Thursday, November 01, 2007

A MORTE ENTENDE A VIDA

A morte certamente é a única certeza humana, por mais que esta frase soe desagradavelmente simplista. Mas há outra condição causada pela morte que vagueia com a mesma determinação na boca popular ou nas altas discussões filosóficas: a morte jamais é enfrentada com ausência de emoção.

Medo, dor, sofrimento, raiva, resignação, são sentimentos comuns à morte. Seja a emoção proveniente de quem tem consciência de que irá morrer, como no caso da perda de alguém importante.

O que diferencia o tipo de sentimento diante da morte sem dúvida é a própria vida ou a qualidade da vida daqueles que enfrentam o rompimento. Não no que se refere ao poder econômico ou social, mas à capacidade filosófica ou mesmo religiosa, que levam a um enfrentamento que pode ser mais realista (não fatalista) ou resignado.


Escreveram que Sócrates, ao beber da taça que continha o veneno, foi orientado a andar até sentir as pernas dormentes. A certa altura apalpou as pernas e disse: - Quando chegar ao coração será o fim!
Naquele momento, Sócrates enfrentava a própria morte com absoluta serenidade. Sem fatalismo dramático, mas com realismo. Se houve medo, soube bem desdenhá-lo, voltando-se para Críton, um dos amigos presentes, e dizendo que devia um galo a Esculápio.
- Vais lembrar de pagar a dívida?
O grupo presente, diante das últimas palavras do filósofo, rompeu em prantos, chegando aos berros, como no caso de Apolodoro.



O que vemos aqui é um enfrentamento da morte que poderíamos considerar natural. Ora, Sócrates já havia ingerido a cicuta, depois de ter lutado para preservar a vida e perdido a batalha. Como qualquer pessoa que procura interpretar o universo, o filósofo bem sabia que o ciclo natural é inevitável e seu fim havia sido selado no momento em que ingeriu o veneno.

No entanto quem o amava e assistia a cena, não resistiu à tragédia do desenlace. Alguns com lágrimas sentidas pela perda, outros, como Apolodoro, de forma extremada e extenuada.

Quem parte leva saudades...quem fica, fica com o que?

Para onde foi quem eu tanto amo?
O que restou lhe guarda semelhança
Irá desfazer-se como pó
Pois é feito de pó!
Aquilo que aqui ficou e não posso ver
Vejo que nada é apesar de ser
Mas aquilo que se foi
E apenas se percebe
É tudo que mais desejo nesta vida...


Há poesia na morte? Para aqueles que enfrentam a partida de alguém a coisa não é tão simples. Filtrar essa realidade com pensamentos poéticos é tarefa quase impossível. No momento da partida o problema não é a morte em si, mas a ausência de quem se ama.

É essa a realidade a ser enfrentada. A dor da perda e o medo de nunca mais rever quem tanto se ama é torturante. Para superar essa dor, dizem todos, é preciso paciência. O tempo cura as feridas, cicatriza a dor e mantém a saudade sob controle.

Esquecer, para a maioria das pessoas, é impossível. Mas todos que passam pela perda, admitem que o tempo realmente suaviza. A mesma natureza que impõe a morte, também fornece o remédio para a cura das suas dores.

A dor da morte, que é dos que ainda não a enfrentaram, é traduzida das mais diferentes maneiras. Talvez o maior choque seja a constatação de que nosso corpo, que interpretamos como o absoluto, se transforme em uma embalagem vazia, com prazo de validade. Há aqueles que se apegam ao máximo aos restos (que antes eram o absoluto) e busquem artifícios, como o congelamento que trará na posteridade, em um futuro onde o homem assumir-se-á como Deus e trará de volta à vida o que parece ser uma embalagem descartável.


Quem sabe? Outros preferem calcar a esperança e diminuir a dor em monumentos, que todos os anos são visitados, em uma reciclagem de memória. O que é injusto, pois a importância de alguém não pode ser medida por prédios fúnebres e por mais amada que seja certamente chegará o dia em que esse lugar será abandonado, nas gerações que se sucedem.



Para aqueles que duvidam da morte e a interpretam como uma transição, com base em doutrinas religiosas ou esotéricas ou mesmo filosofia (no universo nada se perde, tudo se transforma), transformar-se em pó parece ser purificador, romântico e também higiênico, em um mundo super-povoado que não tem espaço físico, nem tempo, nem recursos para guardar restos que serão esquecidos.

