Friday, February 22, 2013

BOM SENSO E O DIABO

O senso de justiça está cada vez mais espremido pela lógica de sobrevivência instintiva e individualista. O que seria isso? Cada um arrisca a sua interpretação do que seria justo, mas infelizmente com base em conceitos e deduções impostas pela ficção que pretende distrair, mas que acaba atuando subliminarmente na consciência dos desavisados.
Até que ponto a Justiça fica comprometida com as distorções do mundo moderno, onde as imagens e o apelo da mídia predominam sobre a razão imparcial, ainda não está bem definido. Mas parece que a interpretação de fatos mistura ficção e realidade. 
O interessante é que temos hoje os extremos bem delineados e visíveis a qualquer observador: quanto mais aumenta a informação e a consciência popular a respeito do que seria o senso de justiça, mais são "aprimoradas" as táticas da distorção da verdade e, portanto, dos objetivos da aplicação das leis.
Nos julgamentos acompanhados pela grande mídia assistimos a um festival de estratégias que lembram um jogo, onde a verdade não é necessariamente um componente de destaque. Pelo contrário, como nossas leis preveem que o sujeito em julgamento não precisa fornecer provas contra si mesmo (óbvio) a interpretação vai solta e sem constrangimento algum na utilização de argumentos construídos ficcionalmente. Ou seja, a mentira corre solta nos tribunais, não como exceção discreta, mas como norma da defesa.
É uma situação absurda. Nesse caso provas coletadas cientificamente são contestadas pela defesa de um acusado, digamos de homicídio, não de maneira fundamentada, mas aleatória, conturbando o senso da realidade.
Parece ficção. No filme "O advogado do diabo", baseado em um romance do australiano Morris West, o advogado idealista na luta pela justiça acaba corrompido, seduzido por dinheiro e posição social. Acaba arrependido, após descobrir que a sua ganância trouxe a desgraça para muita gente, inclusive para ele próprio. A história mostra um desfecho que alivia a tensão de quem está torcendo contra o diabo. Afinal, pretende-se que a arte imite a vida. Ninguém quer que vilões terminem sempre ganhando.
A realidade pode ser bem mais complicada do que as páginas de um livro. Para quem acha que o circo armado para confundir julgamentos é consequência natural e pode ser controlado pela lógica de quem julga, inclusive em júris populares, é bom lembrar que o abuso é tamanho que o senso de justiça fica realmente comprometido e o resultado justo submetido a uma espécie de roleta russa. Pode ou não atingir o objetivo.
Essa liberdade em mentir ou esse "vale-tudo" nos nossos tribunais repercute naturalmente na ordem social. Não há punição para advogados que jogam com fantasias e distorções, na mentalidade que levou ao esteriótipo do "advogado do diabo", que define defesas sem escrúpulos no âmbito do sistema judiciário.
O fato reduz a credibilidade na justiça.
John Rawls filosofou a respeito, comentando que as leis são diretrizes direcionadas à pessoas racionais que tem o objetivo de viver em um sistema de cooperação social. Mas nem sempre as leis ou o cumprimento delas são expressões institucionalizadas da justiça.
O problema, lembra, é o fato de que a injustiça pode comprometer o sistema de cooperação social. Ou seja, quando toda a estrutura existente, criada para fortalecer esse meio, é neutralizada por fatores que não tem o objetivo comum, ocorre uma crescente desorganização social.
Se é permitido todo e qualquer argumento, mesmo que seja evidentemente falso ou com intenção de deturpar a verdade e prejudicar o objetivo da justiça, sem clara punição a quem se utiliza maliciosamente desse recurso, não há como exigir fora dos tribunais o senso da justiça e portanto a obediência civil ou cooperação da massa.
Não falamos aqui apenas dos grandes assassinatos, que acabam integrando o folclore popular, mas da justiça em todas as suas instâncias, mesmo em decisões de pequenas causas ou em questões cíveis, que podem não ser dimensionadas pela mídia, mas que são como a água sobre a pedra, provocando ao longo do tempo o descrédito no sistema judiciário. (Mirna Monteiro)

Wednesday, January 02, 2013

BOIANDO NO TEMPO


Andam dizendo que o tempo não apenas não para, como anda apressado demais. Quer dizer, volta e meia alguém faz um comentário a respeito da velocidade do tempo, como se a Terra girasse a cada dia mais rápido.
Se assim for, vamos nos transformar em um pião no cosmos. Lembro de uma frase de Garcia Marquez, que como todo bom escritor também é um pensador, a respeito do tempo. Algo que reivindicava a consciência divina sobre a pequenez humana: "Dormiria pouco, sonharia mais, porque entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz"...
Se fechamos os olhos um terço do tempo de nosso dia, significa que um terço de toda uma vida passamos dormindo. Digamos que alguém com noventa anos dormiu pelo menos trinta anos. A não ser os mais insones. 
Mas, que me perdoem os exagerados, acredito que aqueles que não fecham os olhos não enxergam direito detalhes interessantes da vida. Isso quer dizer que dormir - e sonhar - é fundamental para poder aproveitar os outros dois terços do dia e portanto de uma vida inteira, dure ela quanto durar.

