O rapaz levou um susto quando descobriu que sua "performance" era analisada por garotas e que no final era avaliado, de zero a dez, no "Lulu", um aplicativo no site de relacionamento! Como não podia deixar de acontecer, a resposta veio logo, através de outro aplicativo, o Tubby, desta vez criticando as mulheres, com detalhes da conquista sexual.
Como também não podia deixar de acontecer, essa guerra entre meninos e meninas rendeu uma correria para evitar danos e perdas. Pelo menos para quem está sabendo disso: quem concorda com os termos de uso do Facebook, por exemplo, pode ir parar nesses aplicativos sem ser consultado, já que basta um amigo do perfil participante, para carregar no bojo todos os demais.
É claro que anonimato dos comentários não elimina a responsabilidade legal de quem publica informações reais ou falsas sobre um perfil real. O próprio Facebook, por exemplo, também é considerado co-responsável pelos danos morais nessa brincadeira perigosa dos aplicativos. Mesmo quando a pessoa pede a exclusão dos aplicativos, os dados pessoais permanecem em posse desses sistema.
O resumo da história é a situação inusitada a ser enfrentada no ainda inexplorado ciberespaço em relação à cultura do mundo imediato. No dia a dia as pessoas preservam a identidade, acreditam no sigilo de sua vida privada, de seus momentos íntimos, de seus dramas e alegrias pessoais.
Tudo isso está entrando em choque com o universo virtual, que parece cada vez mais o avesso das convenções e hábitos cultivados ao longo da sociedade desde os tempos mais primitivos.
Até que ponto existe consciência de que um dos valores mais cultivados - o da privacidade - não é possível no ciberespaço, principalmente em sites de relacionamento, ainda não se sabe. Mas pela reação de surpresa e indignação aos abusos de aplicativos e outros mecanismos que permitem acesso à informações pessoais que aparentemente seriam privadas, ainda não se percebeu que para proteger-se no ciberespaço não basta portões e portas trancadas, nem mesmo desligar-se da rede, jogando o celular no mar ou destruindo o computador: nossa presença continua boiando nesse espaço sem fim.
Vivemos entre a razão e a sensibilidade. É um dilema criado pela condição humana, que depende de um sistema social e econômico para sobreviver, que nem sempre é estruturado em acordo com os sentimentos que estruturam a vida emocional e existencial do ser humano. Sob essa ótica, o mundo virtual não oferece os mesmos resultados para acontecimentos idênticos do mundo imediato, já que exige um despojamento maior de elementos que garantiriam proteção e anonimato.
Mais do que isso, se de um lado a impressão de anonimato pode favorecer crimes cibernéticos, de várias modalidades, de outro existe uma possibilidade de localização e desmascaramento de pessoas e ações anônimas. Muito mais eficiente do que na nossa sociedade sustentada por estruturas viciadas que desafiam a ordem por criar maior quantidade de bloqueios à verdade.
De qualquer maneira, o ciberespaço ainda amedronta e causa insegurança justamente por constituir-se do imaterial que assume subitamente uma forma concreta e definitivamente poderosa em sua interferência no que muitas pessoas ainda acreditam ser "o mundo real", que não é antônimo de mundo virtual. Definitivamente, não. (Mirna Monteiro)