Seja como for, a grande verdade é que o desafio da morte é ainda o mesmo dos tempos de Apolodoro, cujo sofrimento foi superado pela filosofia do próprio mestre. Lidar com a ausência daqueles que amamos tanto, eis o grande desafio. A morte em si não representa dor, sem esse vazio! É apenas um curso natural.

Mas o amor devotado a alguém, esse é o fundamento da morte, assim como será sempre o fundamento da vida. Nesse caso, vida e morte estão indelevelmente ligadas e equiparadas e uma não representa o fim da outra e sim um círculo, onde estão contido os segredos que mantém o universo em constante evolução. (Mirna Monteiro)

Thursday, August 30, 2007

O Destino e a inexorabilidade


Recentemente, em discussões de grupos na internet, o tema foi o "destino". Palavra fácil, com sentido complicado, pois envolve suposições, crenças ou, como não, lógica extrema. Depende do ponto de observação.
A preocupação com o futuro é evidente. É raro encontrar alguém que não se preocupe com o que vai acontecer no próximo minuto, nas próximas horas, no próximo ano ou até onde vai poder contar com essa expectativa.
Mas há algo mais nessa ansiedade. Talvez a ausência de conteúdo imediato, que promova a atenção total para o momento presente. Talvez, também, certa confusão no viver pura e simplesmente, diante de acontecimentos que não são exatamente imprevisíveis, mas que tornam a necessidade de mudanças mais premente.
Aí volta e meia alguém quer saber: como será no futuro!
Muitos desconfiam de que existe alguma programação pronta, como se a vida fosse páginas de um livro já escrito e com final definido, cuidadosamente desenvolvido para emocionar, premiar ou punir o sujeito. “Certas vezes me ponho a pensar sobre essa intrincada e incompreensível trama que é a nossa vida e me pergunto se por detrás dela não existe algum tipo de ordem ou razão”, opinou um ouvinte em uma palestra que deveria versar sobre o humor e saúde, mas que acabou se transformando em um debate existencialista.
Com toques dramáticos! Falar sobre o destino é dramático. Extenuante até, para os mais afoitos em obter alguma certeza do futuro. Existirá uma ordem, seja ela do ponto de vista individual ou coletivo, que funcione com um traçado prévio dos acontecimentos? Ou os acontecimentos são simplesmente resultado de ações, estas sim funcionando como uma mão de direção para o futuro?
Há quem afirme que tudo isso é uma bobagem e que faria melhor a humanidade se concentrasse suas preocupações em construir o momento presente e futuro, sem a cômoda impressão de que não precisa fazer absolutamente nada, pois tudo já está traçado. Cruzar os braços e resmungar a todo instante que "não ia adiantar fazer nada mesmo"...
Os antigos acreditavam que quem gerenciava os acontecimentos e o destino dos humanos eram os deuses ou forças que estariam acima das forças do homem. A mitologia descrevia o estado primordial, primitivo do mundo como o “Caos”, que segundo os poetas era uma matéria que existia desde os tempos imemoriais, sob uma forma vaga, indefinível e indescritível.
Caos era ao mesmo tempo uma divindade, talvez rudimentar, mas capaz de fecundar.Por aí já se percebe que tinha seu toque de inexorabilidade. Obviamente.  Pois foi assim que gerou a Noite. E foi do Caos e da Noite que foi gerado o Destino, uma divindade cega e portanto definitivamente inexorável, ao qual estariam submetidas todas as outras divindades.
O Destino era poderoso, por si só uma fatalidade. Os céus, o mar, a terra e os infernos, todos faziam parte de seu império, que não era nem a favor dos deuses, nem a favor dos homens.
As leis do destino eram escritas desde o princípio da criação em um lugar onde deuses podiam consultá-la. E segui-las, irremediavelmente. As leis do Destino tornaram culpados muitos mortais, apesar de sua vontade de permanecer virtuosos. Os homens jamais sabiam do seu destino. Em termos, veja bem, porque ele poderia deixar de ser misterioso através da visão dos oráculos.
Uma visão fatalista, que naturalmente modificou-se conforme a sociedade humana foi se aprimorando e sofisticando-se. O homem percebeu que regras podiam ser mudadas e cursos de rios desviados. Ainda assim, em tempos de grandes mudanças e de novos conceitos, a certeza de um destino imutável permanece forte. “Tudo que se planeja esbarra na imprevisibilidade e se transforma”, lamentou um fatalista....ora, se há imprevisibilidade e transformação não pode  haver imutabilidade!
Controvérsias e confusões. Essa interpretação de uns entra em choque com a de outros, que defendem uma nova postura do otimismo e do pensamento positivo. Defende a idéia de que o ser humano possui força suficiente em seus pensamentos para criar as situações futuras, como se desenhasse no papel o que deveria acontecer, sendo o próprio escritor do destino, o criador de seu futuro.
Neste caso não se nega a existência do Destino. Nega-se a sua fatalidade. Ele continua imponderável, mas subordinado às ações e aos resultados delas. Continua inexorável, mas consciente da que tudo que existe foi ocasionado por uma ação determinada ou um pensamento, coletivo ou individual. Se para cada ação existe uma reação, o futuro seria construído e modificado a todo momento!
Há quem não goste dessa idéia. Dá trabalho! Responsabilidade. Isso significaria que o destino, como resultado de nossas ações e pensamentos, não é imutável e definitivo, podendo ser transformado. Se for uma caca, a culpa não é do onipotente, mas nossa. Ou de quem atuou.
Essa responsabilidade, individual e coletiva, ameaça os que preferem ser irresponsáveis. Impossível controlar o mundo e o universo, reclamam. Como conter o furacão, as entranhas da terra que explodem vulcões, os tsunamis? Podemos controlar o que?
Será mesmo assim tão impotente a humanidade? Ou confundimos ações e pensamentos que deveriam estar uníssonos com o poder natural com desejos primitivos de dominar e mudar essa natureza?
Parece que o que temos hoje é simplesmente um resultado de ações passadas, em todo o universo. Não há isolamento possível e todos os acontecimentos passados interferem no presente e no futuro...Essa idéia parece ser a constatação de que nada no universo é individual – nem mesmo a consciência humana, pois ela interfere no ambiente através do pensamento.
Pensando bem, destino, seja ele estático ou em constante mutação, baila na mente humana com o movimento do prazo ao qual se apega a vida preocupada com a finitude. Se isso é de fato um final ou uma mudança, essa é uma outra história...(Mirna Monteiro)