Assim sendo, parece que não devemos abdicar do sono sagrado, pois ele significa vida. É a ponte que nos permite atingir o mundo inconsciente e as incríveis sensações que eliminam a responsabilidade pesada do mundo material. Nesse caso, não seria o esse momento o causador da tragédia da sensação de vida fugaz, do tempo cada vez mais curto e do dia volúvel, já que ninguém está reclamando que a noite passa depressa demais e sim o contrário...o tempo está correndo quando nossos olhos estão distraídos e não adormecidos!
Há previsões e ameaças boiando nesse tempo que parece estar sendo furtado aos pedacinhos. Uma delas afirmava que o mundo acabaria em 2012. Vamos ver....já estamos em janeiro de 2013 e nossa percepção do tempo corrido ainda é realidade.
Melhor não ficar de olhos distraídos.
Olhos distraídos, olhos atentos...Há pleno sentido na afirmação de que o mundo existente é o mundo passado. É aquilo que construímos! Mas o anseio humano na forma de inquietude ou como sonho acordado, é a vela que leva a outro mundo.
A mudança integra o elemento humano. É uma questão de optar por um mundo novo, que Huxley sonhava desesperançado, sentindo-se humilhado pelo realismo. Hoje a necessidade de imaginar um mundo novo é mais urgente.  Com tamanha desordem da emoção humana, parece ser o único trajeto palpável!
Prestando bem atenção, parece que aquele que fecha os olhos para o sono- ou o sonho -é aquele que consegue dominar o tempo em sua vigília. Enquanto que o insone vive espremido pela rotação da Terra. Ah, a Terra que, como dissemos, está virando um pião no espaço!
Mas como tudo é relativo no tempo e no espaço... (Mirna Monteiro)

Sunday, December 30, 2012

É O FIM DO MUNDO

" ...Pois bem, foi no Club, no sábado, que os boatos começaram.
Estavamos sentados, como sempre, eu, o Orlando e Alan Laplete, observando um grupo jogar cartas na mesa contígua à nossa. Alan, o mais idoso de nós, nos seus 45 anos, foi quem tocou primeiro no assunto.
- Parecemos todos hoje desanimados em demasia.
- Final do mês - resmungou Orlando, sem tirar os olhos das cartas ao lado - Todo fim de mês é a mesma coisa. Cansaço! Temos o balanço da fábrica para concluir, não é Carlos?
Concordei com ele. Alan balançou a cabeça, soprando fumaça sobre nós.
- Bobagens! Que cansaço? Estamos todos com a pulga atrás da orelha!
- Alan, você não irá tocar nesse assunto! De novo não! Todos sabemos que isso é criação de quem não tem o que fazer na vida, a não ser assombrar a sociedade.
- Assombrar? Sim Carlos, é certo. Assombrar sim senhor, mas com um fundo de razão. Não é invencionice, meu amigo, é ciência, é ciência!
- Ora! - interveio Simão, que até o momento parecia alheio à conversa - Quer dizer que é científica a afirmação de que o mundo vai acabar?
- Espera aí, meu caro - Alan franziu o cenho - não tumultue a conversa. Os cientistas não estão dizendo que o mundo vai acabar. Apenas...bem, todos sabemos a grande carga de desgraças e mudanças que a passagem de um cometa pode trazer...especialmente nas proporções desse que vem aí!
- Sei. Quer dizer que o cometa tem um poder tamanho desses? Essa pulga vaporosa do espaço? Ora senhor Alan, todos sabemos que não é o primeiro cometa a passar por nós! Quantos já não riscaram nossos céus? A terra continua aqui, inteira! Toda mudança de século carrega o peso das fofocas estelares que vão acabar com o mundo! O mundo, oras! Acreditar em sandices nos tempos modernos de 1910? Grandes pulhas!
- O senhor Simão queira desculpar-me. Acho que não soube ser claro o suficiente para expressar minhas ideias. Não quis dizer que acredito que esse astro irá chocar-se com a terra e arrebentá-la, pondo fim a todos nós. Apenas que a sua passagem está sendo muito discutida e cogita-se, sim, cogita-se, a possibilidade de que venha a afetar todos nós.
- Desculpe-me interrompe-los, mas há uma razão quando se diz que não é a primeira vez que seremos visitados por um cometa. Saibam que a história registra quase mil e setecentas aparições do tipo - segredou Orlando, provocando um ligeiro suspense na conversa.
Simão olhou para ele, parecendo aturdido.
- Mais de mil?
- Mil e setecentas aparições!
- O que me espanta, caro Orlando, não é o numero em si, mas o seu conhecimento do assunto...andou pesquisando a respeito, confessa!
- Que é isso? Acha que me impressionei com falatórios? Todo mundo sabe disso...
- Não, não senhor! Andou pesquisando o assunto, não é assim? Carlos, está o Orlando comparecendo aos horarios certos no trabalho? Pois a mim parece que ele tem perdido o sono com medo desse tal cometa, hehehe...
- Não estou com medo coisa alguma! Ainda que seja verdade e que esse cometa seja o arauto do fim da humanidade, de que me valeria ter medo? E serei eu homem de temer alguma coisa, ainda que seja o fim do mundo? Não senhor! O que é isso?
- Calma amigo - tentei corrigir, vendo que os ânimos se acirravam - não há ninguém que possa acusa-lo do que quer que seja! Ademais é possível que esse tal cometa sequer passe aqui tão perto. Talvez os cientistas tenhan confundido o seu percurso. Não me parece tão fácil calcular a trajetória de um corpo celeste, como o é o da rotação da terra.
- Pois eu não tenho medo mesmo! Agora, se quer saber Simão, acho que Alan está certo. Esse cometa deve trazer muita desgraça, quiçá o fim de todos nós! A ciência é capaz de calcular tudo isso sim senhor, estamos em um novo século, entramos no século XX! Hubert Anson Newton afirmou que se existissem um milhão de cometas de órbitas quase parabólicas e que chegassem a menos de 150 milhões de quilômetros do sol, 9 mil passariam a ter bordas elípticas com período inferior a mil anos, em virtude da ação de Jupiter, 240 pela ação de Saturno e dois pela ação de Urano e Netuno! Disse isso tudo há anos atrás!
Orlando parou de falar, ofegante e satisfeito.
No silêncio que se seguiu, sentiu-se incomodado.
- Que houve? Não tive a intenção de apavorar vocês!
Simão balançou a cabeça, de boca aberta.
- Eu não entendi  nada!
- Espera, espera! - interrompeu Alan Laplet. Parecia aturdido e arregalava os olhos, mastigando nervosamente o charuto - Ele tem razão!
- O que? Que razão? Ninguém entendeu nada! - repetiu Simão
- Ele tem razão! Digo que o tem, ora, como nao?
Silêncio.
- Não é preciso entender, senhores - continuou Alan - Basta captar o seguinte: todos sabemos que os cometas aí estão! Sim, muitos passaram por nós, provocando cataclismas. Ora, esse que aí está chegando é o maior de todos que a ciência já conheceu! E passará tão perto de nós que poderemos ver sua cauda flutuando no céu! Quem garante que realmente não subirá marés e convulsionará o centro da terrra?
Ninguém se movia, escutando Alan.
- Senhores, pensem! Poderão acontecer terremotos monumentais, maremotos, pragas, talvez a peste ressurja dessa convulsão!
Todos estavam absorvidos pela premonição e não repararam que no salão ocupantes de outras mesas haviam parado de tagarelar amenidades e pareciam petrificados olhando o grupo, em suspense pelo desfecho daquela discussão terrível, como se ela fosse decidir o destino de todos ali e dali afora.
- Quiçá....veja bem...quiçá esse cometa possa cair sobre nós, como está previsto no Juizo Final! Aí então nada se salvará, nem nossas almas! - arrematou Laplete.
Ninguém se aventurava a responder. Por fim Simão, visivelmente irritado, emborcou o restante da bebida de seu cálice, cravando os olhos em Alan Laplete.
- E se assim for, você vai fazer alguma coisa ou simplesmente continuar babando nesse seu charuto?
Sem ofender-se, Laplete olhou o charuto mordido e melecado de saliva e o jogou na escarradeira ao lado, limpando os lábios antes de falar.
- Fazer o que, meu amigo? Não podemos agarrar esse cometa pelo rabo e manda-lo assombrar outra freguesia....é entregar-se na mão de Deus!
As palavras soaram com um ribombar profético no ambiente. Apesar de ainda ser cedo, o salão esvaziou-se rapidamente.

