Thursday, May 17, 2012

AFETIVIDADE E OS DANOS DA OMISSÃO

Há coisas que não esquecemos. O cérebro humano registra absolutamente tudo que acontece, na impressão física ou emocional. Nem sempre esta memória pode ser "acessada" pelo simples fato de que o cérebro humano possui um mecanismo biológico que bloqueia memórias indesejáveis ou desconfortáveis, como uma forma de defesa emocional.
O que não quer dizer que que a ação de experiências traumáticas ou desagradáveis sejam neutralizadas. A ausência da consciência do fato não impede que determinadas patologias possam instalar-se e interferir no comportamento de uma pessoa. Freud observou bem a existência de mecanismos de supressão de memórias, hoje reconhecida como um mecanismo biológico, e não simplesmente mental.

Recentemente a Justiça condenou um pai ao pagamento de uma indenização de R$ 200 mil  por abandono afetivo da filha, hoje adulta. Ainda que a matéria seja controvertida, não deixa de ser uma vitória do bom senso, diante de uma realidade crescente - a irresponsabilidade na criação dos filhos - que afeta a base social de maneira progressiva, tornando a sobrevivência coletiva um risco.
Seria esta uma afirmação exagerada? Não há exagero. O ser humano é absolutamente vulnerável às sensações do mundo externo, sejam elas construtivas ou destrutivas, mas determinantes em comportamentos futuros e estados emocionais. Ou seja, não precisamos de qualquer mecanismo para criar equilíbrio ou desequilíbrio em um ser humano além daquele que determina a afetividade ou a ausência da afetividade.

O que seria o abandono afetivo dos pais? Seria a usurpação da afetividade, ou seja, a omissão não apenas do contato, mas da expressão de cuidados e emoção construtiva, como o amor. No caso da criança e do adolescente essa omissão pode ter efeito catastróficos, comprometendo o equilíbrio emocional e "empurrando" a criança para desequilíbrios e conflitos emocionais, que podem ir desde a má formação do caráter, até problemas físicos e emocionais, que não raro acabam desembocando no uso de drogas ou comportamentos anti-sociais.
A questão da afetividade é reconhecida juridicamente há poucos anos, com o aumento da irresponsabilidade familiar e a obviedade dos danos individuais e coletivos dessa ação. Estudos científicos comprovam esta relação. Um dos exemplos mais interessantes é a influência da afetividade no controle de patologias como a psicopatia. Estudos demonstram que a predisposição genética a comportamentos psicopatas pode ser atenuada quando a criança é criada em ambiente afetivo, enquanto que o contrário também ocorre, ou seja, a tendência a comportamentos violentos ou anti-sociais pode ser estimulada quando a criança é vítima de violência e ambiente hostil.

Exigir responsabilidade materna e paterna é uma urgência não apenas em respeito ao indivíduo, mas à coletividade. Ao abandonar o lar, um pai ou uma mãe causam profundas feridas emocionais ao filho, seja uma criança ou adolescente. Negar o contato e a afetividade aos filhos após romper a relação com o cônjuge é cruel e irresponsável.
A questão é prática, ainda que pareça ser emotiva. Cuidar exige atenção às necessidades materiais, mas também, psicológicas. A ausência de amor não elimina, necessariamente, a questão da afetividade. Ou seja, alegar impossibilidade de amar um filho não é argumento para o abandono material e emocional, conforme entendeu a Justiça nos raros casos de processo. (Mirna Monteiro)

1 comment:

  1. Anita Arouche L6:33 AM

    A Constituição brasileira determina, em seu artigo 227, que é dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem” o direito “à convivência familiar”. E perguntamos nós,onde está cumprimento disso??????

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