Monday, August 27, 2007

DISFARCES DA MALDADE


- Que é isso Liandra? Caiu o seu queixo?
- Ah? Gente! Pode continuar dando risada, caiu mesmo! E aí, o que houve?
- Apolo teve sorte. Caso Meriel houvesse demorado mais um pouco para encontrá-lo, certamente morreria alí, naquele quarto, cada vez mais exangüe.
- Meu Deus! Mas essa Valeriana! Dá vontade de passar em cima dela com um rolo compressor e depois picar pedacinho por pedacinho, com uma tesoura!
- Liandra! Que violência é essa?
- ...E queimar, um a um, cada um desses pedacinhos.
- Não se pode sequer brincar com coisas assim. Deixa disso. Não combina com você. Parece contraditório que uma história sobre alguém como Meriel inspire tamanho desejo de violência.
- Mas como não? Essa Valeriana é muito baixa!
- Pode ser, realmente. Mas o mundo está cheio de valerianas. Pessoas que não conseguem encontrar dentro de sí mesmas nada que valha a pena e vivem com o objetivo de exaurir quem possui valores.
- E você não acha normal a gente sentir indignação e repulsa por pessoas assim?
- ....É, acho que sim. Mas de certa maneira especial. Não podemos ser cúmplices do mal, mas não podemos querer o direito sobre a vida e a morte desse tipo de gente. Não podemos odiar alguém, por nos indignarmos com sua capacidade de ódio.
- Assim fica difícil. Esse critério de justiça é complicado.
- Eu também achava que sim. Mas veja bem, não o é, de fato. Se você procurar sentir com o coração e não racionalizar nos padrões culturais. Suponha que existe aqui, dividindo nossa vida, alguém de sentimentos baixos como Valeriana. De que adiantaria o nosso ódio por ela? Enquanto que, se nos cuidassemos e não permitíssimos simplesmente que ela pudesse exalar sua maldade, não estaríamos compactuando nem com ela, nem com o mal, já que não permitimos nos contaminar por ele, não nos violentamos sendo igualmente baixos em nome da justiça.
- Ah, Aldo! Quer dizer que se Valeriana estivesse aqui, agora, apertando aqueles olhos ruins em cima de você e tentando espremer seu coração como se fosse uma laranja, bebendo seu sangue, você ia sorrir e dizer: não faça isso, Valeriana, está errado, minha filha?.... Que foi?
- Nada. Bem, não é isso. Eu me defenderia, com unhas e dentes se preciso fosse, mas apenas assim, como auto-defesa. Para fazer isso eu não dependeria de sentimentos baixos. Posso me defender, preservar a minha integridade física, sem permitir-me odiar quem quer que seja.
- ....Você está mesmo bem? Empaliteceu, Aldo!
- Só um ligeiro mal estar. Aquele monte de doces que comemos.....
- Sei.....
- Creio que, de qualquer forma, Valeriana não representa o lado mais perigoso do mal.
- Como assim?
- Bem, Valeriana nunca soube disfarçar com eficiência a estupidez de sua alma. Era tão agressiva e estúpida, tão ambiciosa e ansiosa, que não tinha paciência suficiente para a dissimulação do seu ódio por tudo e por todos. Seus objetivos eram claros, ela queria destruir o máximo possível, destruir sentimentos, pessoas e tudo mais que encontrasse pela frente.
- E aí? Continuo sem entender....