Fiquei impressionado. A ameça do cometa já causava estragos. E eu pensei se realmente deveria ficar preocupado, senão com cataclismas, com o futuro da minha fábrica de chapéus...mal sabia eu o que iríamos enfrentar! ( "A Cauda do Cometa", cap. III- Mirna Monteiro)

Friday, October 05, 2012

VIDAS DISTORCIDAS


Vinte milhões de pessoas no mundo tentaram acabar com a própria vida durante o ano. Pelo menos um milhão conseguiu morrer por métodos variados, alguns inesperados. Os dados são da ONU e projetam a escala crescente de atos suicidas.
O que leva a um aumento tão dramático do suicídio? Essa ação acontece com maior frequência em países do leste europeu, como Lituânia e Rússia, mas sempre manteve uma ocorrência considerável em outros países com cultura e ambiente diferentes, como o Japão.
Nos últimos tempos atentar contra a própria vida tem ocorrido de maneira inesperada. Soldados americanos por exemplo. No mês de julho o Pentágono foi surpreendido com um número recorde de suicídios nas tropas: 38 soldados!
Mas a pressão psicológica não se limita à tropas de combate. Este ano cresceram as tentativas para acabar com a própria vida na Europa, em lugares como a Grécia, que passou por graves problemas econômicos e aplicou medidas rigorosas para conter o déficit público e o endividamento do Estado. Aposentadorias foram fortemente afetadas pelos cortes. Um homem de 77 anos atirou contra a própria cabeça em uma praça em frente ao parlamento de Atenas, acusando o governo de traição.
Pode ter sido um gesto dramático, mas não raro. Entre quatro paredes e sem alarde as tentativas de suicídio acabam realmente atingindo o objetivo. O medo de enfrentar a pobreza parece ser um motivo comum. Em Milão, na Itália, pequenos empresários, profissionais liberais e desempregados encabeçam a onda de suicídios que comove o país, que criou uma rede de ajuda psicológica para ajudar aos interessados.
Algo assim como o CVV (Centro de Valorização da Vida) no Brasil, que mantém apoio via telefone.
Os suicídios estão preocupando tanto, que até sites de relacionamento como o Facebook mantém um tipo de serviço para socorrer quem pretende atentar contra a própria vida, via e-mail ou telefone. 
EUA, Europa e Asia estão na metade da escala de crescimento dos suicídios. Os países da America Central e do Sul, como o Brasil, mantém as taxas mais baixas.

