Thursday, August 30, 2007

O Destino e a inexorabilidade


Recentemente, em discussões de grupos na internet, o tema foi o "destino". Palavra fácil, com sentido complicado, pois envolve suposições, crenças ou, como não, lógica extrema. Depende do ponto de observação.
A preocupação com o futuro é evidente. É raro encontrar alguém que não se preocupe com o que vai acontecer no próximo minuto, nas próximas horas, no próximo ano ou até onde vai poder contar com essa expectativa.
Mas há algo mais nessa ansiedade. Talvez a ausência de conteúdo imediato, que promova a atenção total para o momento presente. Talvez, também, certa confusão no viver pura e simplesmente, diante de acontecimentos que não são exatamente imprevisíveis, mas que tornam a necessidade de mudanças mais premente.
Aí volta e meia alguém quer saber: como será no futuro!
Muitos desconfiam de que existe alguma programação pronta, como se a vida fosse páginas de um livro já escrito e com final definido, cuidadosamente desenvolvido para emocionar, premiar ou punir o sujeito. “Certas vezes me ponho a pensar sobre essa intrincada e incompreensível trama que é a nossa vida e me pergunto se por detrás dela não existe algum tipo de ordem ou razão”, opinou um ouvinte em uma palestra que deveria versar sobre o humor e saúde, mas que acabou se transformando em um debate existencialista.
Com toques dramáticos! Falar sobre o destino é dramático. Extenuante até, para os mais afoitos em obter alguma certeza do futuro. Existirá uma ordem, seja ela do ponto de vista individual ou coletivo, que funcione com um traçado prévio dos acontecimentos? Ou os acontecimentos são simplesmente resultado de ações, estas sim funcionando como uma mão de direção para o futuro?
Há quem afirme que tudo isso é uma bobagem e que faria melhor a humanidade se concentrasse suas preocupações em construir o momento presente e futuro, sem a cômoda impressão de que não precisa fazer absolutamente nada, pois tudo já está traçado. Cruzar os braços e resmungar a todo instante que "não ia adiantar fazer nada mesmo"...
Os antigos acreditavam que quem gerenciava os acontecimentos e o destino dos humanos eram os deuses ou forças que estariam acima das forças do homem. A mitologia descrevia o estado primordial, primitivo do mundo como o “Caos”, que segundo os poetas era uma matéria que existia desde os tempos imemoriais, sob uma forma vaga, indefinível e indescritível.
Caos era ao mesmo tempo uma divindade, talvez rudimentar, mas capaz de fecundar.Por aí já se percebe que tinha seu toque de inexorabilidade. Obviamente.  Pois foi assim que gerou a Noite. E foi do Caos e da Noite que foi gerado o Destino, uma divindade cega e portanto definitivamente inexorável, ao qual estariam submetidas todas as outras divindades.
O Destino era poderoso, por si só uma fatalidade. Os céus, o mar, a terra e os infernos, todos faziam parte de seu império, que não era nem a favor dos deuses, nem a favor dos homens.
As leis do destino eram escritas desde o princípio da criação em um lugar onde deuses podiam consultá-la. E segui-las, irremediavelmente. As leis do Destino tornaram culpados muitos mortais, apesar de sua vontade de permanecer virtuosos. Os homens jamais sabiam do seu destino. Em termos, veja bem, porque ele poderia deixar de ser misterioso através da visão dos oráculos.
Uma visão fatalista, que naturalmente modificou-se conforme a sociedade humana foi se aprimorando e sofisticando-se. O homem percebeu que regras podiam ser mudadas e cursos de rios desviados. Ainda assim, em tempos de grandes mudanças e de novos conceitos, a certeza de um destino imutável permanece forte. “Tudo que se planeja esbarra na imprevisibilidade e se transforma”, lamentou um fatalista....ora, se há imprevisibilidade e transformação não pode  haver imutabilidade!
Controvérsias e confusões. Essa interpretação de uns entra em choque com a de outros, que defendem uma nova postura do otimismo e do pensamento positivo. Defende a idéia de que o ser humano possui força suficiente em seus pensamentos para criar as situações futuras, como se desenhasse no papel o que deveria acontecer, sendo o próprio escritor do destino, o criador de seu futuro.
Neste caso não se nega a existência do Destino. Nega-se a sua fatalidade. Ele continua imponderável, mas subordinado às ações e aos resultados delas. Continua inexorável, mas consciente da que tudo que existe foi ocasionado por uma ação determinada ou um pensamento, coletivo ou individual. Se para cada ação existe uma reação, o futuro seria construído e modificado a todo momento!
Há quem não goste dessa idéia. Dá trabalho! Responsabilidade. Isso significaria que o destino, como resultado de nossas ações e pensamentos, não é imutável e definitivo, podendo ser transformado. Se for uma caca, a culpa não é do onipotente, mas nossa. Ou de quem atuou.
Essa responsabilidade, individual e coletiva, ameaça os que preferem ser irresponsáveis. Impossível controlar o mundo e o universo, reclamam. Como conter o furacão, as entranhas da terra que explodem vulcões, os tsunamis? Podemos controlar o que?
Será mesmo assim tão impotente a humanidade? Ou confundimos ações e pensamentos que deveriam estar uníssonos com o poder natural com desejos primitivos de dominar e mudar essa natureza?
Parece que o que temos hoje é simplesmente um resultado de ações passadas, em todo o universo. Não há isolamento possível e todos os acontecimentos passados interferem no presente e no futuro...Essa idéia parece ser a constatação de que nada no universo é individual – nem mesmo a consciência humana, pois ela interfere no ambiente através do pensamento.
Pensando bem, destino, seja ele estático ou em constante mutação, baila na mente humana com o movimento do prazo ao qual se apega a vida preocupada com a finitude. Se isso é de fato um final ou uma mudança, essa é uma outra história...(Mirna Monteiro)