- Quero dizer que pior é a pessoa dissimulada, que sente o ódio profundo, o mesmo ódio de Valeriana, mas que o disfarça com palavras e ações dúbias.
- Sei...demônios travestidos de anjos...
- Nem sempre o que a boca professa, a mente e o coração admitem. Há pessoas cujas palavras são perfumadas, mas as ações, escondidas e dissimuladas, fedem a enxofre do pior. Conheci uma pessoa assim.... tinha olhos bondosos e sorriso simpático. Dizia-se extremamente religiosa e exigia das pessoas posturas de santo. Mas quando ninguém a observava, deixava o fel que escondia sair, como puz em uma ferida. Não assumia nunca os seus verdadeiros sentimentos. Agia nas sombras. Ludibriava crianças, tentando confundí-las e perante quem a podia julgar, dizia apenas palavras doces.....assim. Conseguiu guardar rancor durante anos das pessoas e não hesitou em prejudicar seus próprios filhos em nome disso. Tornou-os tão fúteis e falsos como ela.
- Bem, essa não me parece ser uma situação invulgar. É comum demais, até.
- Por causa da dubiedade humana. Há quem pense que a mistura de bons e maus sentimentos leva ao perdão divino. Seria uma impropriedade divina, se assim fosse.
- Não se pode mudar o mundo.
- ....Estamos aqui para isso, não? Ou por que seria?
- Não sei, não sei....É, deve ser...Eu não entendí uma coisa....No mesmo instante em que Valeriana atacava Apolo, quando o seduziu, Meriel saiu de seu corpo físico e a encontrou grávida, em outro espaço de tempo?
- É, parece que sim. Eu entendí que naquele instante Meriel captou exatamente o que ocorria, além do momento. Quer dizer, ela não apenas soube aquilo que ocorria naquele instante, como em um desdobramento de tempo, viu que uma nova vida surgia, conforme Valeriana pretendia ao seduzir Apolo. Como se estivesse no futuro.
- Mas ela devia é ter sonhado com isso antes e de alguma forma ter impedido que Apolo fosse seduzido por essa malvada.
- Sob essa ótica, a natureza deveria destruir o homem antes que surgisse...no momento em que se enunciasse a sua existência, para evitar o caos em que seria transformada!
- Ah, quer dizer que na sua opinião os acontecimentos são inevitáveis? Não se muda o destino?
- Absolutamente, muda-se sim. Meriel dizia que nada é definitivo e que nós criamos o nosso futuro todos os dias. O nosso amanhã vai depender do que somos hoje.
- Mas e a ação dos outros? Não creio que dependa apenas de nós mesmos o nosso futuro.
- Não sei Liandra, há tanta coisa que não consigo ainda definir. Mas é provável que haja, acima de tudo, a necessidade de desdobramentos. Aquilo que não depende de sua vontade ou que é impossível para você transformar ou evitar, certamente deve ter um peso no futuro.
- Aquela história do “há males que vem para o bem”.....Deixa para lá, senão vamos levar a vida inteira discutindo isso. Quero saber o que houve com Apolo.
- Onde estávamos?

( trecho do livro "A Colina" - MM)

Tuesday, June 26, 2007

A dor e a violência segundo Picasso


















Pablo Picasso soube retratar em sua arte o horror da violência, magnificamente traduzido em sua obra intemporal e mundialmente reconhecida, Guernica, resumindo a Guerra Civil da Espanha em um grupo de imagens.

