisados sobre o risco de certas ações, mas estimula os mais violentos a liberar os instintos mais baixos. Principalmente nos filmes, onde o crivo crítico fica mais comprometido do que na literatura escrita pelo poder da imagem, do som e das mensagens subliminares,onde a imaginação humana pode misturar-se e gerar verdadeiros atentados à sanidade de expectadores.
A ficção portanto, é poderosa formadora de opinião e conceitos sobre a vida. Pode despertar a filosofia ou, em oposto, o descaso com a vida. Pode ensinar a trajetória do ser na sociedade e orienta-lo no percurso ou tornar a vida humana tão fútil como um sanduíche de vento ou ainda dar a entender que a vida é apenas uma mera condições individual e que o coletivo é ameaçador e inimigo, destruindo a civilidade.
Esse poder não é novidade. Novidade é o potencial destruidor que tomou conta da ficção. Nos séculos passados a literatura inicia com contos da carochinha, que mostravam no teatro da linguagem a realidade da vida, dividida entre o bem e o mal. Por ai seguiam, tornam-se picante e estimulando mudanças de comportamento sexual que transformaria a moral do futuro. Agora pisoteiam a ética e civilidade, com tal ênfase que mesmo o "Bem e o Mal"  tornam-se mesclados e confusos.
É essa nova sociedade que transferiu para a vida real a inconsistência da ficção americana dos seus filmes sanguinolentos e compostos de seres ensandecidos, em uma sucessão de imagens  e barulho que elimina a possibilidade crítica do expectador. Tendência que passou a ser adotada na produção de filmes por outros países e que, no final das contas, com o passar de poucas décadas, aproxima-se do retrato de uma nova realidade social. A ponto de depararmos cada vez mais frequentemente com denúncias de que tudo
conspira contra a sanidade humana, ultrapassando as telas da TV e do cinema e atingindo programas de computadores, sites e até telefones celulares, que utilizariam recursos subliminares, captados pelo inconsciente humano e não percebidos visualmente.
Se chegamos a esse ponto, não sabemos ainda. Mas que a transformação do homem como ser social é pouco segura, isso é inegável.
Por esse motivo quando médicos e outros funcionários de hospitais ou pronto-atendimentos deixam seres humanos morrer na calçada ou em alguma cadeira na sala de espera, pensamos: parece coisa de ficção!
Da mesma forma quando observamos a necessidade de vigiar nosso sistema judiciário, denunciar sentenças absurdas e contrárias à ética, processar advogados que roubam seus clientes na tranquilidade das procurações ou defendem assassinos confessos como "pessoas normais"...parece coisa de cinema! Situações surgidas de mentes que desejam grandes bilheterias pelo choque da displicência e da maldade do sistema começam a se tornar parte da rotina da vida real.
O desleixo com a vida no entanto é responsabilidade da própria sociedade. Talvez seja o momento de reconhecer que estourar cabeças de zumbis e espirrar sangue para todos os lados não favorece a sobrevivência coletiva e nem individual e que a vida não precisa necessariamente imitar a arte, que nem sempre é criação válida. O que falta é o outro lado da balança, demonstrando que a vida é preciosa, seja ela de quem for e onde estiver, seja a de uma árvore secular, um animal ou o ser humano. Pensar sobre o assunto não é sonho ou utopia. É alternativa. (Mirna Monteiro)

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