Monday, August 27, 2007

DISFARCES DA MALDADE


- Que é isso Liandra? Caiu o seu queixo?
- Ah? Gente! Pode continuar dando risada, caiu mesmo! E aí, o que houve?
- Apolo teve sorte. Caso Meriel houvesse demorado mais um pouco para encontrá-lo, certamente morreria alí, naquele quarto, cada vez mais exangüe.
- Meu Deus! Mas essa Valeriana! Dá vontade de passar em cima dela com um rolo compressor e depois picar pedacinho por pedacinho, com uma tesoura!
- Liandra! Que violência é essa?
- ...E queimar, um a um, cada um desses pedacinhos.
- Não se pode sequer brincar com coisas assim. Deixa disso. Não combina com você. Parece contraditório que uma história sobre alguém como Meriel inspire tamanho desejo de violência.
- Mas como não? Essa Valeriana é muito baixa!
- Pode ser, realmente. Mas o mundo está cheio de valerianas. Pessoas que não conseguem encontrar dentro de sí mesmas nada que valha a pena e vivem com o objetivo de exaurir quem possui valores.
- E você não acha normal a gente sentir indignação e repulsa por pessoas assim?
- ....É, acho que sim. Mas de certa maneira especial. Não podemos ser cúmplices do mal, mas não podemos querer o direito sobre a vida e a morte desse tipo de gente. Não podemos odiar alguém, por nos indignarmos com sua capacidade de ódio.
- Assim fica difícil. Esse critério de justiça é complicado.
- Eu também achava que sim. Mas veja bem, não o é, de fato. Se você procurar sentir com o coração e não racionalizar nos padrões culturais. Suponha que existe aqui, dividindo nossa vida, alguém de sentimentos baixos como Valeriana. De que adiantaria o nosso ódio por ela? Enquanto que, se nos cuidassemos e não permitíssimos simplesmente que ela pudesse exalar sua maldade, não estaríamos compactuando nem com ela, nem com o mal, já que não permitimos nos contaminar por ele, não nos violentamos sendo igualmente baixos em nome da justiça.
- Ah, Aldo! Quer dizer que se Valeriana estivesse aqui, agora, apertando aqueles olhos ruins em cima de você e tentando espremer seu coração como se fosse uma laranja, bebendo seu sangue, você ia sorrir e dizer: não faça isso, Valeriana, está errado, minha filha?.... Que foi?
- Nada. Bem, não é isso. Eu me defenderia, com unhas e dentes se preciso fosse, mas apenas assim, como auto-defesa. Para fazer isso eu não dependeria de sentimentos baixos. Posso me defender, preservar a minha integridade física, sem permitir-me odiar quem quer que seja.
- ....Você está mesmo bem? Empaliteceu, Aldo!
- Só um ligeiro mal estar. Aquele monte de doces que comemos.....
- Sei.....
- Creio que, de qualquer forma, Valeriana não representa o lado mais perigoso do mal.
- Como assim?
- Bem, Valeriana nunca soube disfarçar com eficiência a estupidez de sua alma. Era tão agressiva e estúpida, tão ambiciosa e ansiosa, que não tinha paciência suficiente para a dissimulação do seu ódio por tudo e por todos. Seus objetivos eram claros, ela queria destruir o máximo possível, destruir sentimentos, pessoas e tudo mais que encontrasse pela frente.