Guernica traduz o bombardeio pelos alemães da cidade de Guernica em Vizcaya, a 26 de Abril de 1937, deixando entrever ao espectador o medo, o sofrimento e a dor vividos nesse período.








Outras obras demonstram a sensibilidade em captar a expressão da dor e da violência no cotidiano.








Em "Refluxo" (acima) e
na tela
"Os miseráveis",
formas e cores
diferenciam os
momentos do sentimento

Tuesday, June 12, 2007

Filosofando a corrupção



Dinheiro dança com a corrupção


O que? dinheiro dança? Ué, já disseram que o dinheiro se movimenta conforme a música. A dança é movimento. A música movimenta a dança. Metáforas, apenas metáforas. O dinheiro está em permanente movimento. Cumprindo suas funções sociais e econômicas. Movimentos honestos e desonestos. Construtivos e destrutivos. Por isso alguém teve a idéia de comparar o movimento do dinheiro, a uma dança. E sua utilização a música. E eu imaginei o dinheiro dançando com a corrupção. Como também dança com todos os gêneros de roubalheira. O dinheiro é cego e mudo.
A corrupção dança com o dinheiro público. Envolvendo gente importante, como membros do Judiciário, governadores, advogados, parlamentares e até ministro do Lula e o presidente do Senado. Uma confusão dos diabos. Prisões transitórias, interrogatórios...Todos os envolvidos na dança afirmam que são inocentes. Quantos dançarinos irão para a cadeia? Corrupto na cadeia é exceção. O dinheiro que dança com a corrupção não tem voz. Como não tem voz o dinheiro que dança com a honestidade. Se o dinheiro falasse, a corrupção seria denunciada. E a honestidade reconhecida.
Acompanho pela imprensa e pela tevê o drama do presidente do Senado. Culpado ou inocente? A dúvida dificulta a resposta. Será que o Conselho de Ética do Senado dará a resposta conclusiva? Ética. Como é bela e desejável a dança do dinheiro com a ética. Principalmente nos poderes Executivos, Legislativos e Judiciários. Mas a corrupção dificilmente deixará de paquerar o dinheiro. Sempre de olhos abertos, à espera de uma oportunidade de dançar com ele. E assim o baile vai continuar. Até quando? O tempo responderá. No momento, a pergunta é: qual será o desfecho da ação da Polícia Federal? Alguém poderá adivinhar? (crônica de Roberto Monteiro, junho de 2007)


(O jornalista Roberto Monteiro escreveu ao longo de sua carreira, mais de 20 mil editoriais e 12 mil crônicas, todos publicados em orgão de imprensa. Além do trabalho como jornalista, Monteiro foi autor de contos e peças teatrais, diretor e produtor de programas e musicais na televisão, sendo premiado com os troféus Roquete Pinto, Tupiniquim e outros nas décadas de 50, 60 e 70)

Thursday, May 31, 2007

A comilança





















(...)Estava difícil falar com Das Dores. Com sua pouca altura, já pesava mais de 150 quilos, adquiridos ao longo dos últimos anos.


Estava cada vez mais irascível. A comida farta não atenuava seu mau humor, nem suavizava a sua visão pessimista e egocêntrica.

(...) Havia clínicas especializadas no assunto. A gordura em excesso era o mal dos paises industrializados e a obesidade mórbida crescia na mesma medida em que o mundo parecia entrar em um processo de histeria em massa e os países pobres, castigados pelo calor, pelas epidemias e pelos desastres da natureza, exibiam seres esqueléticos esperando a morte.
Das Dores não se comovia com os extremos das desgraças.
- Passei minha vida dentro de uma delegacia, vendo horrores e tentando salvar quem fosse possível! E para que? Não há como vencer o mal! – afirmava, com voz alterada.
O ar de equilíbrio na casa do neto a irritava. Mas a idéia de uma internação, ainda que fosse em um spa repleto de conforto, a enojava.
- Sinto-me bem, não é o que importa? Depois, não estou assim tão gorda...
Silvester sentia vontade chorar. Mas de nada adiantavam as suas súplicas. Das Dores, depois de cada discussão, comia ainda mais.