Desgaste emocional                            

Parece não faltar motivos e muito variados para que alguém pretenda resolve-los acabando com a vida. O ato em si entretanto é motivo de estudos e discussões polêmicas, porque o ambiente não seria o fator gerador do suicídio, mas sim estimulador. 
O medo da sobrevivência sem dúvida pesa e muito. A onda de suicídios na Coréia do Sul, há uns dois anos, quando morreram 40 pessoas por dia atirando-se do alto de prédios inclusive, coincidiu com a crise financeira asiática.
Na verdade o número de suicidas é infinitamente maior do que mostram as estatísticas porque nelas não estão contabilizados os casos de lenta degradação, como no consumo de drogas e potencialização de outros riscos como o hábito da alta velocidade nas estradas...
Para Schopenhauer, a vida era um erro e a morte nada mais seria do que a correção desse erro existencial. Uma maneira cômoda de evitar os desafios da existência.
Morrer em uma guerra ou vitima da violência das ruas, no trânsito ou no ataque marginal, é uma fatalidade. Mas acabar com a própria existência contraria o instinto, que é sobreviver em qualquer circunstância. Talvez as artificialidades da vida moderna e a necessidade de trabalhos repetitivos, robotizados, em longas jornadas, exasperem a alma humana e acabem tornando a visão da vida frágil. A ponto de torná-la dispensável quando a pressão - ou depressão - aumentam.
Para a maioria das pessoas, o suicídio é uma maneira extrema de mostrar domínio sobre a vida, agredindo o meio na linguagem cifrada de desprezo. No entanto a tradução mais realista mostra apenas o medo, a sensação de estar sem forças para superar situações que são ameaçadoras. Seria portanto um ato de covardia, um reconhecimento da inabilidade em lidar com a vida. 
O ato suicida é um ato desesperado, que pode ser evitado na maioria dos casos com a discussão sobre os motivos e uma nova interpretação a respeito do futuro. A vida não é estática, modifica-se mais do que a rotina permite perceber. 
Seria o momento da "respiração": cada vez mais, na rotina moderna, respira-se menos e pior e esse fato interfere na capacidade humana de renovar-se e evitar a depressão. Acumula-se informações em excesso, mas o pensamento é cada vez mais desprezado em função da mentalidade superficial. 

Wednesday, September 12, 2012

TIA NASTÁCIA, GRANDE PERSONAGEM DE LOBATO

Tia Nastácia era uma negra de beiços grandes, amada por todos que a conheciam, cozinhava divinamente e vivia em um sítio onde a criatividade e a fantasia faziam parte da realidade. Por uma dessas interpretações preconceituosas, está sendo considerada vítima de racismo e foi parar em audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal, porque o livro "Caçadas de Pedrinho" foi liberado para adoção no Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Considerar racista a obra de Monteiro Lobato, que escreveu vários livros ambientados no sítio do Pica-Pau Amarelo que se tornaram clássicos da literatura infantil brasileira, é no mínimo absurdo. As obras, como Reinações de Narizinho, foram escritas há 90 anos e encantaram justamente por interagir com o mundo infantil de maneira inteligente, estimulando a imaginação e o conhecimento, mas mantendo uma relação entre suas personagens de igualdade e ética.
Não apenas entre as pessoas. Os animais e os vegetais também deixavam seu espaço isolado na natureza para interagir e mesmo os vilões, quando não eram sobrepujados pelos heróis, acabavam sucumbindo à força da ética.
Parece completamente disparatado querer relacionar a obra a algum tipo de "estímulo ao racismo". A negra tia Nastácia é um retrato da cultura da época, passando a imagem de uma pessoa simples, amável e alegre, que era de certa forma a crítica das estrepolias da boneca Emília, assumindo uma personagem mais importante do que a própria D. Benta, avó de Pedrinho e Narizinho. Apesar de resmungos da boneca, a ideia final não passa racismo, embora demonstre circunstâncias históricas e culturais.
Cozinheira de mão cheia, encantava as personagens com seus bolinhos e era amiga e confidente de D.Benta. No começo do século XX as mulheres negras costumavam trabalhar nessas funções nos sítios, fazendas ou casas na cidade, onde permaneciam tanto tempo que mesclavam-se às famílias, tornando-se parte delas. É uma realidade histórica, não um relato racista.
A literatura racista seria aquela que provoca a diferença entre as raças e discrimina as pessoas de maneira artificial. Não a Nastácia de Monteiro Lobato, mas a mulher que ela é, independente da cor, poderia se considerar vítima de racismo e preconceito não apenas historicamente, mas em uma infinidade de livros publicados em diferentes épocas no mundo.
A figura feminina é retratada de maneira evidentemente preconceituosa em obras consideradas clássicos da literatura. Mas não teria cabimento banir da leitura essas obras, pois apesar de discriminar a mulher de diferentes maneiras e em muitos casos até promover a violência, é um retrato social.  Mostra a mentalidade de cada época, o drama vivenciado por esse preconceito.
Livros registram a história, mesmo quando assumem a imaginação e criam uma realidade improvável. Não importa se somos brancos, pretos, amarelos, homens, mulheres, feios ou bonitos (ah, quanto preconceito aos  feios encontramos na literatura!). O que importa é que essas diferenças óbvias entre as pessoas sejam tratadas com a igualdade ética, que preserva ao final a importância do respeito não apenas ao próximo, mas à natureza como um todo. Afinal o sábio Visconde de Sabugosa era uma espiga de milho e Narizinho casou-se com um peixe...
Essa sutileza está presente na literatura de Monteiro Lobato, que parecia entender o universo infantil. Tia Nastácia, preta, gorda, mas  inesquecível, amada pelas personagens das histórias e pelos leitores de suas aventuras. Longe de tornar a negra Nastácia discriminada, Lobato a fez integrar em definitivo o universo dos heróis de suas histórias. (Mirna Monteiro)

Saturday, September 01, 2012

TERRA, PLANETA TERRA...


