Friday, May 27, 2011

FILOSOFIA EM TEMPOS DE APOCALIPSE

O que se ouve:
(...) Sinto a depressão e a tristeza nas pessoas, a vida parece sem sentido...
“(...)Não dá para viver assim (...) Não sou derrotista, mas está demais! Ninguém respeita ninguém, vivemos a era da cara de pau..."
 "(...)Quem desrespeita a lei sem preocupação de ser punido? É quem tem poder econômico e político, ou econômico e por isso político, como as grandes empresas, os bancos, até o quitandeiro da esquina, que riem-se da nossa justiça e colocam-se acima da lei . Quem vive desse jeito? (...)
"(...) Recentemente um grupo de alunos me desacatou na sala de aula e um deles chegou a me ameaçar caso eu "não fosse generosa” com as notas. Sou professora há 16 anos e fico horrorizada com a crescente falta de consideração entre as pessoas. Isso é uma espécie de terrorismo ideológico. Acho que aulas de filosofia e cidadania poderiam ajudar, percebemos que falta referência aos jovens (...)
“(...) Em minha família a farmácia virou rotina, a gente consome lá que nem (sic) se fosse supermercado, todo mundo sofre de depressão e hipertensão, tem armário cheio de medicamentos (...)

Quem já não ouviu sobre algumas dessas situações ou não viveu realidade semelhante? Essas frases são comuns a todo instante, nos mais variados lugares.
A sociedade vai mal?...vai mal, decerto.  Ao mesmo tempo em que avança de maneira surpreendente no desenvolvimento da tecnologia e da ciência, regride com a mesma força na qualidade da vida emocional dos indivíduos, o que afeta a relação na comunidade.
Talvez por esse motivo os livros de auto-ajuda tenham causado uma verdadeira explosão de vendas nas últimas décadas. Talvez por isso igrejas das mais diferentes e estranhas doutrinas movimentem bilhões de fiéis que despejam dinheiro também aos bilhões no mercado religioso.
Por esse motivo, falar em filosofia hoje tornou-se cada vez mais comum. "Sobra pragmatismo, falta filosofia!" dizem. O que se quer dizer com isso? Que a filosofia seria a panacéia para o males modernos que levam à histeria da massa e à desintegração dos principais pilares de uma sociedade organizada, tornando "demodè" o respeito à comunidade?
Há muitas perguntas. Introduzir filosofia e sociologia como matérias obrigatórias no currículo do ensino básico ou médio (Por que ensino médio apenas?) teria um resultado prático?
Quando se fala em sociologia e ou quaisquer "logia", vem a imagem de um sujeito retórico derramando sobre os alunos teorias e mais teorias. O que diremos da filosofia? As jovens crias da educação cibernética e do pragmatismo moderno terão paciência para entender princípios socráticos, pensamento de Platão ou Aristóteles, teorias de Kant e Hengel, aforismos de Nietzsche, ou o criticismo, spinozismo e outros "ismos"?

Se bem que filosofia também é humor, pois se a vida é tragicômica, as deduções sobre ela também são.
Como o relato a respeito da atitude de Sócrates, o mais popular dos filósofos, em sua vida conjugal. "Em certa ocasião, depois de havê-lo injuriado Xantipa, ela arrojou-lhe água ao rosto, ele lhe disse:
- Já o sabia eu, que tão grande tempestade não poderia passar sem chuva" (D. L., II, 36).
Filosofia, de fato, pode ser um estudo extremamente interessante. Ou maçante. Deveria ser matéria curricular, mas de que maneira isso será ministrado, considerando a rapidez do mundo atual? Até que ponto há professores preparados para discutir o ensino da filosofia de maneira que se enquadre no nosso tempo, fazendo renascer de maneira direta e produtiva a capacidade de pensamento, a observação da natureza e o respeito às coisas e seres, de maneira a resgatar a civilidade e os valores fundamentais para a convivência humana?
Ou, mais importante, de que maneira irá traduzir a linguagem de modo a torna-la assimilável para alunos de realidades diferentes.
Uma coisa é conhecer os principios da Filosofia e os estudos dos pensadores, outra é simplificar a comunicação da Filosofia sem distorcer seu sentido.
A Filosofia, na verdade, está presente em todos os campos do conhecimento humano. Ensinar filosofia, é ensinar a pensar!

O RISCO DA DOUTRINAÇÃO
Uma das maiores críticas em relação ao ensino de matérias não curriculares é a do risco da doutrinação. Política, por exemplo, é relacionada a antigos ensinamentos nos anos de ditadura militar, com a Educação Moral e Cívica, onde a criança aprendia valores comunitários, mas também assimilava a orientação política da época, que era baseada na censura e, portanto, na aceitação sem discussão das decisões econômicas, sociais ou educacionais.
No entanto hoje vivemos a liberdade de expressão e o ensino da política continua igualmente importante, mas muito mais complicado de processar-se imparcialmente. Deve mostrar ao cidadão a necessidade de participar das decisões e ações de seus representantes políticos, não se acomodar em mera situação  de leigo que sequer consegue estabelecer a escolha do seu voto de maneira realísta e sem influências do jogo do poder. A  liberdade também tem seu preço com o aumento da responsabilidade individual.
No caso da filosofia, o risco é o mesmo. Um professor despreparado pode confundir ou até mesmo impor determinados valores de interesses momentâneos, utilizando consciente ou inconscientemente de certo maniqueísmo e caindo no risco da doutrinação.
Se a filosofia realmente conseguir se encaixar nos currículos escolares, sempre estaremos enfrentado a duvida a respeito da maneira como será desempenhada na realidade da formação de nossos professores. Ainda que haja capacidade de desempenho e conhecimento suficiente para o repasse de noções de ética e moral em todos os ângulos do pensamento humano, haverá sempre a incontrolável mania de imposição de dogmas escorregando nas entrelinhas. A realidade mostra bem que no contato do professor com alunos ocorrem exageros nas impressões pessoais e ideologias, seja na aula de matemática, português ou, principalmente, história!
No entanto, o ensino da filosofia poderia minimizar o risco da doutrinação, pois um de seus princípios  é a necessidade do aluno conhecer diferentes posturas e opiniões e discutí-las, com a finalidade de criar um interpretação pessoal e por fim estabelecer a própria opinião, considerando o universo ao seu redor.
Talvez isso seja possível sem os artifícios da massificação da filosofia que encontramos nos próprios campos acadêmicos. Há muito mais a se pensar quando a cadeira é trocada pela pedra, onde se acomoda não apenas o corpo, mas também se aguça a percepção de que ali está uma peça original. Talvez a alternativa para o ensino da filosofia em nossas escolas seja o de simplesmente ensinar a pensar, discutir e criar capacidade crítica, como faziam os antigos pensadores que levavam em suas aulas apenas a disposição de usar sabedoria para conversas informais acerca da razão de ser. (Mirna Monteiro)

2 comments:

  1. Elias3:39 PM

    Muito dificil conseguir colocar filosofia como materia escolar,bem que precisamos,mas como tornar isso realidade é dificil,parabéns,gostei demais deste texto,ajuda a pensar sobre o desafio do ensino.

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  2. Cilmara B5:01 PM

    Filosofia é uma capacidade nata e mesmo crendo que podemos ensinar filosofia quem vai ministrar tal materia? Um estudioso dos pensadores ou um filosofo?Tem muita diferença entre ambos e se mal temos professores competentes em matérias com metodologia pronta para ser aplicada,como almejar o ensino da filosofia?

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