Quando ela não mais saiu de casa, Júlio e Silvester perderam de vez a esperança de recuperá-la.
- Sua avó está se matando aos poucos. Devemos interná-la à força! – disse Júlio. Aquela altura a mulhr não conseguia mais caminhar na rua, nem entrar em um carro.
Aliás, Das Dores não cabia em nenhum lugar. Até as portas pareciam encolher e prender os seus quadris nas esquadrias. Mandara reforçar a cama, que mais parecia um bloco maciço, mas o problema era o colchão: nenhum material suportava muito tempo seu peso e em geral seu corpo afundava o material, fosse da mais alta densidade, fosse de mola, fosse a espuma composta de nanotubos de carbono ou o que quer que existisse!
Um mecanismo complexo de trilhos em aço, comandados por sistema computadorizado, era imprescindível para ajudá-la a levantar-se.(...) O vaso sanitário era uma obra-prima da engenharia, com a circunferência de uma banheira pequena e com todo o equipamento necessário para que Das Dores apenas se preocupasse em sentar-se. (...)

- Ela se empanturra para depois soterrar o sistema de esgoto! – resmungava Júlio.
Mas na verdade ele estava apavorado, sentindo-se impotente com a situação de Das Dores.
- Sua avó vai explodir, não tenha dúvida! A pele está esticada demais!
Certo dia, ao verificar que o sistema computadorizado da cama registrava 230 quilos de peso, Silvester deu o ultimato à Das Dores. Ela seria internada em uma clínica.
- Que raio de neto é você? Está invadindo a minha privacidade!
Ele ficou desconcertado. Pedia desculpas, mas não tinha como evitar tal intromissão.

- Desculpe nada! Você herdou o desvario de sua mãe, a loucura de Anna e a bunda mole de Júlio!
Eu quero comer! Eu gosto! Comer! Comer o quanto puder, entendeu? É minha vida, meu estômago, meus humores, porra! – berrava, enchendo a boca de uva-passa coberta de chocolate e cuspindo para todo lado.
- Não pode ser assim, vó! Já imaginou quantas pessoas poderiam ser alimentadas com toda comida que sua gula consome? Você está comendo por vinte!
O rosto rechonchudo de Das Dores petrificou-se. (...)



Trecho de "O Círculo" -MM

Friday, March 09, 2007

O desafio de ser mulher!


Há alguns anos ainda havia uma certa euforia nos discursos que comemoravam o Dia Internacional da Mulher (8 de março), como se isso justificasse a existência de uma deferência especial, que, quer queira ou não, sempre deixou em aberto a "diferença" do ser feminino.
Afinal, havia muito a ser comemorado pelas mulheres, ao passo que os homens nada tinham a festejar. Não havia sido criado o "Dia do Homem", porque o homem sempre dominou o espaço social, político e produtivo nos séculos e séculos passados.
Mulheres não! Aliás, mulheres eram alijadas da política e das decisões. Pelo menos, abertamente e até onde nosso conhecimento permite. Em séculos bárbaros, onde a força física era a única alternativa para sobrevivência, as mulheres ficavam de fora, costurando as feridas abertas pelas guerras e invasões!
Quando o mundo se revolucionou industrialmente e a sociedade humana passou a uma nova etapa cultural, as mulheres do mundo ocidental mudaram, brigaram pelo espaço e pela participação política e negaram-se a perpetuar a imagem de úteros sem cérebro... E hoje têm direitos e deveres igualitários em sociedades democráticas e livres!
Certo?
Errado!
Pois é, as coisas não são bem assim não! Começando pelo fim, podemos dizer que a situação da mulher não melhorou, em absoluto! A mulher do terceiro milênio é um ser livre por conveniência no mundo ocidental e isso quer dizer, na prática, que a sua liberdade é totalmente discutível.
A mulher do chamado "mundo livre" é um ser extremamente sobrecarregado de funções, confuso com a necessidade de reestruturação da família, onde é, cada vez mais não apenas a "cabeça", mas o corpo todo: houve uma gradativa "fuga" da responsabilidade do homem sobre a família!
Por outro lado, a mulher ainda sofre os mesmos preconceitos de sempre. Ganha menos que o homem quando exerce a mesma função profissional, trabalha em dobro e têm menos direitos e privilégios de carreira nas empresas.
Nunca antes a mulher sofreu tamanha carga de violência! Em todo o mundo, ela é espancada e assassinada em número crescente! Estamos falando do mundo ocidental, evoluído, o mundo do capital e da liberdade...nas culturas da Asia e Oriente Médio a situação vai mal também. Mostra a situação da mulher dos tempos bárbaros: sem direitos a opinar, sob forte restrição de liberdade social e individual e sujeita a penas bárbaras, como no caso do apedrejamento até a morte se houver suspeita de adultério!
Mulher do oriente, mulher do ocidente... Isso faz pensar: se de um lado ela sofre penalidades bárbaras e cruéis, de um extremismo insuportável, de outro, nas modernas cidades dos paises desenvolvidos, ela sofre penalidades bárbaras e cruéis também...embora reconhecidamente ilegais.
Interessante: de um lado a mulher é sufocada por véus e ameaçada de pedradas por uma cultura cruel e de outro é sufocada pela realidade e ameaçada por facadas e tiros por inoperância da Justiça, em uma sociedade que apesar de alardear liberdade e igualdade ainda é cercada de preconceitos!
Vai mal a situação da mulher!
O alarde a respeito das conquistas femininas é relativo e cheira a manipulação do moderno sistema de consumo e na dança do giro de capital! Há interesses na engrenagem que move o mundo moderno, o que não significa necessariamente que podemos interpretar nesse conjunto alguma "vitória da mulher", já que a manipulação é um perigo de muitas faces.
Provavelmente, ainda assim, a mulher ´poderá superar as dificuldades e acertar os ponteiros com a sociedade. Poderá, quem sabe, cumprir com o mais fundamental de todos os desafios e ajudará a equilibrar o mundo.
Mas ainda há muito trabalho pela frente antes de considerar que há de fato um equilíbrio a ser comemorado! (Mirna Monteiro)