 Desde que o mundo teve contato com a ficção que mostrava uma nave espacial comandada pelo próprio computador - aquele que resolveu rebelar-se contra a intervenção humana, livrando-se de seus tripulantes - e décadas depois criou robôs sentimentais, as pessoas andam preocupadas: o ser humano será sobrepujado pelas máquinas?
Pronto, está criada a "síndrome do descarte"! Seres humanos são um estorvo à natureza! Vivem em conflito emocional, sofrem de impulsos autofagistas e cospem no prato em que comem! Robôs são extremamente "cleans", contanto que sejam à prova de ferrugem. Como são máquinas, podem realizar proezas, como arremessar um incômodo mortal a um quilômetro de distância, ter visão de raio X e soldar seus próprios parafusos quando eles não se mantiverem devidamente enroscados! 
Já o ser humano...que raça complexa! Quando esses seres dirigem máquinas, tem o poder de descontrola-las. Adoram ajusta-las de maneira a torna-las letais e furiosas. É claro que temem uma revolução das máquinas desde o início da revolução industrial, quando descobriram que por mais simples que seja o mecanismo, ele sempre será mais confiável do que a frágil potência humana.

Por esse motivo está na moda prever um levante da inteligência artificial. Isso quando não se fala da fúria da natureza, com uma série tão grande de catástrofes, que já é preciso organizar um catálogo para descrever as nossas tragédias. Ninguém explicou ainda se nossos robôs inteligentes vão reinar antes ou depois do fim do mundo, mas uma coisa é certa: tanto em um caso, como em outro, os seres humanos parecem estar descartados da história futura!
Mania de descarte! Complexo de inutilidade no planeta...qualquer coisa assim. A sociedade humana anda mesmo se auto-depreciando. O espírito de derrota sobrepuja a força de mudança. Já temos pedaços de nossa história enterrados, memórias do nosso planeta Terra em cápsulas do tempo, aqui e acolá, em vários paises, inclusive no Brasil. Que por falar  nisso teve uma cápsula do tipo, em uma cidade brasileira, espirrada pelo esgoto em um retorno prematuro à superfície. O saneamento básico é o fim do mundo, mas se continuar expulsando a nossa memória ainda temos o recurso de sondas espaciais que levam informações de nosso planeta registradas em um disco, como a do Voyager! 

 Aparentemente, estamos mesmo preparados para um final da história. O problema é que não se sabe ainda se realmente somos sensíveis a ponto de pressentir o fim ou se estamos apenas exagerando nossos complexos aqui já relatados. No entanto podemos ter certeza de que mesmo com todo esse ar de tragédia no ar, as piores qualidades humanas continuam a atuar, aparentemente sem preocupação de ter de prestar contas em algum tribunal intergalático ou terreno.
Se não vier o fim do mundo, vamos ter muito trabalho para arrumar o planeta! (Mirna Monteiro)

Tuesday, August 21, 2012

A FORÇA DE CARAVAGGIO

Intensa, forte, iluminada. Estas são algumas das características da obra de Caravaggio, um pintor italiano que viveu entre 1573 e 1610. Uma vida curta, mas intensa, turbulenta, marcada pela rebeldia e pelo inconformismo, que podem ser observados em suas obras, com tamanha força e crítica, que indignou a sociedade da época, premida pelo rigor da Igreja.

Sentia-se à vontade nas tavernas, nas ruas, em contato com o submundo abominado pela aristocracia. Frequentou em fases de sua vida ambientes cultos e refinados, mas não hesitava em troca-los pelo prazer de conviver com a pequena burguesia e a ralé. Era um homem rude e carnal, que transforma-se em luz e sombra  nas traduções da vida, dos sentimentos humanos e de regras e comportamento e pensamento que não aceitava.
Caravaggio morreu da mesma forma que viveu: procurando absorver a vida, intensificando suas cores e seus dramas e potencializando a natureza. Depois de uma vida de conflitos, que envolviam pelejas e duelos, feriu-se gravemente na ponta de espadas.

O seu estilo é considerado barroco, embora bastante marcado pelo renascentismo contra o qual ele reagia. Mas a força de suas cores, o realismo de sua imagem e a iluminação de seus ambientes demonstram que Michelangelo Caravaggio foi único, iniciando o tenebrismo, com a projeção de luz sobre as formas e criticando a manipulação dos conceitos do cristianismo. Belíssimo resultado!



A obra Conversão de São Paulo é considerada uma revolução na iconografia religiosa. O cavalo é uma força e se ressalta na imagem. Não se vê o santo? Ora, São Paulo, o homem, caiu ao chão ofuscado pela visão de Jesus, na estrada de Damasco. A iluminação é belíssima, parece brotar do foco de luz vindo de cima, banhar o ventre do cavalo e inundar de claridade o rosto do santo. Colocando o centro do afresco no chão, Caravaggio salienta a insignificância do homem perante a divindade.

Davi com a Cabeça de Golias. Violência e a beleza do adolescente. Dizem que a cabeça decepada do gigante é um auto-retrato de Caravaggio. Pode ser: por essa época, em seus últimos anos de vida, ele mostrava desalento e mágoa, sentindo-se cansado e atormentado pela perseguição dos adversários, aos quais, antes, provocava.
Bacchus: retratado com feições femininas e delicado em sua postura, sugerindo a masculinidade mesclada ao feminino. Um Baco hermafrodita que irritou a aristocracia da época. Aparenta claramente um desafio à questão do poder, que em ambiente ébrio manifestava a versão feminina e frágil do homem.

A Morte da Virgem Maria a retrata com o ventre inchado, os pés para fora do leito, como uma mulher da plebe que sucumbisse de inanição ou de parto, numa atmosfera densa e um ambiente de miséria. A imagem desmistificada. Escandalizou pela suposição de que Caravaggio teria utilizado como modelo o corpo de uma mulher que havia morrido afogada.