- E aí? Continuo sem entender....
- Quero dizer que pior é a pessoa dissimulada, que sente o ódio profundo, o mesmo ódio de Valeriana, mas que o disfarça com palavras e ações dúbias.
- Sei...demônios travestidos de anjos...
- Nem sempre o que a boca professa, a mente e o coração admitem. Há pessoas cujas palavras são perfumadas, mas as ações, escondidas e dissimuladas, fedem a enxofre do pior. Conheci uma pessoa assim.... tinha olhos bondosos e sorriso simpático. Dizia-se extremamente religiosa e exigia das pessoas posturas de santo. Mas quando ninguém a observava, deixava o fel que escondia sair, como puz em uma ferida. Não assumia nunca os seus verdadeiros sentimentos. Agia nas sombras. Ludibriava crianças, tentando confundí-las e perante quem a podia julgar, dizia apenas palavras doces.....assim. Conseguiu guardar rancor durante anos das pessoas e não hesitou em prejudicar seus próprios filhos em nome disso. Tornou-os tão fúteis e falsos como ela.
- Bem, essa não me parece ser uma situação invulgar. É comum demais, até.
- Por causa da dubiedade humana. Há quem pense que a mistura de bons e maus sentimentos leva ao perdão divino. Seria uma impropriedade divina, se assim fosse.
- Não se pode mudar o mundo.
- ....Estamos aqui para isso, não? Ou por que seria?
- Não sei, não sei....É, deve ser...Eu não entendí uma coisa....No mesmo instante em que Valeriana atacava Apolo, quando o seduziu, Meriel saiu de seu corpo físico e a encontrou grávida, em outro espaço de tempo?
- É, parece que sim. Eu entendí que naquele instante Meriel captou exatamente o que ocorria, além do momento. Quer dizer, ela não apenas soube aquilo que ocorria naquele instante, como em um desdobramento de tempo, viu que uma nova vida surgia, conforme Valeriana pretendia ao seduzir Apolo. Como se estivesse no futuro.
- Mas ela devia é ter sonhado com isso antes e de alguma forma ter impedido que Apolo fosse seduzido por essa malvada.
- Sob essa ótica, a natureza deveria destruir o homem antes que surgisse...no momento em que se enunciasse a sua existência, para evitar o caos em que seria transformada!
- Ah, quer dizer que na sua opinião os acontecimentos são inevitáveis? Não se muda o destino?
- Absolutamente, muda-se sim. Meriel dizia que nada é definitivo e que nós criamos o nosso futuro todos os dias. O nosso amanhã vai depender do que somos hoje.
- Mas e a ação dos outros? Não creio que dependa apenas de nós mesmos o nosso futuro.
- Não sei Liandra, há tanta coisa que não consigo ainda definir. Mas é provável que haja, acima de tudo, a necessidade de desdobramentos. Aquilo que não depende de sua vontade ou que é impossível para você transformar ou evitar, certamente deve ter um peso no futuro.
- Aquela história do “há males que vem para o bem”.....Deixa para lá, senão vamos levar a vida inteira discutindo isso. Quero saber o que houve com Apolo.
- Onde estávamos?

( trecho do livro "A Colina" - MM)