Tuesday, January 16, 2007

Literatura















( ...)A Jorge não importava quem eram aqueles homens. Via um velho ser covardemente espancado e uma criança ser maltratada. Isso bastava.
Sem hesitar, sentindo a tragédia no ar como uma corrente elétrica, saltou sobre o grupo, puxando o homem ensangüentado pelo braço.
- Heidnisch! Unverschämt! – berrava, enquanto distribuía sopapos a esmo.
Jorge era ainda suficientemente jovem e forte para enfrentar uma situação de violência. Mas antes que pudesse avaliar as suas chances, enquanto distribuía socos e pontapés, sentiu um objeto duro bater em sua cabeça, com tanta força que teve a impressão de seu cérebro tremia, ressoando como um sino.
Ao mesmo tempo, em uma fração de segundo, ouviu uma voz conhecida gritar para que parassem.
Quando recobrou os sentidos, ouviu vozes e lembrou-se daquele grito. Pela primeira vez na vida sentiu realmente medo de enfrentar o que viria.
Percebeu que ainda estava deitado na neve. Haviam colocado alguma coisa sob sua cabeça, para mantê-la levantada.
Havia vários rapazes em torno dele. Alguém o segurava e Jorge não queria saber quem era. Mas seus olhos moveram-se como se não tivessem controle e fixaram os do filho caçula, Reinhard.
O instante de silêncio que se seguiu pareceu a Jorge longo demais. Reinhard, com os olhos de um azul mais frio do que o ar daquela noite, ajudou-o a levantar-se.
- Vá embora, pai! – disse, antes de virar-se e juntar-se ao grupo, que saia do lugar.
Jorge olhou em torno. Não havia sinal do homem espancado e da criança. Observou o filho, que seguia atrás dos outros rapazes.
Mas Reinhard não olhou para trás.
Sem saber o que fazer, Jorge retornou para a ponte, pensando se não deveria, afinal, debruçar-se sobre o parapeito e deixar-se escorregar para a água gelada e escura do Danúbio.
A cabeça latejava, dolorida e ele sentia o sangue quente escorrendo no couro cabeludo e endurecendo nos fios de cabelo congelados pela neve.
Escorregar para aquele rio!
Seria rápido! Um primeiro choque e depois o amortecimento. Não sentiria mais dor, não sentiria sequer o frio! Provavelmente iria desfalecer, vencido por um sono irresistível!
Lembrou-se da velha Tereza, de olhos assustados, comentando sobre alguém que havia perdido a alma ao atropelar a vida e provocar a própria morte. Sacrilégio abominável...quase podia ouvir a voz morna de Tereza. Quantos anos ele tinha então? Era tão pequeno! E tão feliz!
Perderia a alma!
Jamais se reencontraria com as pessoas que tanto amava.
Como Emma!
Imaginou se estaria sendo ridículo por considerar a crença de uma pessoa simples como Tereza. Deveria ser cético, duro e frio, para manter o controle e a sanidade.
Exatamente como as pessoas que tanto desprezava na vida...
Afastou-se da murada e retornou, encontrando o boné de lã caido próximo a calçada. Mesmo úmido, ele lhe deu conforto e a cabeça parou momentaneamente de latejar.
Não sentia cansaço, nem frio.
Andou até amanhecer, quando resolveu pegar um trem a esmo, sem se preocupar com seu destino. (...) (trecho do livro "O Círculo"-MM)

Sunday, January 07, 2007

Estamos perdendo o rumo?