O narcicismo, que Caravaggio parecia interpretar como um auto-engano ou o desconhecimento da própria alma: observe que a imagem reflete sentimentos diferentes.

A Cabeça da Medusa foi feita em óleo sobre tela colada sobre um disco de madeira de choupo, mostrando uma imagem extremamente rústica e expressão de surpresa mesclada de terror diante da violência final. A mesma Medusa que petrificava os seres foi presa para sempre em sua própria armadilha. (Mirna Monteiro)

Thursday, August 02, 2012

DOMINADOS E DESCONTROLADOS

Dois extremos de comportamento parecem marcar o cidadão em um momento onde valores éticos se confundem com disparidades que invadem o meio e destroem noções de cidadania: a apatia que crê na fatalidade desse processo e a revolta extrema, que leva um cidadão pacato a agir de forma violenta.
De uma maneira natural, esse desajuste é reconhecido popularmente. O termo popular "zumbizado" está se tornando comum e se refere ao estado de aceitação incondicional de tudo que é ditado pela mídia, seja um produto, seja um comportamento, seja uma informação, que ainda que destituída de provas, é aceita como arauto de alguma realidade. 
Em outro extremo ao zumbi moderno, aparece outro comportamento preocupante: o inconformismo com a situação de absoluta vulnerabilidade do cidadão, não apenas diante da violência marginal, mas da ausência de ações eficientes que impeçam o abuso de seus direitos nos mais variados campos. Surgem as ações imprevisíveis de violência daquele cidadão comum, que vivencia o seu "dia de fúria" por pressão de instituições e serviços que não respeitam a lei. 
É o caso da senhora de 73 anos, professora aposentada, que retornou furiosa ao banco para reclamar de um engano de uma funcionária. Levando uma arma na bolsa, ela passou pela porta  e acabou ameaçando o gerente. Caso também de inúmeras agressões feitas por segurados do INSS a médicos responsáveis por perícias, ou de pessoas que buscam aposentadoria e revoltam-se contra um atendimento mecânico e extremamente burocrático que nem sempre respeita a emergência de sobrevivência de quem trabalhou décadas a fio. Agências do INSS hoje tem aparatos de segurança que parecem incompatíveis e exagerados para o trato com idosos ou cidadãos doentes ou lesados pela atividade no trabalho.
Demora em processos leva pessoas ao desespero. Casos como o de um homem que aguardou anos por um resultado, sem poder trabalhar e sem recursos para a família. Ao saber que o auxílio havia sido negado atirou em um segurança no Juizado Especial Federal.
Pessoas que cometem violência no trânsito, com perseguições e tentativas de atropelamento por motivos fúteis. Vivenciamos exageros de torcidas de futebol, violências por discriminação racial, religiosa ou até política. Pessoas pacíficas que agem de maneira desesperada em filas de hospitais, e "armam barraco" em incontáveis situações criadas pelo comércio e por serviços. Professores são agredidos por alunos e alunos são vítimas de atiradores!
O que origina esse comportamento? A ausência de respeito às regras básicas de convivência, certamente. A partir do momento em que o conceito de respeito a ética fica cada vez mais diluído na massa da informação da mídia, maior é o rompimento do compromisso comum.
No século XIX,  Nietzsche já tentava diagnosticar a derrocada dos valores morais, quando parte da sociedade louvava novos conceitos baseados em um mundo que se industrializava e tornava-se operacional e produtivo, mas esvaziava seus princípios morais e éticos, duramente mantidos ao longo de séculos onde se buscou a medida mais razoável entre o poder econômico e a massa, fundamentais à uma convivência que, pretendia-se, fosse pacífica. 
No entanto a difusão da produção e do consumo acabou transformando o homem em um produto. Em seu estudo sobre a sociedade de consumo Jean Baudrillard lembra que a imagem, o signo, a mensagem, tudo aquilo que consumimos, forma um conjunto de ilusões que não resulta no equilíbrio da relação humana, muito pelo contrário.
Com a supressão de regras éticas e morais importantes, como a honra, a dignidade, a fidelidade, que acabam se tornando valores aristocráticos e portanto fora do alcance da maioria, vem a derrocada social, com a decadência da família como instituição básica da preservação desses valores, a predominância dos crimes, vícios, inveja, tudo que seria fruto do igualitarismo.
Que por sua vez nivela o ser "para baixo". Por exemplo, até a arte se transforma em uma expressão desprovida de sentido, de senso estético, de valor criativo, para se tornar simplesmente um ornamento ou um instrumento para chocar ou provocar.
A grosso modo e traduzindo o processo, poderíamos dizer que vivemos um momento onde longe de valorizar o elemento humano, a sociedade o oprime e o amolda em uma embalagem de massa de suposta liberdade, que na verdade é mais perigosa e escravizadora do que os feudos  nos tempos da escuridão. 
O resultado é uma profunda apatia e paralisação da mente diante do que se considera um processo natural e inevitável, ou uma insatisfação profunda que provoca reações extremas e violentas, pela mesma impressão de   aprisionamento e vulnerabilidade. 
O ser humano dificilmente se adapta a um ambiente programado, limitado e inóspito. Aumentam os problemas decorrentes da insatisfação pessoal, do medo da violência, do desencanto com a lei e da desconfiança de meios de comunicação que deveriam ser confiáveis, mas que se tornam contaminados. 
Ao contrário do que se convencionou, não houve um aumento da corrupção, mas sim uma consciência de sua existência e dos seus estragos em contrapartida à uma disseminação da impunidade que passou a atuar sobre o conjunto social. 
Para evitar  o caos o recurso é a recuperação dos valores que permitem o norteamento moral e ético, começando pelo topo e não mais pela base social que se descontrolou. Essa sim é uma ação histórica . "Cortar o mal pela raiz" implica em corrigir a corrupção onde ela começa, nos centros de poder político e econômico, moralizando instituições de maneira a permitir que a natural desigualdade social - considerando as diferenças individuais de  caráter e capacidade em todas as suas instâncias, reabsorva valores fundamentais a sobrevivência do meio.
O que não pode acontecer, além da inércia, é algum teatro onde haja punição programada para conter a insatisfação popular, como os espetáculos das arenas romanas. Se há intenção de reabilitar a sociedade e evitar o descontrole, que as ações sejam claras e ilimitadas, não se resumindo a algum caso específico, real ou forjado. E que todos admitam que um caso é isso: apenas um pontinho no mar de desajustes e corrupção que leva ao caos. (Mirna Monteiro)

Thursday, July 12, 2012

PENSAMENTO ARTIFICIAL

“(...) Todos estão tão agressivos, matando a troco de nada e ainda temos armas tão poderosas(...) Fico imaginando o futuro dos meus filhos e perco o sono (...)Tenho alunos que não me respeitam, levantam na sala e me ofendem. Citam frases feitas e conceitos massificados, não conseguem entender o que falam. As pessoas andam muito irritadas, que acha?” (Ivone)



Vivemos um momento de conflitos e incertezas. Certamente a humanidade sempre passou por apuros, insegurança e ameaças, cada qual com características de sua época. Mas a diferença talvez esteja na disparidade entre o tipo de sociedade que construímos e a expectativa de um mundo mais protegido.
Aparentemente, começamos a vivenciar um processo de extrema confusão, onde a pessoa passa a ter dificuldade em distinguir a realidade da ficção, onde o mundo virtual e a mídia massificada passaram a substituir o pensamento e o questionamento comuns ao ser humano.
Falar em “insegurança” é uma maneira suave de colocar a emoção humana diante do futuro. A palavra certa é medo. Medo do descontrole da emoção, medo das conseqüências da perda de valores e da superficialidade, medo de tornar-se apenas um número em um grande arquivo, que pode ser apagado em um piscar de olhos por mãos invisíveis!
Enfim, medo da perda da consciência e individualidade, com a sensação de impotência que vem do enfrentamento com um poder que não é humano, nem tem corpo físico, mas que domina gradativamente as sociedades através do virtual.
A agressividade humana foi fundamental para a sobrevivência em épocas onde o confronto físico era inevitável. A palavra agressividade significa “Movimento para frente”, ou impulso, uma característica humana não necessariamente destrutiva. Não é portanto o tipo de agressividade que observamos hoje, que cria uma nova patologia gerada pela necessidade de destruir, seja em conceitos na fúria de discussões, em patrimônios nas invasões e outras conturbações da massa ou formas de violência, como assassinatos por motivos fúteis ou por mera vontade de finalizar com algo ou alguém.
Até que ponto as sociedades suportarão a pressão ou onde vamos parar, é uma incógnita. Mesmo porque pode haver uma recuperação de valores surgida da própria necessidade de sobrevivência. Como podemos observar a preocupação leva à tomada de consciência e as discussões podem desencadear um processo de restabelecimento.

A dúvida no entanto ainda permanece. A dificuldade de interagir diretamente no meio social será superada? Ou a tendência ao isolamento físico, substituído por relações impessoais à distância, irá aumentar?
"Será que ao nos fechar nas nossas diferenças, não estaremos nos rebaixando a categoria de consumidores passivos da cultura de massa produzida por uma economia globalizada?” pergunta Alain Touraine, sociólogo francês. Crítico do mundo moderno, Touraine considera  que a globalização destruiu o social.  Ele cobra uma definição da individualidade, contra o universo da instrumentalidade. A grosso modo, significa que a sociedade humana chegou a um impasse, onde o conflito central , que é cultural, tem de um lado o triunfo do mercado e das técnicas e, de outro lado os poderes comunitários autoritários.
Essa confusão entre o real e o virtual, que ameaça a individualidade humana e a sua capacidade de gerenciar a vida pessoal e comunitária, é também muito bem analisada por outro francês, um pensador de nome Baudrillard.
Para ele o sistema tecnológico desenvolvido deve estar inserido em um plano capaz de suportar esta expansão contínua. As redes geram uma quantidade de informações que ultrapassam limites a ponto de influenciar na definição da massa crítica.
Seria o efeito oposto ao pretendido. Todo o ambiente estaria contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema. Quer dizer , a grosso modo, que vivemos um “feudalismo tecnológico”.
O resultado seria uma interferência na capacidade humana de pensar “com a própria cabeça”, de maneira abrangente e lógica. “O resultado de um consumo rápido e maciço de idéias só pode ser redutor”, critica Baudrillard , que não poupa críticas aos supostos detentores do pensamento e da razão, no jogo da mídia e do entretenimento. “Hoje o pensamento é tratado de forma irresponsável. Tudo é efeito especial!”
É, existe lógica nessa visão. Hoje tudo é “efeito especial”, como um grande cenário montado para causar impressões ao longe, mas que deixa perceber a quem está no palco que é um impacto feito de papelão. Não possui consistência suficiente para equilibrar o meio real!
Os nossos valores e pensamentos são decididos na mídia eletrônica ou no universo virtual onde a informação caminha lado a lado com a alienação e o engano.
A alternativa?
Fala-se em conscientizar o risco e não permitir que o “cyberspace” ou ciberespaço e a mídia em geral sejam as únicas fontes de informação e formação. A retomada das rédeas da própria vida e a consciência de humanidade são condições para evitar a decadência da convivência sadia que respeita as diferenças e a criatividade inerentes ao ser humano.
Como isso pode ser realmente trabalhado pelo indivíduo, ainda é um mistério...(Mirna Monteiro)