Volta e meia encontramos alguém que desabafa, aflito: “estão todos loucos!  As pessoas estão perdendo a lucidez”

Por que? Os motivos são vários – irritação excessiva, ausência de auto-controle, falta de afetividade e tendência à destruição. Dentro da própria família os sintomas são cada vez mais óbvios – desagregação, egocentrismo, disputa interna, clima inamistoso.
Mas o que mais se ouve e impressiona é a afirmação de que as pessoas estão perdendo a capacidade crítica e qualquer freio moral.
A ausência de capacidade crítica torna a pessoa extremamente vulnerável ao erro e engano. A falta de “freios morais” a torna potencialmente perigosa, sujeita a achar natural a invasão da privacidade alheia ou apropriação de bens que não lhe pertencem ou ainda a atos violentos.

Seria um sintoma de loucura? Ou de histeria coletiva, um fator que desagrega a sociedade da racionalidade que permite uma convivência produtiva e pacífica?
Perguntas e perguntas. Que parece haver uma gradativa perda de identidade e um processo de histeria coletiva - onde se age pela emoção, sem um racicínio independente e lógica individual - isso parece! Há quem afirme que a sociedade moderna  está cada vez mais integrada por pessoas que confundem a realidade com a ilusão criada pela ficção ou pela mídia, farta em mensagens subliminares

Somos seres racionais e a nossa vontade é racional. Assim nos percebemos lúcidos e com capacidade de definir a realidade. Qualquer pensamento ou emoção que extrapolem determinados limites podem ser interpretados como uma ficção ou uma ilusão sob controle.

Mas é preciso considerar a capacidade humana de reintegrar-se em seu isolamento mental. No momento em que divagamos dentro de nós mesmos, a concepção do certo, errado ou do que é real pode mudar. Podemos permitir que haja maior abertura para a irracionalidade, a fantasia e a ilusão. Ou permitir uma reestruturação do pensamento diante de uma nova realidade, que permitirá maior segurança de sobrevivência.

Assim como todos nos sentimos seguros quando percebemos a realidade fora de nós, onde podemos ter a percepção sobre ela e diferenciar realidade de ilusão, também a incapacidade de lidar com as duas realidades pode ser perigosa.
Tornar-se excessivamente pragmático portanto é colocar em risco a própria sanidade, uma vez que a pessoa que vive exclusivamente para uma realidade imediata e material – aquela que considera única – é facilmente dominada pelas regras desse mundo imediato.
Ficará, por exemplo, mais sujeita às pressões de uma sociedade imediatista e superfial e mais sensível ao processo de histeria que se instala coletivamente.

O estudo da psicanálise demonstra a importância de nosso inconsciente. Considerando a Filosofia, esse mundo interior se torna muito mais amplo e capacitado para conduzir-se e não consistir simplesmente em um reflexo do mundo exterior.

Deveríamos conscientizar a importância de nosso mundo mental, ou de nossa alma. No entanto, estamos sempre na dúvida sobre quais das sensações – a liberdade do pensamento livre e da imaginação solta em nosso mundo interior, onde as percepções são tão ilimitadas, e a percepção da realidade externa, comunitária, que divide-se no mundo material, devem ser priorizadas em determinado momento.

Quando estamos sonhando, vivemos uma realidade ou uma ilusão? Para os mais pragmáticos, essa é uma pergunta absurda. Ora, o excesso de racionalidade leva à falta de criatividade e crescimento mental e portanto limita a capacidade de compreensão de um mundo lúdico ou mental.
Se nosso mundo interior, formado de sonhos, pensamentos e imagens, é perfeitamente estabelecido e desperta sensações, inclusive físicas, apesar da imaterialidade do mundo interior, por que não seria também uma realidade, em outro nível de percepção?

O que se pretende portanto é o equilíbrio entre a realidade imediata e as natural criatividade humana(MC)