Wednesday, July 11, 2012

MULHERES EM FÚRIA

O sexo frágil possui características óbvias. Feições delicadas, pele macia, ventre preparado para a maternidade e tendência à proteção de sua prole. A mulher, cantada em verso e prosa ao longo da civilização humana, comparada a uma flor e considerada esteio da harmonia familiar e social...
Parece que essa figura está ficando cada vez mais rara. Ou pelo menos anda dividida! O conceito da feminilidade de fato anda rachado ao meio.
Antes de provocar a ferocidade que anda distorcendo o conceito da feminilidade e a ação da mulher no meio social, convém explicar este assunto, que não pretende em absoluto criticar a politização e a ampliação do papel da mulher na sociedade, muito pelo contrário. Mas é preciso pensar e racionalizar o que alguns críticos chamam de "masculinização" da mulher, onde ocorre um fenômeno desagradável que gera descontrole e aumento na violência.
As estatísticas demonstram um aumento surpreendente de mulheres marginais, que no comando de quadrilhas são descritas como muito mais violentas do que os homens. Nas escolas adolescentes rolam pelo chão e não se limitam a puxar o cabelo de suas adversárias: usam instrumentos cortantes e cometem assassinatos.
Bebês indesejados são abandonados em sacos de lixo, córregos e vasos sanitários. Cada vez mais mulheres são usuárias de drogas e dependentes de álcool, prostituindo-se também precocemente.
Para os desavisados, essa seria uma situação enfrentada por mulheres de classes sociais mais baixas. Ainda que a condição sócio-econômica seja importante em parte desse comportamento, ela não explica o aumento da violência entre as mulheres das classes média e alta.
Casos de assassinatos cometidos por mulheres, até a frieza de esquartejamento, não são mais tão raros. Comuns, apesar de surpreendentes, são as mulheres furiosas ao volante de carros econômicos ou importados, que chegam ao cúmulo de perseguir suas vítimas após simples bate-boca no trânsito e tentar atropelá-las ou causar danos materiais.
A pergunta é: esse tipo de mulher, com tendência à violência, sempre existiu ou é uma fruto de alguma disfunção moderna, que criou patologias desconhecidas no temperamento feminino?
Mulheres psicopatas sempre existiram na história humana. Há exemplos de sobra. Não há portanto novidade no fato de acontecimentos terríveis na atualidade ter também mulheres em sua autoria. Ainda que não haja consenso, estudos demonstram que o aumento da violência extrema entre mulheres é compatível com a maior incidência da violência em geral, facilitada por circunstâncias do momento, como a sensação de impunidade.
A novidade fica por conta das mulheres que não são psicopatas e que apesar de serem afetivas e inseridas socialmente  recebem influências do meio que levam à mudanças radicais de comportamento. Como exemplo podemos citar o receio à maternidade, que deixa de ser um acontecimento puramente instintivo para se transformar em uma escolha complicada. Como criar filhos em uma sociedade de difícil sobrevivência, já saturada em seus espaços?
A violência que ocorre ocasionalmente,em momentos imprevisíveis, também é motivada pela pressão do meio, extremamente materialista e descartável, originando um estresse que atinge ambos os sexos, sem distinção. Quem não tem estrutura para lidar com essa nova realidade, desenvolvendo a inteligência emocional, é fatalmente levado a ações de violência verbal ou física.
Outro fator torna a mulher mais suscetível à pressão do meio: a desorganização do próprio organismo, com mudanças hormonais mais frequentes. O organismo feminino manteve um ritmo secular (ou milenar) que está sendo brutalmente modificado através de hábitos alimentares, posturais e emocionais. Tudo isso leva à uma patologia ainda controversa, a tal da bipolaridade, ou da mudança de humor em extremos. Ao invés de corrigir a causa, foca-se no controle da disfunção através de medicamentos psiquiátricos, o que não leva ao retorno da normalidade.
Não é possível falar sobre a fúria feminina sem observar uma grande realidade: nos últimos séculos, principalmente no seculo XX,  a sociedade patriarcal transformou valores éticos em bagaço. De tal  maneira que assistir passivamente a derrocada social e os abusos em detrimento do fator humano tornou-se insustentável. A mulher foi obrigada a assumir seu lado combativo.
Como será o futuro do temperamento feminino ainda não se sabe. Afinal a dúvida vale para o temperamento masculino, também alterado pelo novo ambiente. Mas a figura centrada, maternal e voltada para o equilíbrio familiar ainda é o ideal perseguido, seja no micro ou no macro, seja na família, seja na condução política da humanidade. Avaliar seriamente as alternativas e realizar opções não imediatistas, mas que tragam maior equilíbrio individual, parece ser uma emergência coletiva. É bem provável que dessa tempestade surja uma nova mulher, que não carregue o peso de dogmas do passado, mas que também se liberte da poluição perigosa do presente. (Mirna Monteiro)

leia também   http://artemirna.blogspot.com.br/2012/03/o-desafio-de-ser-mulher.html
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                     http://artemirna.blogspot.com.br/2011/05/maes-diferentes.html
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